sexta-feira, 27 de novembro de 2015

94ª Nota - Jumento, nosso irmão


O Jumento na História, Religião, Economia, Folclore, Literatura

Humberto de Campos, em ‘Destinos’, páginas 29 a 32, escreve interessante diálogo que transcrevemos aqui, como valioso subsídio literário.
Um Gênio cansado de habitar o Espaço, resolveu fixar domicílio na Terra, e nela pousou, um dia. Desceu em uma planície, por onde passava um lenhador puxando o seu burro pelo cabresto, fê-los parar, a fim de lhes pedir informações sobre o mundo em que viviam.
O Gênio – Qual foi de vós, neste planeta, o que inventou a Guerra?
O Burro – (indicando o homem com o focinho) – Foi ele, senhor.
O Gênio – Qual é, dos dois, o que ajuda o outro?
O Homem – É ele, senhor.
O Gênio – Qual é o que conduz ao dorso os peregrinos cansados?
O Burro – Sou eu, senhor.
O Gênio – Qual é, dos dois, o que mata os outros animais para lhes comer a carne?
O Homem – Sou eu, senhor.
O Gênio – Qual é o que engaiola os pássaros, privando-os da liberdade?
O Burro – É ele, senhor.
O Gênio – Qual foi o que conduziu Jesus de Nazaré ao Egito, vencendo léguas no deserto?
O Homem – Foi ele, senhor.
O Gênio – Qual o que levou Jesus, de novo, a Jerusalém, para pregar a palavra divina?
O Homem – Foi ele, senhor.
O Gênio – Qual o que O injuriou, e O crucificou?
O Burro – Foi ele, senhor.
O Gênio – Qual o que se alimenta com a relva do chão, e não pede a Deus senão isso?
O Homem – É ele, senhor.
O Gênio – Qual o que mata os outros animais, para lhes tirar a pele a fim de enfeitar-se com ela?
O Burro – É ele, senhor.
O Gênio – Qual, dos dois, o que é modesto e resignado?
O Homem – É ele, senhor.
O Gênio – Qual é o que se embriaga?
O Burro – É ele, senhor.
O Gênio – Qual é o que não tem ambições, e se satisfaz com que Deus lhe dá?
O Homem – É ele, senhor.
O Gênio – Qual, dos dois, inventou a forca?
O Burro – É ele, senhor.
O Gênio – Qual o que puxa o arado?
O Homem – É ele, senhor.
O Gênio – Qual o que come o pão, que o outro moeu?
O Homem – Sou eu, senhor.
O Gênio – Qual o que se contenta humildemente com a palha?
O Burro – Sou eu, senhor.
O Gênio – Qual o que tem a boca cheia de pragas e blasfêmias contra Deus?
O Homem – Sou eu, senhor.
O Gênio – Qual o que perfura a terra em busca do ouro que Deus enterrou?
O Burro – É ele, senhor.
O Gênio – Qual o que espetou a vela no tronco da madeira, para morrer no mar?
O Homem – Fui eu, senhor.
O Gênio – Qual o que é, na vida, o exemplo da mansidão e candura?
O Homem – É ele, senhor.
O Gênio – Qual o que incendeia as florestas, destruindo as forças vivas da Natureza?
O Burro – É ele, senhor.
O Gênio – Qual o que explora e rouba os seus semelhantes, dividindo-os em ricos, que destroem o trigo, e em pobres que morrem sem pão?
O Burro – É ele, senhor.
O Gênio – Qual o que escraviza os seus irmãos, atirando-os, nos campos de batalha, uns contra os outros?
O Homem – Sou eu, senhor.
O Gênio – Qual o que tem existência mais simples, e na conformidade das leis da Natureza?
O Burro – Sou eu, senhor.
O Gênio – Qual, por ter vida honrada, e pura, é Rei da Criação, e se considera, na Terra, a imagem de Deus?  (Para o burro): – És tu, não é verdade?
O Burro – Não; é ele, senhor.

A essas palavras, o Gênio suspendeu o voo e foi habitar outro planeta.
(Padre Antônio Vieira)