São João da Cruz sabia que os bens
temporais em si mesmos não levam necessariamente ao pecado; mas a observação
cotidiana mostrava-lhe ser tão grande a fragilidade humana, que o coração a
eles se apega, esquecendo-se de Deus. É este abandono de Deus que constitui o
pecado. E eis aqui o antídoto: “Para livrar-se deveras desses danos e temperar
a demasia do apetite, é mister aborrecer toda espécie de posse; nem ter algum
cuidado a respeito; como tampouco acerca de comida, de vestido, ou de outra
coisa criada, nem no dia de amanhã, empregando esse cuidado em outra coisa mais
alta: buscar o reino de Deus, isto é, não faltar a Deus”.
[...] Neste mundo dominado pelo furor do
gozo, ciência e técnica trabalham dia e noite para despertar novos e
insopitáveis desejos, de sorte que ainda ao rico dê a sensação de pobreza, por
lhe faltar o último modelo de automóvel ou porque a residência carece de
qualquer detalhe de ultraconforto. É, pois, indispensável querer ser pobre,
estar desprendido das coisas materiais, Mas não basta desapegar-se das riquezas
para ser verdadeiramente pobre; é ainda necessário desprender-se de tudo. De tudo?
Sim, de tudo. [...] Exige a pobreza espiritual que nos desnudemos sobretudo de
nós mesmos. [...] A pobreza ou desnudez espiritual é o grande instrumento de
libertação da alma, que o apego aos bens criados, o desejo de gozá-los são
outros tantos liames e a enlear a vontade... Ser livre, portanto, não é
expandir os instintos, expressar os caprichos, sestros, limitações; ser livre é
viver segundo nossa natureza espiritual e aderir ao verdadeiro Fim, para
participar da vida livre de Deus.
(Pe. M. Teixeira-Leite Penido)