quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

107ª Nota - A Coruja e o Rouxinol

DA NATUREZA E FINALIDADE DO CANTO


“Coruja, tu me perguntas”, disse o rouxinol, “se nada mais sei fazer além de cantar no verão, trazendo alegria a todos. Por que indagas sobre os meus dons? Meu único dom é melhor que todos os teus; um canto da minha boca é melhor que tudo aquilo que a tua espécie jamais conheceu. E ouve, vou dizer-te por quê. Sabes para que nasceu o homem? Para a ventura do reino celestial, onde há sempre canto e também alegria; para lá vai todo homem que conhece algo de bom. Por isso os homens cantam na santa Igreja e os clérigos compõem cânticos; para que o homem se lembre, através do canto, do lugar para onde deverá ir e longamente ficar, para que não esqueça a alegria, mas pense nela e a alcance, aceitando o ensinamento da Igreja sobre quão jubilosa é a ventura do céu. Clérigos, monges e cônegos, lá onde há comunidades religiosas, levantam-se à meia-noite e cantam a luz celeste; e em toda parte a cantam padres quando se levanta a luz do dia. E eu os ajudo no que posso, cantando com eles noite e dia; e graças a mim todos eles se alegram mais e se dispões melhor para o canto. Alerto os homens para o próprio bem, para que exultem nos seus corações, e peço-lhes que procurem aquele mesmo canto que é eterno.”


Da réplica da Coruja:
“Mas eu te refuto também por outros motivos: pois, quando pousas no teu galho, atrais os homens para a luxúria da carne, sempre que ouvem os teus cantos. Desprezas toda a alegria celeste, porque dela não tens qualquer noção; sabes apenas cantar a lascívia, pois em ti não existe nenhuma santidade; e ninguém há de confundir os teus trinados com o que o padre canta na igreja. Mas vou falar-te sobre outra coisa para ver se és capaz de explicá-la: por que não cantas para outros povos, que do canto têm mais necessidade? Jamais cantas na Irlanda, nem vens nunca para a Escócia. Por que não viajas para a Noruega, nem cantas para os homens de Galloway? Lá vivem pessoas que pouco sabem do cantar que existe sob o sol. Por que não cantas lá para os padres, ensinando-lhes os teus trinados e mostrando-lhes, com as tuas notas, como cantam os anjos do céu? Comportas-te como uma fonte inútil, que brota junto a um rio impetuoso e deixa seca a encosta, enquanto corre sem serventia para a planície. Eu, porém, viajo para o norte e para o sul, e sou conhecido em todas as terras; leste e oeste, longe e perto, cumpro bem o meu dever, alertando os homens com os meus gritos, para que não os seduza o teu canto enganoso. Advirto os homens com o meu canto para que deixem o pecado; peço-lhes que não continuem iludindo a si mesmos, pois é melhor chorar aqui que ser depois companheiro dos demônios.”

http://excerptos.blogspot.com.br/2012/04/coruja-e-o-rouxinol.html