O sedevacantismo faz “triagem de papas”?
Fez-se uma objeção à minha recente
réplica ao bispo W. É uma objeção que frequentemente se faz contra os
sedevacantistas. Objeta-se que os sedevacantistas não podem criticar a FSPX por
fazer a triagem do magistério, já que eles próprios estão fazendo a triagem dos
papas. Encontrando discrepância entre o magistério pré-Vaticano II e o
magistério pós-Vaticano II, os sedevacantistas meramente depõem papas que eles
constatam carecer de ortodoxia. Mas eles não têm autoridade para fazer isso.
Logo, ao mesmo tempo que os sedevacantistas objetam à “peneiração do
magistério”, eles próprios estão envolvidos em “peneiração de papa”, o que dá
no mesmo.
Antes de tudo, como disse em meu artigo,
todo católico deve comparar tudo o que ele escuta com o magistério
anterior da Igreja, inclusive novos atos do magistério mesmo, dado que o
magistério fixa os dogmas da Igreja, que são objeto de nossa fé. Então, uma vez
que a Igreja tenha se pronunciado sobre qualquer questão dogmática ou moral, o
pronunciamento dela fica gravado no mármore. Nada, daí em diante, pode
contradizê-lo legitimamente. Mesmo papas estão vinculados ao magistério
precedente.
A assistência do Espírito Santo à Igreja
assegura que todo ato do magistério da Igreja estará em conformidade com o
magistério anterior. Ademais, pelo dom da indefectibilidade, o Espírito Santo
assiste à Igreja de tal maneira, que nenhuma disciplina ou lei universal, quer
seja ela litúrgica ou outra, poderia prescrever algo pecaminoso.
Logo, havendo contradição entre o
magistério anterior e o presente magistério, o católico tem de ficar do lado do
magistério anterior, que não é alterável de maneira alguma, e é objeto da sua
virtude de fé. Assim fazendo, o católico é obrigado a enxergar o
“magistério” contraditório como não derivado da hierarquia que é assistida pelo
Espírito Santo. Pois é impossível que uma hierarquia, assim assistida, possa
promulgar uma coisa dessas. Logo, a contradição que se encontra no novo
“magistério” tem de ser vista como um sinal infalível de que ele não
procede de uma hierarquia divinamente assistida. Logo, a promulgação das
heresias do Vaticano II por Paulo VI é sinal infalível de que ele não possuía a
autoridade papal, nem jamais o fez, já que ele teria sido assistido de tal
maneira a evitar a promulgação de heresia e erro.
Pode-se dizer o mesmo das leis e
disciplinas. Se os tradicionalistas estão dizendo que a nova liturgia é má, e
que os novos sacramentos são inválidos ao menos em alguns casos, e que o Código
de Direito Canônico de 1983 contém leis pecaminosas, então eles estão
implicitamente asseverando que é impossível que essas coisas procedam
de uma hierarquia divinamente assistida. A conclusão é o sedevacantismo.
Note-se que o tradicionalista não pode
evitar a conclusão do sedevacantismo sem negar implicitamente a assistência do
Espírito Santo à Igreja, o que seria realmente herético.
O grave erro da FSPX e do bispo
W. é, precisamente, dizer que o Papa e a Hierarquia Católica como um
todo é capaz de contradizer o magistério anterior, e é capaz de promulgar
liturgias más, disciplinas más e leis más para toda a Igreja, destarte criando
e promulgando toda uma nova e falsa religião. A solução, dizem eles, é passar o
magistério, liturgia, disciplinas e leis conciliares e pós-conciliares pelo
crivo, para obter o que eles julgam tradicional, ao mesmo tempo que
reconhecendo os promulgadores da religião falsa como a legítima hierarquia
católica. Isso significa que a hierarquia católica infalível promulgou
universalmente heresia e erro, assim como liturgia má, leis más e disciplinas
más. Só que isso é contrário à fé.
Portanto, a fé exige de nós, não que
coemos o magistério e disciplinas faltosos, mas que rejeitemos os promulgadores
como falsa hierarquia, isto é, como uma hierarquia que não têm a autoridade de
ensinar, de governar e de santificar a Igreja.
Os sedevacantistas não
estão depondo ninguém, dado que não têm autoridade alguma para o
fazer. Assim, na tese do bispo Guérard des Lauriers, os fiéis podem e devem
dizer somente que a hierarquia Novus Ordo carece de autoridade, pelas
razões aduzidas, mas não está – nem pode ser – deposta, salvo por uma
autoridade legítima.
O sedevacantismo, como eu disse em meu
artigo, segue aquilo que S. Paulo diz aos fiéis gálatas no primeiro capítulo
dessa Epístola. Se alguém, incluindo um anjo ou ele mesmo, pregar uma
doutrina diferente daquela que ele pregou, seja anátema. Ele não
diz: peneirem a doutrina falsa para reter as migalhas
tradicionais. Noutras palavras, se o pregador viesse a contradizer o
magistério precedente, ele deveria ser totalmente rejeitado, e não “aceito, mas
peneirado”. Assim também, Paulo IV convoca à plena rejeição do eleito papa que
calhe de ser um herege. Os fiéis têm o mandamento, não de peneirar a doutrina
dele para reter o que for verdadeiro, mas de considerá-lo um falso papa.
Portanto, se com “triagem de papas” se
quer dizer que os fiéis católicos devem rejeitar como falso um pregador de doutrina
falsa, ainda que ele porventura fosse o próprio S. Paulo, nesse caso os
sedevacantistas se confessam culpados, pois isso é o que S. Paulo e a Igreja
Católica exigem que façamos. “Triagem de papas” é, na realidade, o termo
errado. “Triagem de herege” é mais exato, isto é: peneirar a hierarquia à cata
de hereges, coisa que a Igreja sempre fez. Pois nenhum herege pode ser
verdadeiro Papa.
O bispo W. quereria transferir a
assistência do Espírito Santo, do Papa e Hierarquia, para os fiéis que creem,
assegurando assim a infalibilidade do magistério por meio do consentimento e
aceitação dos fiéis. Nesse sistema, pode-se ter um Papa e uma Hierarquia em
defecção, mas ao mesmo tempo uma Igreja infalível e indefectível.
Diz um ditado que não se pode comer o
bolo e tê-lo inteiro ao mesmo tempo. Já nesse sistema, por assim dizer, pode-se
ter o seu papa e devorá-lo ao mesmo tempo!
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Rev. Donald J. SANBORN, Resposta ao
Bispo W. sobre a Vacância da Sé Romana, fev. 2014; trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, mar. 2014, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-2eY