terça-feira, 17 de maio de 2016

190ª Nota - Vamos à palavra de dom Sanborn ( I )



O bispo W. cita o argumento dos sedevacantistas de que os “papas” do Vaticano II promulgaram falsas doutrinas, leis e culto. Assim fazendo, estes destroem a indefectibilidade da Igreja, se forem verdadeiros papas. Para rebater esse argumento, ele aduz o caso do Papa Libério (352-366), que – alega ele – assinou um formulário herético. Neste caso, diz ele, a indefectibilidade não operou através do papa, mas através de Santo Atanásio, que permaneceu ortodoxo. De igual maneira em nosso tempo, a indefectibilidade é assegurada através do Arcebispo Dom L. e daqueles que o seguem.

Resposta. Há três coisas a reparar aqui. O Papa Libério não assinou um formulário herético. Assinou, sim, um formulário ambíguo, dando a este interpretação ortodoxa. Mas ainda que se concedesse, em prol da argumentação, que ele tivesse assinado um formulário herético, é certo que o Papa Libério não ensinou essa doutrina à Igreja inteira. Ora, as falsas doutrinas do Vaticano II têm sido promulgadas para a Igreja toda pelos “papas” do Vaticano II e seus “bispos”. Esse fato representa uma diferença essencial entre o caso Libério e o dos “papas” do Vaticano II. Logo, a analogia é falsa.

A indefectibilidade não fica salva pela fidelidade de um bispo ou de alguns bispos aos quais os fiéis devam aferrar-se. A Igreja Católica é essencialmente hierárquica, e consequentemente não é possível separar os seus atos e os seus atributos, dos Papas e da hierarquia universal. O que eles fazem, ela faz. Se eles falham, ela falha. O dom da profecia no Antigo Testamento, que era a missão de ensinar infalivelmente a revelação de Deus para os judeus, foi transferido por Cristo no Novo Testamento à hierarquia católica. Logo, não pode haver nenhum “bispo-profeta” como o Arcebispo Dom L. que coe os ensinamentos da hierarquia católica, destarte tornando-se ele próprio a autoridade infalível. A infalibilidade e indefectibilidade da Igreja Católica tem de ser operada pelo Papa e bispos em união com ele. Ela não tem como ser garantida por um ou alguns bispos que estabeleçam a si próprios como corretores do Papa e do restante da hierarquia. Sustentar uma teoria dessas arruína a constituição divina da Igreja Católica. A essência do Catolicismo é estar dotado de uma hierarquia que tem poder de ensinar, governar e santificar em nome de Cristo e com a mesmíssima autoridade que Jesus Cristo. Se os fiéis, para descobrirem a verdade sobrenatural, precisam recorrer a bispos-profetas, denunciantes que se voltam contra esta hierarquia, a própria natureza e essência da Igreja Católica cai em ruína.

Noutras palavras, ninguém pode falar em nome de Deus acima ou à margem da hierarquia Católica-Romana.

O sistema do bispo W., de peneirar o magistério para determinar sua conformidade com a Tradição, subverte completamente a regra católica da fé, que é o magistério da Igreja Católica. O sistema dele é essencialmente o dos protestantes. Sustentam eles que cada indivíduo tem de decidir por si mesmo qual a verdadeira interpretação das Escrituras. O bispo W. está dizendo que cada católico precisa decidir por si mesmo o que ele considera estar em conformidade com a Tradição ou não estar. Uma tal regra da fé conduziria a exatamente o que o protestantismo é: um aglomerado de pessoas que não têm absolutamente nenhuma unidade de fé, que altercam infindavelmente acerca do que dizem as Escrituras, e que se fragmentaram numa miríade de facções dogmáticas.

Há muitos casos na história da Igreja Católica em que esse apelo ao mais alto tribunal da Tradição por sobre a cabeça do magistério levou a grave erro. Os donatistas tornaram-se cismáticos, por exemplo, porque pensaram que a Igreja estava errada em aceitar como válidos os sacramentos daqueles que tinham caído em apostasia durante a perseguição. Os gregos entraram em cisma no século onze porque diziam, entra outras coisas, que o uso de pão ázimo no rito romano não era tradicional, e portanto não era válido. Eles rejeitaram também o primado do Papa sob pretexto de que não fosse tradicional. Os vétero-católicos no século dezenove, igualmente, rejeitaram a infalibilidade papal alegando que ela não fosse tradicional. Mesmo os modernistas argumentam que a Igreja Católica transformou-se com o tempo em algo que não pode ser encontrado na Igreja primitiva, e que, portanto, não é tradicional. Toda a reforma litúrgica da década de 1960 foi baseada na noção falsa do arqueologismo, a saber: de que os períodos medieval e tridentino criaram uma liturgia que não estava em conformidade com a tradição primitiva. Os feeneyítas alegam que a doutrina católica do Batismo de Sangue e de Desejo não pode ser reconciliada com a Tradição, mas foi inventada no século dezenove.

A noção do bispo W. de peneirar a tradição, que é uma urdidura de Ecône, é um potencial vespeiro de heresia e cisma, e põe o católico tradicional nas piores companhias.
(Texto extraído do blogue Acies Ordinata)