O bispo W. cita o argumento dos
sedevacantistas de que os “papas” do Vaticano II promulgaram falsas
doutrinas, leis e culto. Assim fazendo, estes destroem a indefectibilidade da
Igreja, se forem verdadeiros papas. Para rebater esse argumento, ele aduz o
caso do Papa Libério (352-366), que – alega ele – assinou um formulário
herético. Neste caso, diz ele, a indefectibilidade não operou através do papa,
mas através de Santo Atanásio, que permaneceu ortodoxo. De igual maneira em
nosso tempo, a indefectibilidade é assegurada através do Arcebispo Dom L. e
daqueles que o seguem.
Resposta. Há três coisas a reparar
aqui. O Papa Libério não assinou um formulário herético. Assinou, sim, um
formulário ambíguo, dando a este interpretação ortodoxa. Mas ainda que se
concedesse, em prol da argumentação, que ele tivesse assinado um formulário
herético, é certo que o Papa Libério não ensinou essa doutrina à Igreja
inteira. Ora, as falsas doutrinas do Vaticano II têm sido promulgadas para a
Igreja toda pelos “papas” do Vaticano II e seus “bispos”. Esse fato representa
uma diferença essencial entre o caso Libério e o dos “papas” do
Vaticano II. Logo, a analogia é falsa.
A indefectibilidade não fica salva pela
fidelidade de um bispo ou de alguns bispos aos quais os fiéis devam aferrar-se.
A Igreja Católica é essencialmente hierárquica, e consequentemente não é
possível separar os seus atos e os seus atributos, dos Papas e da hierarquia
universal. O que eles fazem, ela faz. Se eles falham, ela falha. O dom da
profecia no Antigo Testamento, que era a missão de ensinar infalivelmente a
revelação de Deus para os judeus, foi transferido por Cristo no Novo Testamento
à hierarquia católica. Logo, não pode haver nenhum “bispo-profeta” como o
Arcebispo Dom L. que coe os ensinamentos da hierarquia católica, destarte
tornando-se ele próprio a autoridade infalível. A infalibilidade e
indefectibilidade da Igreja Católica tem de ser operada pelo Papa e bispos em
união com ele. Ela não tem como ser garantida por um ou alguns bispos que
estabeleçam a si próprios como corretores do Papa e do restante da hierarquia.
Sustentar uma teoria dessas arruína a constituição divina da Igreja Católica.
A essência do Catolicismo é estar dotado de uma hierarquia que tem
poder de ensinar, governar e santificar em nome de Cristo e com a mesmíssima
autoridade que Jesus Cristo. Se os fiéis, para descobrirem a verdade
sobrenatural, precisam recorrer a bispos-profetas, denunciantes que se
voltam contra esta hierarquia, a própria natureza e essência da
Igreja Católica cai em ruína.
Noutras palavras, ninguém pode falar em
nome de Deus acima ou à margem da hierarquia Católica-Romana.
O sistema do bispo W., de peneirar o
magistério para determinar sua conformidade com a Tradição, subverte
completamente a regra católica da fé, que é o magistério da Igreja
Católica. O sistema dele é essencialmente o dos protestantes. Sustentam eles
que cada indivíduo tem de decidir por si mesmo qual a verdadeira interpretação
das Escrituras. O bispo W. está dizendo que cada católico precisa decidir por
si mesmo o que ele considera estar em conformidade com a Tradição ou não estar.
Uma tal regra da fé conduziria a exatamente o que o protestantismo é: um
aglomerado de pessoas que não têm absolutamente nenhuma unidade de fé, que
altercam infindavelmente acerca do que dizem as Escrituras, e que se
fragmentaram numa miríade de facções dogmáticas.
Há muitos casos na história da Igreja
Católica em que esse apelo ao mais alto tribunal da Tradição por sobre a cabeça
do magistério levou a grave erro. Os donatistas tornaram-se cismáticos, por
exemplo, porque pensaram que a Igreja estava errada em aceitar como válidos os
sacramentos daqueles que tinham caído em apostasia durante a perseguição. Os
gregos entraram em cisma no século onze porque diziam, entra outras coisas, que
o uso de pão ázimo no rito romano não era tradicional, e portanto não era
válido. Eles rejeitaram também o primado do Papa sob pretexto de que não fosse
tradicional. Os vétero-católicos no século dezenove, igualmente, rejeitaram a
infalibilidade papal alegando que ela não fosse tradicional. Mesmo os
modernistas argumentam que a Igreja Católica transformou-se com o tempo em algo
que não pode ser encontrado na Igreja primitiva, e que, portanto, não é
tradicional. Toda a reforma litúrgica da década de 1960 foi baseada na noção
falsa do arqueologismo, a saber: de que os períodos medieval e tridentino
criaram uma liturgia que não estava em conformidade com a tradição primitiva.
Os feeneyítas alegam que a doutrina católica do Batismo de Sangue e de Desejo
não pode ser reconciliada com a Tradição, mas foi inventada no século dezenove.
A noção do bispo W. de peneirar a
tradição, que é uma urdidura de Ecône, é um potencial vespeiro de heresia e
cisma, e põe o católico tradicional nas piores companhias.
(Texto extraído do blogue Acies Ordinata)