O bispo W. afirma corretamente: “O que
os bispos do mundo ensinam, em união com o Papa, é o Magistério Universal
Ordinário da Igreja, que é infalível.” Ele propõe então o argumento dos
sedevacantistas de que, dado que o Vaticano II tem sido promulgado pelos
“papas” e “bispos” do Vaticano II, é impossível que eles sejam verdadeiros
Papas e bispos. O bispo W. responde a isto dizendo que o Magistério Ordinário
Universal do Vaticano II e anos subsequentes não esteve de acordo com a
Tradição. Logo, não é magistério ordinário universal. Logo, o argumento dos
sedevacantistas é falso.
Resposta. A noção que o bispo W.
tem do Magistério Ordinário Universal (a ordem usual das palavras; doravante:
MOU) é falsa. Vem de uma teoria que era comumente propagada em Ecône quando lá
estive, de que um ensinamento não qualificava como MOU se não estivesse em
conformidade com a Tradição. Logo, nessa visão, é possível que o Romano
Pontífice junto do inteiro corpo dos bispos ensine uma doutrina à Igreja
inteira que, de fato, seja herética. Uma afirmação dessas é que é herética!
Em parte alguma, a ideia econiana de
fazer a triagem do MOU pode ser encontrada nos livros-texto de teologia
dogmática ou no ensinamento da Igreja Católica. A definição de MOU dada pelo
Pe. Reginald-Maria Schultes O.P., escrevendo em 1931, é a seguinte: “O
magistério ordinário e universal é exercido quando a
Igreja prega a doutrina revelada, ensina-a em suas escolas, publica-a através
dos bispos, e a atesta e explica através dos Padres da Igreja e dos teólogos.”
[1. Schultes, Reginald-Maria, De Ecclesia Catholica Prælectiones
Apologeticæ (Paris: Lethielleux, 1931), p. 355.] Todos os
teólogos católicos concordam nesta definição.
O Pe. Sylvester Berry escreve:
“A autoridade
docente ordinária dos bispos é aquela que eles exercem ao ensinarem
os fiéis de suas respectivas dioceses mediante cartas pastorais, sermões
proferidos por eles próprios ou por outros aprovados para esse fim, e mediante
catecismos ou outros livros de instrução publicados e aprovados por eles.
Quando os bispos da Igreja, empenhados desse modo no dever de instruir seu
povo, são praticamente unânimes em proclamar uma doutrina de fé ou costumes,
diz-se que eles exercem a autoridade docente universal, e são então
infalíveis quanto a esta doutrina. Noutras palavras, uma doutrina de fé ou
moral na qual praticamente todos os bispos da Igreja concordem é infalivelmente
verdadeira. A fé da Igreja discente deve corresponder à fé proposta pelos
bispos que constituem o corpo docente na Igreja. Logo, se os bispos como um
corpo não fossem infalíveis, a Igreja toda poderia ser induzida em erro a
qualquer momento, e destarte cessar de ser a Igreja de Cristo, a coluna e o
fundamento da verdade.” [2.
Berry, Sylvester, D.D., The Church of Christ (Saint Louis: B. Herder,
1927), pp. 466-467.]
Para provar ainda mais o que estou
dizendo, chamo vossa atenção para o livro-texto de teologia dogmática escrito
pelo Pe. Francis Diekamp em 1917, intitulado Theologiæ Dogmaticæ Manuale.
Ele afirma:
“Os bispos individuais exercem o
supramencionado magistério ordinário na sua instrução religiosa ordinária ou em
instruções desse tipo que ocorram por ordem sua e sob sua vigilância, e em
juízos publicados pelos Soberanos Pontífices e dados por escrito, em Sínodos
sejam provinciais ou diocesanos, na condenação de erros feita em cartas
pastorais, na publicação de catecismos ou livros de devoção que são
distribuídos à diocese toda, etc.
Os livros litúrgicos prescritos pelos
bispos e especialmente pelos Romanos Pontífices são de grande importância em
argumentos tocantes ao dogma. As leis, ritos e orações neles contidas dão
testemunho da fé dos pastores e dos fiéis. Do consenso, com que todas as
igrejas ocidentais e orientais concordam na fé, advém obrigação de prestar o
assentimento de fé. O Papa Celestino I [422-432] ensinou isto: “Olhemos também
para os mistérios sagrados das orações dos sacerdotes, que foram transmitidas
desde os Apóstolos e são uniformemente celebradas no mundo todo e em todas as
igrejas católicas, a fim de que a lei da oração fixe a lei da crença.” (Epist. 21, 11)
A doutrina dos bispos considerados
conjuntamente, exatamente como a definição ex cathedra do Romano
Pontífice, não é tornada infalível pelo assentimento que a Igreja discente dá a
ela; pelo contrário, é infalível por si mesma em razão da assistência
divina, pela qual é preservada de erro.”
A doutrina exposta por esses autores,
bem como a descrição do MOU, estão em conformidade com a de todos os teólogos
católicos. Ultrapassa o escopo deste artigo aduzir todas as provas.
A noção de MOU do bispo W., por outro
lado, não pode ser encontrada no livro de nenhum teólogo católico, nem no
magistério da Igreja. A ideia de MOU do bispo W. exige que o
ensinamento universal da Igreja seja analisado e adjudicado pelos fiéis quanto
à sua conformidade com a Tradição. Num tal cenário, é inteiramente possível que
a hierarquia ensine heresia num dado ponto qualquer, mas que a infalibilidade e
indefectibilidade da Igreja sejam preservadas pela
própria rejeição desse magistério, com base em os fiéis não o
encontrarem conforme à Tradição. Isso é tão absurdo como dizer: “a Igreja
Católica é infalível exceto quando erra.” Ademais, o sistema dele requer que os
fiéis formem o juízo de se aceitam ou não aceitam o magistério ordinário
universal, baseados numa convicção pessoal de que ele está em conformidade com
a Tradição ou não está. Noutras palavras, os fiéis devem peneirar o
ensinamento da Igreja universal, toda vez que ela se pronuncia, a fim de
distinguir a verdade do erro. Como já disse, uma tal noção de magistério
despoja o Papa e a Hierarquia de sua autoridade e a desloca para o indivíduo,
já que ele tem a última palavra quanto a se a doutrina está ou não está
conforme à Tradição.
O que o bispo W. diz sobre a Tradição
também poderia ser atribuído à Escritura. E se eu pensar que algum ato do
magistério da Igreja não é compatível com a Sagrada Escritura? Tenho então o
direito de rejeitá-lo, ao mesmo tempo que considerando o papa negador da
Escritura como verdadeiro Vigário de Cristo?
A arrepiante realidade é que as ideias
do bispo W. estão em exata conformidade com aquilo que o herege arquimodernista
Hans Küng disse em seu livro de 1970 intitulado Infalível? Uma
Interpelação. Nele, Küng diz que a infalibilidade da Igreja não está atrelada a
fórmulas dogmáticas, as quais, diz ele, na realidade podem estar erradas, mas
sim ao comprometimento global e duradouro da Igreja com a verdade. Küng afirma:
“A infalibilidade, a inenganabilidade
nesse sentido radical, significa, portanto, uma permanência fundamental da
Igreja na verdade, que não é anulada por erros individuais.” [3. Küng, Hans, Infallibility? An Inquiry (Garden
City, New York: Doubleday, 1971), pág. 181.]
“Mas ser verdadeira, por parte da
Igreja, não depende absolutamente de proposições infalíveis bem definidas, mas
em permanecer ela na verdade através de todas as — mesmo errôneas —
proposições.” [4. Ibid., pág. 182.]
Ele cita Yves Congar, outro
arquimodernista no Concílio:
“Uma ou outra parte da Igreja pode
errar, até mesmo os bispos, até mesmo o papa; a Igreja pode ser chacoalhada
pelas tempestades: no fim, ela permanece fiel.” [5. Citado em ibid., pág.
183.]
E a seguinte afirmação de Küng se
assemelha bem de perto à posição do bispo W.:
“Onde, então, nesses tempos sombrios, a
indefectibilidade da Igreja foi realmente manifestada? Não na hierarquia nem na
teologia, mas entre aqueles inumeráveis e em sua maioria desconhecidos cristãos
— e sempre houve alguns bispos e teólogos no meio deles — que, mesmo nos piores
períodos da Igreja, ouviram a mensagem cristã e tentaram viver de acordo com
ela na fé, no amor e na esperança.” [6. Ibid., pág. 189.]
“Foram eles as verdadeiras testemunhas
da verdade de Cristo…” [7. Ibid.]
Küng cita os cismáticos orientais, a fim
de provar sua tese:
Os patriarcas cismáticos escreveram a
Pio IX em 1848: “Entre nós, nem Patriarcas nem Concílios jamais lograram
introduzir novos ensinamentos, pois o guardião da religião é o próprio corpo da
Igreja, ou seja o próprio povo (laos).” [8. Apud ibid., pág. 200.]
Küng cita o teólogo russo cismático
Alexei Khomiakov, que diz:
“A constância invariante e verdade
inerrante do dogma cristão não depende de nenhuma ordem hierárquica; ela é
guardada pela totalidade, pelo inteiro povo da Igreja, que é o Corpo de
Cristo.” [9. Apud ibid., página 201.]
Nos Trinta e Nove Artigos anglicanos,
lê-se: “Assim como as Igrejas de Jerusalém, de Alexandria e de Antioquia
erraram; assim também a Igreja de Roma errou, não somente em sua conduta e
forma cerimonial, mas também em questões de fé.”
O bispo W. não consegue escapar do
acordo com esses hereges protestantes, pois mantendo ele que a hierarquia
modernista é a hierarquia católica, ele não tem como fugir da conclusão de que
“a Igreja de Roma errou”. Em contrapartida, o sedevacantista mantém que os
falsos ensinamentos e práticas do Vaticano II não vêm da Igreja de Roma, mas de
um grupo de mafiosos eclesiásticos, hereges, que estão simulando ser a
hierarquia católica. O dever do católico nesta crise
é desmascarar esses impostores, e denunciá-los como falsos hierarcas.
É verdade que devemos comparar todas as
coisas, ditas por quem quer que seja, com o ensinamento tradicional da
Igreja. De igual maneira, comparamos com os primeiros princípios da razão tudo
aquilo que ouvimos, e imediatamente rejeitamos o que for contraditório. Num
caso como o nosso, em que vimos a aparente hierarquia católica ensinar falsa
doutrina e promulgar falso culto e leis pecaminosas, é necessário concluir que
eles não são verdadeiros papa e bispos, dado que é impossível que verdadeiros
papa e bispos, tomados como um todo, façam uma coisa dessas. A defecção do
Vaticano II com relação à verdade, e seu ensinamento de heresia à Igreja
universal, são sinal infalível de que Paulo VI não era verdadeiro
papa, e nunca foi um verdadeiro papa. Pois toda a autoridade de qualquer
concílio geral depende do Papa.
A doutrina que acabo de expor está
inteiramente concorde com a Sagrada Escritura, na qual São Paulo, em Gálatas I,
8-9, afirma: “Mas ainda que nós, ou um anjo do céu, vos pregue um evangelho
além daquele que nós vos pregamos, seja anátema. Como eu já disse, digo
novamente agora: Se alguém vos pregar um evangelho, além daquele que vós
recebestes, seja anátema.” Note-se que ele não os manda peneirar o
docente de falsidades à cata de migalhas de boa doutrina, mas pelo contrário,
manda que eles o rejeitem por completo. Seja anátema. Esta doutrina está
em conformidade também com a bula do Papa Paulo IV Cum ex Apostolatus de
1559, que convoca à completa rejeição de um Romano Pontífice que se descubra
ser herege, e não à triagem da doutrina dele.
Resumindo minha resposta: O magistério
ordinário universal, que é o ensinamento referente à fé e à moral de todos os
bispos espalhados pelo mundo inteiro, junto do Romano Pontífice, é infalível.
Esta doutrina foi definida no Concílio Vaticano de 1870, e está no
Código de Direito Canônico de 1917. Logo, é herético até mesmo pôr em dúvida
aquilo que é ensinado pelo magistério ordinário universal. Se o que aparenta
ser o magistério ordinário universal contradiz o ensinamento da Igreja, então a
conclusão necessária é que isso não pode ter vindo da verdadeira
hierarquia da Igreja Católica, pois eles são assistidos por Cristo a não
cometerem erros a esse respeito. É contrário à constituição da Igreja
rejeitar o magistério ordinário universal como falso, ao mesmo tempo que aceitando
a hierarquia que o promulga como sendo a verdadeira hierarquia
Católico-Romana. A noção de magistério ordinário universal do bispo W. é
falsa, e extremamente perigosa, pois leva o católico a crer que a inteira
Igreja docente, o Romano Pontífice com todos os bispos, seja capaz de ensinar
erro em matérias que são da alçada da fé. Portanto, os princípios do bispo W.
concernentes ao magistério ordinário universal não podem ser usados contra os
argumentos em prol do sedevacantismo, já que os princípios dele são falsos.