Essas tentativas de servir-se da Igreja
para fins políticos e a culpável condescendência de certos homens da Igreja em
consentir que a organização eclesiástica fosse usada para interesses políticos,
como preço de vantagens seculares, pode chamar-se pragmatismo sociológico.
Voltaire o conhecia. Ainda que ele rejeitasse as “superstições infantis”,
estava convencido de que a sociedade e o Estado precisam da Igreja para o
governo da plebe; o padre é o melhor policial, e muito mais barato, que o
gendarme. Taine considerava pior para a nação do que para a Igreja, a crescente
infidelidade da plebe. Napoleão e muitos césares industriais chegaram a
repetir: “A religião deve ser conservada para a plebe.” Não acreditavam, todos
eles, na doutrina cristã. Alegavam mesmo que podiam dar-se ao luxo de ser
incrédulos, mas que a doutrina é útil para proteger-lhes os interesses. Esse
pragmatismo sociológico chegou a seu auge nos escritos de Charles Maurras, o
qual se declarou: Catholique, mais athée. Le catholicisme, c’est l’ordre.
Fez aguda distinção entre o elemento cristão e o católico. O elemento
cristão é o espírito do Evangelho, o amor do Sermão da Montanha, o
individualismo de Lutero, que pôs a Bíblia nas mãos da plebe sem instrução,
preparando-a para a revolta. O elemento católico é a ordem concisa do dogma de
Roma, o poder monárquico autoritário do papa, assentado na admirável disposição
do direito canônico. É, para Maurras, a única defesa contra o anarquismo
revoltoso das ideias de 1789 e da democracia moderna.
Na base de todo esse pragmatismo
sociológico apóia-se a seguinte suposição: A Igreja desempenha suas tarefas,
ensina seus dogmas, administra os sacramentos, consola os infelizes, admoesta
os poderosos e ajuda a autoridade política a estabelecer a boa ordem, não para
que os homens possam viver e trabalhar pela salvação de suas almas; não, tudo
isso ela o faz pela “cultura”. A cultura é um luxo ao lado do desagradável e
humilhante pulular das necessidades da vida; a cultura é um divertimento,
divertimento de uma pequena classe governante de senhores. Cabe à Igreja e a
sua doutrina, no interesse desses senhores, transferir para o outro mundo os
efeitos das doutrinas cristãs, que oferecem tanto perigo para essa cultura aristocrática;
deve torná-los inofensivos à cultura. O catolicismo, como princípio da ordem, –
eis a cápsula que encerra o veneno, as “ideias cristãs”, para preservar a plebe
– torna possível a cultura.
Como
a própria Igreja, a filosofia política, brotando-lhe do seio, não pode ser
reivindicada por nenhuma das formas históricas da vida política. Tal
reivindicação estaria em contradição com a sua origem essencial, a ideia da lei
natural, que em certo modo representa a conexão entre o mundo e a Igreja. A lei
natural, como a continuação da metafísica, é a norma fundamental de toda
atividade moral e prática e, por conseguinte, também da política. É a lei
eterna a emanar do ser e da vontade de Deus, como a revelação e a graça
sobrenatural, e que é reconhecida pelas criaturas humanas, dotadas de razão e
livre arbítrio, como lei natural, como regra dos atos humanos e sua norma
crítica. Por conseguinte, como regra também e norma da vida política. Ora, a
lei natural reclama a lei positiva, para se concretizar em cada situação
histórica, em circunstâncias que vão sempre mudando. A ordem natural reclama
uma lei positiva concreta, entre as nações e nas nações, hic
et nunc. Nem o conjunto das leis positivas da vida política, nem alguma
delas em si mesma, constitui a ordem natural, ainda que esta última seja a
regra de conduta e a norma de julgamento para qualquer ordem positiva.
(Excerto de “O Estado
no Pensamento Católico”, de Heinrich Albert Rommen)