Não se pode justificar facilmente que a
morte de São José fosse posterior à de Jesus. Antes, todas as probabilidades, e
mormente a recomendação do Salvador a S. João, mostrando-lhe a sua divina Mãe,
reforçam a opinião de que ele já não existia. E como poderia admitir-se que o
dileto Filho do seu coração, o seu querido Menino, lhe não assistisse à hora da
morte? “Bem-aventurados os que usam de misericórdia, porque também eles obterão
misericórdia” (Mat., V, 7).
Ah! quantos cuidados, quanto amor e
misericórdia não dispensou este Pai adotivo ao Salvador, desde que este veio ao
mundo, débil criancinha! E poder-se-á conceber que ao deixar este mundo o seu
divino Filho lhe não retribuísse, em centuplicado, tais afetos,
prodigalizando-lhe todas as suavidades celestes?
As cegonhas são a mais fiel imagem do
mútuo amor entre pais e filhos; porque, sendo aves de arribação, transportam
nas asas os pais e mães decrépitas, assim como por eles eram transportadas, em
pequeninas nas suas viagens periódicas.
Durante a infância do Salvador, o grande
S. José, seu pai adotivo, e a gloriosa Virgem Maria, sua Mãe, conduziram-no muitas
vezes, e especialmente naquela viagem que fizeram da Judeia para o Egito e do
Egito para a Judeia. Quem duvidará, pois, de que este pai tão desvelado,
chegando ao termo da existência, seria igualmente conduzido, ao passar deste
mundo para o outro, pelo seu divino Filho, para o seio de Abraão, para dali o
transportar ao seu, na glória, no dia da sua maravilhosa Ascensão?
Um Santo que tanto amou em vida não
podia morrer senão de amor; porque, não podendo sua alma amar o seu querido
Jesus, até à saciedade entre as distrações desta vida, e tendo terminado a
tarefa de que fora incumbido na infância do Homem-Deus, que lhe restava senão
dizer ao Pai Eterno: “Ó Pai, concluída é a missão de que me encarregastes” (Jo.
XVII, 4), e depois ao Filho: Ó meu Filho, assim como o Pai celeste entregou o
vosso corpo nas minhas mãos, no dia em que viestes ao mundo, assim hoje, que me
separo desta vida, “entrego o meu espírito nas vossas mãos” (Sal. XXX, 6; Luc.
XXIII, 46).
É assim que eu imagino ter sido a morte
do eminente Patriarca, escolhido para desempenhar a mais tenra, a mais afetuosa
e nobre missão, que jamais foi nem será desempenhada junto do Filho de Deus,
depois da que exerceu sua celeste Esposa, verdadeira Mãe natural deste divino
Filho.
Nota do blogue: O grande
chanceler de Paris, Gerson, acrescenta que Jesus preparou para a sepultura o
corpo virginal de seu Pai adotivo, cruzou-lhe as mãos ao peito e o abençoou,
para que não se corrompesse no sepulcro.
(São Francisco de Sales, em seu Tratado
do Amor de Deus)