Após a Shoah, ficou impossível
falar do lugar do povo judeu na economia mundial. São raríssimas as empresas
que se mantiveram propriamente judaicas. Em sua maioria, aquelas das quais
falamos até aqui, que o eram por causa de seus fundadores, não o são mais, ou
até desapareceram. De geração em geração, o fogo sagrado acabou por enfraquecer
até apagar-se. Como os outros, os judeus se assimilam, e suas empresas deixam
de ser identificáveis aos respectivos criadores, ainda que estes lhes tenham
legado o nome. Por fim, os que ainda dirigem empresas, como assalariados, não
lhes imprimem uma especificidade judaica e não constituem um grupo específico:
já não existe – ou quase não existe – “dinheiro judaico”.
Para começar, certos industriais judeus
deixam de sê-lo. Entre estes, Marcel Bloch, ao voltar de Buchenwald, torna-se
Marcel Dassault, converte-se e produz em 1949 um primeiro avião a jato,
o Ouragan, seguido do Mystère e do Mirage. Outros criadores
também mudam de nome, às vezes sem esconder isso – como Ralf Lifchitz, que
passou a chamar-se Ralph Lauren –, às vezes mais discretamente.
Em contraposição, certos dirigentes de
empresas na condição de assalariados são judeus, sem que estas, evidentemente,
possam ser consideradas judaicas, como, no entanto, pretendem incontáveis
panfletos antissemitas. Por exemplo, a Dupont de Nemours, empresa química
fundada no fim do século XVIII por um protestante francês, foi durante algum
tempo dirigida por um judeu lituano, Ernest Shapiro, e uma parte de suas ações
pertenceu por um momento ao grupo Bronfman, sem que com isso ela se tornasse
uma firma judaica. Do mesmo modo, a Walt Disney Company, cujos principais
quadros dirigentes de hoje são judeus, não é uma sociedade judaica, apesar do
que dizem também incontáveis sites e publicações antissemitas nos Estados
Unidos. Tal é igualmente o caso da Time Warner, da Warner Music, da ABC, da
CBS. Michel Bloomberg, fundador de uma agência de informações financeiras e
novo prefeito de Nova York, Larry Ellison, fundador da Oracle, e Steve Balmer,
presidente da Microsoft, evidentemente não fazem das empresas que eles dirigem
– ou que criaram – “empresas judaicas”.
Em Hollywood, a Goldwyn Pictures
permanece, ao lado da NBC (dirigida pelo filho de David Sarnoff), como a única
empresa de origem judaica ainda dirigida por um descendente do fundador (o
filho de Samuel Goldwyn). Em Londres, a agência Reuters – que não esconde suas
origens em sua “biografia” oficial – jamais teve alguma coisa de agência
especificamente judaica!
Na imprensa escrita, o grupo Newhouse
(fundado por Samuel Newhouse – nascido na Rússia em 1895 – e dirigido por seus
filhos Samuel e Donald) controla vinte e seis jornais, editoras e revistas
(Vogue, Vanity Fair, New Yorker) sem ser especificamente judaico. Assim
como o New York Times, que ainda pertence à família Ochs e é dirigido por
Arthur Ochs Sulzberger, bisneto do primeiro proprietário. O Washington
Post continua pertencendo à filha de Eugen Mayer, que passou a chamar-se Kathy
Graham e cujo filho dirige hoje o grupo, também proprietário da Newsweek.
Nenhuma rede secreta os liga, nem em
público nem nos bastidores. E, se os Pritzker são proprietários dos hotéis
Hyatt, evidentemente não há nada de específico em seus negócios ou em sua
clientela!
Por fim, dos bancos judaicos que
financiaram a economia do século XIX, poucos sobreviveram: o Warburg, o
Seligman, o Bischoffsheim, o Kuhn-Loeb foram engolidos por outros; o Oppenheim,
o Guggenheim, o Lehman, o Bleichröder tornaram-se quase insignificantes.
Na colocação de empréstimos, somente
dois estabelecimentos de origem judaica – Salomon Brothers e Dillon-Reed –
mantêm-se como principais corretores de colocação de obrigações, mas há muito
tempo perderam qualquer especificidade. O Salomon Brothers salva Nova York da
falência em 1975 – com Felix Rohatyn, do Lazard – e a Chrysler em 1980,
obtendo-lhe 5 bilhões de dólares de empréstimos garantidos pelo governo
federal. Nenhum desses dois estabelecimentos é dirigido por descendentes das
famílias fundadoras, e nada lembra suas origens – nem mesmo em suas brochuras
ou em seu site na Internet –, que Dillon sempre rejeitou.
Entre os bancos de negócios do século
XIX, só conservam importância o Goldman-Sachs, o Lazard e o Rothschild, sendo
os dois últimos os únicos ainda dirigidos por descendentes das famílias
fundadoras.
Desde o início do século XX, o
Goldman-Sachs, que se alçou com o Merryl Lynch ao primeiro nível dos bancos de
negócios mundiais a partir de 1986, já não é dirigido por membros das famílias
fundadoras. Até há pouco tempo, quem o dirigia era John L. Winberg, filho e
neto de dirigentes da firma, mas sem vínculo de parentesco com os fundadores.
O Banco Lazard, desenvolvido por André
Meyer a partir dos anos 40 e, a partir de 1975, por Michel David-Weill, descendente
de um dos três fundadores, é hoje uma grande casa mundial, consultora das
principais fusões e aquisições, sem especificidade judaica. Vindo da Hungria,
com passagem por Paris, Felix Rohatyn exerceu nele um papel considerável, hoje
desempenhado por Bruce Wasserstein, que assumiu a direção no lugar de Michel
David-Weill.
A casa Rothschild mantém seu nível na
Grã-Bretanha. Na França, David de Rothschild, filho de Guy, descendente de
James, recriou a casa em Paris como banco de negócios em 1987, após a
nacionalização como banco comercial em 1982. Em seguida, David foi associado à
direção do de Londres e hoje faz do conjunto, com seu primo Evelyn, um dos
primeiros bancos de negócios do mundo. Ele ainda dirige, depois de seu pai,
Guy, a instituição de assistência social da comunidade francesa, o FSJU. Seu
primo Benjamim, filho de Edmond, dirige outro grupo Rothschild, outro conjunto
de bancos, sem ou quase sem qualquer relação financeira com o precedente.
Muitos bancos criados por judeus na
Europa desapareceram com o nazismo e não ressurgiram dos escombros. Em
Bruxelas, o banco Philippson, fundado em 1871 por Franz Philippson e que passou
a chamar-se banco Degroof durante a última guerra, não recuperou seu nome. Os
descendentes dos proprietários iniciais voltaram a ser acionistas minoritários
e um deles preside o conselho administrativo do Degroof. Em Hamburgo, o banco
Warburg, que se tornou Brinckmann em 1939 e voltou a ser Warburg em 1991, dois
anos após a saída da família Brinckmann, praticamente desapareceu. O Deutsche
Bank – que, em sua “biografia” oficial, não menciona o judaísmo de seu
fundador, Ludwig Bamberger – e o Dresdner Bank – o qual, por sua vez, não o
esconde – já não têm nada de judaicos. Na Polônia, é também esse o caso dos
bancos Handlowy e PKO. De igual modo, em Londres, o Hambros há muito tempo
deixou de ser um banco judaico, tanto por seus acionistas quanto por seus
dirigentes.
Trajetória meteórica: em 1938, o
sobrinho de Max Warburg, Siegmund, cria a casa S. G. Warburg em Londres, antes
de participar do financiamento da economia de guerra, de inventar as ofertas
públicas de compra de ações, de lançar mais tarde os primeiros empréstimos em
eurodólares e de tentar inutilmente uma fusão com o Kuhn-Loeb, para reatar com
a tradição familiar. Ele morre em 1982 sem ter visto desaparecer sua casa – da
qual faz então uma das principais no mundo –, engolida quinze anos depois pela
União dos Bancos Suíços.
Por outro lado, vários judeus eminentes
exercem um papel importante no encaminhamento das instituições financeiras
internacionais que se instalam a partir de 1944.
É o caso de Harry Dexter White, filho de
emigrados lituanos, nascido em Boston em 1892. Ele escolhe os movimentos
financeiros estrangeiros na França como tema de sua tese, demonstrando que as
exportações de capitais podem levar um país ao desastre. Depois de lutar
no front em 1917, ensina economia em diversas universidades
americanas e, em 1934, passa a trabalhar na administração pública.
Vice-ministro das Finanças e adjunto de Henry Morgenthau em 1942, prepara com
os britânicos os estatutos das futuras instituições financeiras internacionais,
cuja criação está prevista para depois do fim da guerra, de resultado ainda
indeciso. Ele propõe a implantação de um fundo de estabilização dos câmbios que
emitiria uma moeda de reserva, a unitas, e de um banco mundial de
investimento que financiaria o desenvolvimento dos países a reconstruir e
gerenciaria o estoque mundial de ouro. Diante disso, o negociador britânico,
John Maynard Keynes – que já foi um dos negociadores britânicos do tratado de
Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial –, propõe um sistema menos dependente
dos Estados Unidos: uma moeda mundial, o bancor, e um banco central
mundial. Harry Dexter White impõe tanto mais facilmente seus pontos de vista a
Keynes quanto os comboios de navios americanos de socorro que atravessam o
Atlântico parecem retardar ou acelerar sua velocidade pelo ritmo dos progressos
obtidos pelos negociadores... Em julho de 1944, em Bretton Woods, nos Estados Unidos,
o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) é reduzido à concessão de
empréstimos a curto prazo para compensar as flutuações das taxas de câmbio; o
do Banco Mundial limita-se a consentir empréstimos para o lançamento de
projetos específicos no Terceiro Mundo. Nomeado primeiro administrador
americano do FMI, Harry Dexter White, então muito doente, tem de demitir-se já
em março de 1947. Em janeiro de 1948, é acusado de ser agente comunista, por
haver desejado a adesão da URSS ao FMI e por ter proposto, com Henry
Morgenthau, o desmantelamento da indústria alemã. Em abril, depõe numa comissão
de inquérito do Senado. Interrogatório tenso: recusam-lhe o repouso que ele
solicita; ele morre quarenta e oito horas depois. Em 1953, o senador McCarthy
acusará o presidente Truman de ter ocultado que Harry Dexter White era espião
soviético, antes de os arquivos demonstrarem que ele nunca foi nada disso.
Outros, mais tarde, exercerão um papel
influente junto aos poderosos, em certos países da Europa, criando várias
outras instituições financeiras internacionais e continuando a escapar, pela
literatura ou pela ciência, às profissões ligadas a dinheiro.
Hoje, quando brokers e fundos
de pensão gerenciam o essencial da poupança do mundo, o ofício de corretor de
capitais toma novas direções. Mais uma vez, encontramos corretores judeus nos
setores mais inseguros: primeiro as junk bonds, títulos muito arriscados,
outrora tão úteis ao financiamento da indústria americana, e em seguida
os hedge funds, mecanismo de cobertura dos riscos. Alguns trabalham em
bancos ou em fundos especializados, tais como o Marshall-Wace, o Voltaire, o
Meditor ou o Tiger. Outros se encontram entre os gerentes dos principais
fundos, tais como o Capital Research International, o Fidelity ou os do Deutsche
Bank, e até em fundos de venture capital dedicados a financiar a
inovação.
Entre estes últimos, um dos únicos a ter
criado sua própria estrutura é Georges Soros. Nascido na Hungria em 1930,
chegado em Londres em 1947, ele trabalha de início para o que resta então do
pequeno banco Bleichröder em Nova York, antes de fundar em 1979 o Quantum Fund,
que logo passa a gerir mais de 15 bilhões de dólares. Mais que um investidor,
Soros é especializado na gestão a curto prazo, inclusive a especulação sobre as
moedas, antes de consagrar o essencial de seu tempo, e de sua fortuna, às suas
fundações pela promoção da democracia no leste da Europa e à propagação das
ideias do filósofo Karl Popper.
Dois setores permanecem amplamente
judaicos, como há séculos: as indústrias de roupas, em Londres, Chicago, Nova
York e Paris, e a corretagem de diamantes, exercida essencialmente entre Nova
York – na Rua 47 –, Tel-Aviv e Antuérpia. Ambos enfrentam forte concorrência:
particularmente, o mercado indiano parece estar assumindo o poder no setor dos
diamantes.
O papel relativo do “meio” judaico na
criminalidade diminui também com a globalização, embora ainda se encontrem
alguns de seus membros como corretores em certos tipos de lavagem de dinheiro
do tráfico de drogas, de Los Angeles a Moscou, de Bogotá a Tel-Aviv. Uma única
rede especificamente judaica foi revelada, em fevereiro de 1990, em Nova York.
Seu circuito era o seguinte: uma parte da droga do cartel de Cali era trocada na
Colômbia por diamantes; para serem convertidos em dinheiro líquido, estes eram
enviados para Milão e montados em jóias, as quais seguiam para Manhattan a fim
de serem vendidas legalmente – mediante pagamento em espécie – na Rua 47, onde,
segundo um comentário enfático do diário israelense Maariv, que revelou o
negócio, “há mais restaurantes kosher do que em toda Tel-Aviv, e onde
fica a maior lavanderia de dinheiro da droga nos Estados Unidos”. Uma parte do
produto dessa venda era então entregue pelos joalheiros a instituições judaicas
de Nova York, que restituíam parcialmente o dinheiro – sempre cash –
a contrabandistas dos cartéis. Os dirigentes dessa rede faziam alguns de seus
intermediários – judeus ortodoxos, como um rabino do Brooklyn cuja prisão, em
fevereiro de 1990, revelou toda a história – acreditamos que eles estavam
ajudando diamantistas da Rua 47 a fraudar o fisco, ou judeus iranianos a
liberar seus capitais. O chefe da rede, um israelense, confessou ter lavado
dessa maneira 200 milhões de dólares para o cartel de Cali – ou seja, menos de
1 por cento do volume anual de negócios desse cartel, que distribui quatro
quintos da cocaína e um terço da heroína consumidas no mundo.
(Excerto
de “Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo”, de Jacques Attali)