sexta-feira, 6 de maio de 2016

184ª Nota - Os judeus, o dinheiro e o mundo



Após a Shoah, ficou impossível falar do lugar do povo judeu na economia mundial. São raríssimas as empresas que se mantiveram propriamente judaicas. Em sua maioria, aquelas das quais falamos até aqui, que o eram por causa de seus fundadores, não o são mais, ou até desapareceram. De geração em geração, o fogo sagrado acabou por enfraquecer até apagar-se. Como os outros, os judeus se assimilam, e suas empresas deixam de ser identificáveis aos respectivos criadores, ainda que estes lhes tenham legado o nome. Por fim, os que ainda dirigem empresas, como assalariados, não lhes imprimem uma especificidade judaica e não constituem um grupo específico: já não existe – ou quase não existe – “dinheiro judaico”.

Para começar, certos industriais judeus deixam de sê-lo. Entre estes, Marcel Bloch, ao voltar de Buchenwald, torna-se Marcel Dassault, converte-se e produz em 1949 um primeiro avião a jato, o Ouragan, seguido do Mystère e do Mirage. Outros criadores também mudam de nome, às vezes sem esconder isso – como Ralf Lifchitz, que passou a chamar-se Ralph Lauren –, às vezes mais discretamente.

Em contraposição, certos dirigentes de empresas na condição de assalariados são judeus, sem que estas, evidentemente, possam ser consideradas judaicas, como, no entanto, pretendem incontáveis panfletos antissemitas. Por exemplo, a Dupont de Nemours, empresa química fundada no fim do século XVIII por um protestante francês, foi durante algum tempo dirigida por um judeu lituano, Ernest Shapiro, e uma parte de suas ações pertenceu por um momento ao grupo Bronfman, sem que com isso ela se tornasse uma firma judaica. Do mesmo modo, a Walt Disney Company, cujos principais quadros dirigentes de hoje são judeus, não é uma sociedade judaica, apesar do que dizem também incontáveis sites e publicações antissemitas nos Estados Unidos. Tal é igualmente o caso da Time Warner, da Warner Music, da ABC, da CBS. Michel Bloomberg, fundador de uma agência de informações financeiras e novo prefeito de Nova York, Larry Ellison, fundador da Oracle, e Steve Balmer, presidente da Microsoft, evidentemente não fazem das empresas que eles dirigem – ou que criaram – “empresas judaicas”.

Em Hollywood, a Goldwyn Pictures permanece, ao lado da NBC (dirigida pelo filho de David Sarnoff), como a única empresa de origem judaica ainda dirigida por um descendente do fundador (o filho de Samuel Goldwyn). Em Londres, a agência Reuters – que não esconde suas origens em sua “biografia” oficial – jamais teve alguma coisa de agência especificamente judaica!

Na imprensa escrita, o grupo Newhouse (fundado por Samuel Newhouse – nascido na Rússia em 1895 – e dirigido por seus filhos Samuel e Donald) controla vinte e seis jornais, editoras e revistas (Vogue, Vanity Fair, New Yorker) sem ser especificamente judaico. Assim como o New York Times, que ainda pertence à família Ochs e é dirigido por Arthur Ochs Sulzberger, bisneto do primeiro proprietário. O Washington Post continua pertencendo à filha de Eugen Mayer, que passou a chamar-se Kathy Graham e cujo filho dirige hoje o grupo, também proprietário da Newsweek.

Nenhuma rede secreta os liga, nem em público nem nos bastidores. E, se os Pritzker são proprietários dos hotéis Hyatt, evidentemente não há nada de específico em seus negócios ou em sua clientela!

Por fim, dos bancos judaicos que financiaram a economia do século XIX, poucos sobreviveram: o Warburg, o Seligman, o Bischoffsheim, o Kuhn-Loeb foram engolidos por outros; o Oppenheim, o Guggenheim, o Lehman, o Bleichröder tornaram-se quase insignificantes.

Na colocação de empréstimos, somente dois estabelecimentos de origem judaica – Salomon Brothers e Dillon-Reed – mantêm-se como principais corretores de colocação de obrigações, mas há muito tempo perderam qualquer especificidade. O Salomon Brothers salva Nova York da falência em 1975 – com Felix Rohatyn, do Lazard – e a Chrysler em 1980, obtendo-lhe 5 bilhões de dólares de empréstimos garantidos pelo governo federal. Nenhum desses dois estabelecimentos é dirigido por descendentes das famílias fundadoras, e nada lembra suas origens – nem mesmo em suas brochuras ou em seu site na Internet –, que Dillon sempre rejeitou.

Entre os bancos de negócios do século XIX, só conservam importância o Goldman-Sachs, o Lazard e o Rothschild, sendo os dois últimos os únicos ainda dirigidos por descendentes das famílias fundadoras.

Desde o início do século XX, o Goldman-Sachs, que se alçou com o Merryl Lynch ao primeiro nível dos bancos de negócios mundiais a partir de 1986, já não é dirigido por membros das famílias fundadoras. Até há pouco tempo, quem o dirigia era John L. Winberg, filho e neto de dirigentes da firma, mas sem vínculo de parentesco com os fundadores.

O Banco Lazard, desenvolvido por André Meyer a partir dos anos 40 e, a partir de 1975, por Michel David-Weill, descendente de um dos três fundadores, é hoje uma grande casa mundial, consultora das principais fusões e aquisições, sem especificidade judaica. Vindo da Hungria, com passagem por Paris, Felix Rohatyn exerceu nele um papel considerável, hoje desempenhado por Bruce Wasserstein, que assumiu a direção no lugar de Michel David-Weill. 

A casa Rothschild mantém seu nível na Grã-Bretanha. Na França, David de Rothschild, filho de Guy, descendente de James, recriou a casa em Paris como banco de negócios em 1987, após a nacionalização como banco comercial em 1982. Em seguida, David foi associado à direção do de Londres e hoje faz do conjunto, com seu primo Evelyn, um dos primeiros bancos de negócios do mundo. Ele ainda dirige, depois de seu pai, Guy, a instituição de assistência social da comunidade francesa, o FSJU. Seu primo Benjamim, filho de Edmond, dirige outro grupo Rothschild, outro conjunto de bancos, sem ou quase sem qualquer relação financeira com o precedente.

Muitos bancos criados por judeus na Europa desapareceram com o nazismo e não ressurgiram dos escombros. Em Bruxelas, o banco Philippson, fundado em 1871 por Franz Philippson e que passou a chamar-se banco Degroof durante a última guerra, não recuperou seu nome. Os descendentes dos proprietários iniciais voltaram a ser acionistas minoritários e um deles preside o conselho administrativo do Degroof. Em Hamburgo, o banco Warburg, que se tornou Brinckmann em 1939 e voltou a ser Warburg em 1991, dois anos após a saída da família Brinckmann, praticamente desapareceu. O Deutsche Bank – que, em sua “biografia” oficial, não menciona o judaísmo de seu fundador, Ludwig Bamberger – e o Dresdner Bank – o qual, por sua vez, não o esconde – já não têm nada de judaicos. Na Polônia, é também esse o caso dos bancos Handlowy e PKO. De igual modo, em Londres, o Hambros há muito tempo deixou de ser um banco judaico, tanto por seus acionistas quanto por seus dirigentes.

Trajetória meteórica: em 1938, o sobrinho de Max Warburg, Siegmund, cria a casa S. G. Warburg em Londres, antes de participar do financiamento da economia de guerra, de inventar as ofertas públicas de compra de ações, de lançar mais tarde os primeiros empréstimos em eurodólares e de tentar inutilmente uma fusão com o Kuhn-Loeb, para reatar com a tradição familiar. Ele morre em 1982 sem ter visto desaparecer sua casa – da qual faz então uma das principais no mundo –, engolida quinze anos depois pela União dos Bancos Suíços.

Por outro lado, vários judeus eminentes exercem um papel importante no encaminhamento das instituições financeiras internacionais que se instalam a partir de 1944.

É o caso de Harry Dexter White, filho de emigrados lituanos, nascido em Boston em 1892. Ele escolhe os movimentos financeiros estrangeiros na França como tema de sua tese, demonstrando que as exportações de capitais podem levar um país ao desastre. Depois de lutar no front em 1917, ensina economia em diversas universidades americanas e, em 1934, passa a trabalhar na administração pública. Vice-ministro das Finanças e adjunto de Henry Morgenthau em 1942, prepara com os britânicos os estatutos das futuras instituições financeiras internacionais, cuja criação está prevista para depois do fim da guerra, de resultado ainda indeciso. Ele propõe a implantação de um fundo de estabilização dos câmbios que emitiria uma moeda de reserva, a unitas, e de um banco mundial de investimento que financiaria o desenvolvimento dos países a reconstruir e gerenciaria o estoque mundial de ouro. Diante disso, o negociador britânico, John Maynard Keynes – que já foi um dos negociadores britânicos do tratado de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial –, propõe um sistema menos dependente dos Estados Unidos: uma moeda mundial, o bancor, e um banco central mundial. Harry Dexter White impõe tanto mais facilmente seus pontos de vista a Keynes quanto os comboios de navios americanos de socorro que atravessam o Atlântico parecem retardar ou acelerar sua velocidade pelo ritmo dos progressos obtidos pelos negociadores... Em julho de 1944, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) é reduzido à concessão de empréstimos a curto prazo para compensar as flutuações das taxas de câmbio; o do Banco Mundial limita-se a consentir empréstimos para o lançamento de projetos específicos no Terceiro Mundo. Nomeado primeiro administrador americano do FMI, Harry Dexter White, então muito doente, tem de demitir-se já em março de 1947. Em janeiro de 1948, é acusado de ser agente comunista, por haver desejado a adesão da URSS ao FMI e por ter proposto, com Henry Morgenthau, o desmantelamento da indústria alemã. Em abril, depõe numa comissão de inquérito do Senado. Interrogatório tenso: recusam-lhe o repouso que ele solicita; ele morre quarenta e oito horas depois. Em 1953, o senador McCarthy acusará o presidente Truman de ter ocultado que Harry Dexter White era espião soviético, antes de os arquivos demonstrarem que ele nunca foi nada disso.

Outros, mais tarde, exercerão um papel influente junto aos poderosos, em certos países da Europa, criando várias outras instituições financeiras internacionais e continuando a escapar, pela literatura ou pela ciência, às profissões ligadas a dinheiro.

Hoje, quando brokers e fundos de pensão gerenciam o essencial da poupança do mundo, o ofício de corretor de capitais toma novas direções. Mais uma vez, encontramos corretores judeus nos setores mais inseguros: primeiro as junk bonds, títulos muito arriscados, outrora tão úteis ao financiamento da indústria americana, e em seguida os hedge funds, mecanismo de cobertura dos riscos. Alguns trabalham em bancos ou em fundos especializados, tais como o Marshall-Wace, o Voltaire, o Meditor ou o Tiger. Outros se encontram entre os gerentes dos principais fundos, tais como o Capital Research International, o Fidelity ou os do Deutsche Bank, e até em fundos de venture capital dedicados a financiar a inovação.

Entre estes últimos, um dos únicos a ter criado sua própria estrutura é Georges Soros. Nascido na Hungria em 1930, chegado em Londres em 1947, ele trabalha de início para o que resta então do pequeno banco Bleichröder em Nova York, antes de fundar em 1979 o Quantum Fund, que logo passa a gerir mais de 15 bilhões de dólares. Mais que um investidor, Soros é especializado na gestão a curto prazo, inclusive a especulação sobre as moedas, antes de consagrar o essencial de seu tempo, e de sua fortuna, às suas fundações pela promoção da democracia no leste da Europa e à propagação das ideias do filósofo Karl Popper.

Dois setores permanecem amplamente judaicos, como há séculos: as indústrias de roupas, em Londres, Chicago, Nova York e Paris, e a corretagem de diamantes, exercida essencialmente entre Nova York – na Rua 47 –, Tel-Aviv e Antuérpia. Ambos enfrentam forte concorrência: particularmente, o mercado indiano parece estar assumindo o poder no setor dos diamantes.

O papel relativo do “meio” judaico na criminalidade diminui também com a globalização, embora ainda se encontrem alguns de seus membros como corretores em certos tipos de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, de Los Angeles a Moscou, de Bogotá a Tel-Aviv. Uma única rede especificamente judaica foi revelada, em fevereiro de 1990, em Nova York. Seu circuito era o seguinte: uma parte da droga do cartel de Cali era trocada na Colômbia por diamantes; para serem convertidos em dinheiro líquido, estes eram enviados para Milão e montados em jóias, as quais seguiam para Manhattan a fim de serem vendidas legalmente – mediante pagamento em espécie – na Rua 47, onde, segundo um comentário enfático do diário israelense Maariv, que revelou o negócio, “há mais restaurantes kosher do que em toda Tel-Aviv, e onde fica a maior lavanderia de dinheiro da droga nos Estados Unidos”. Uma parte do produto dessa venda era então entregue pelos joalheiros a instituições judaicas de Nova York, que restituíam parcialmente o dinheiro – sempre cash – a contrabandistas dos cartéis. Os dirigentes dessa rede faziam alguns de seus intermediários – judeus ortodoxos, como um rabino do Brooklyn cuja prisão, em fevereiro de 1990, revelou toda a história – acreditamos que eles estavam ajudando diamantistas da Rua 47 a fraudar o fisco, ou judeus iranianos a liberar seus capitais. O chefe da rede, um israelense, confessou ter lavado dessa maneira 200 milhões de dólares para o cartel de Cali – ou seja, menos de 1 por cento do volume anual de negócios desse cartel, que distribui quatro quintos da cocaína e um terço da heroína consumidas no mundo. 
(Excerto de “Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo”, de Jacques Attali)