“Devemos explicar por que motivo
pouquíssimos alcançam o tão alto estado de perfeição da união com Deus. Cumpre
saber que não é por ser vontade de Deus que poucos sejam esses espíritos
alevantados; antes quereria Deus que todos fossem perfeitos; mas é por
encontrar poucos que suportem tão alta e subida obra. Prova-os Deus em pequenas
coisas e já os encontra fracos, a fugir logo do trabalho, recusando submeter-se
ao menor desconsolo ou mortificação; por isso Deus, não os achando fortes e
fiéis naquele pouco que, por misericórdia, lhes pedia a fim de desbastá-los e
lavrá-los, averigua que seriam muito inferiores nas provações maiores. Então
Ele não mais prossegue na obra de purificá-los e aprimorá-los, elevando-os
acima do pó da terra pelo labor da mortificação. Para tal, mister seria
constância e fortaleza maiores do que demonstram... (Portanto, se queres ser
perfeito...) Procure sempre inclinar-se não ao mais fácil, senão ao mais
difícil; não ao mais saboroso, senão ao mais insípido; não ao mais agradável,
senão ao mais desagradável; não ao descanso, senão ao trabalhoso; não ao
consolo, senão ao desconsolo; não ao mais, senão ao menos; não ao mais alto e
precioso, senão ao mais baixo e desprezível; não ao querer algo, senão ao nada
querer; não ao andar buscando o melhor das coisas temporais, senão o pior; e
deseje, por amor de Cristo, entrar em total desnudez, vazio e pobreza de tudo
quanto no mundo há.”
(São
João da Cruz)