___Como podemos defender a tradição católica se
rechaçamos o ensinamento antigo da Igreja sobre quem está dentro ou fora da
Igreja Católica? Os hereges públicos estão fora da Igreja e não podem
ocupar um cargo eclesiástico. Infelizmente esta realidade é negada pelos
tradicionalistas de muitos matizes. Deixemos de imitar os galicanos e aceitemos
o sedevacantismo, que é conclusão teológica e solução real para a horrível
situação em que nos encontramos.
___Santo Roberto Belarmino, doutor da Igreja,
ensina mais explicitamente (De Romano Pontifice, II, cap. XXX) que uma
heresia por sua própria natureza (ex natura haeresis), separa o
herege da Igreja, e causa a perda imediata do cargo eclesiástico: “Os
Santos Padres ensinaram com consenso que não somente os hereges estão fora da
Igreja, mas também carecem de toda jurisdição e dignidade eclesiástica ipso
facto”. Os tradicionalistas e conservadores desesperadamente interpretam
que os Padres ensinam que o herege está se separando da Igreja e a perda
subsequente de qualquer cargo e jurisdição é o resultado de um juízo de um
tribunal eclesiástico ou de uma censura eclesiástica. Santo Belarmino, em sua
refutação da quarta opinião, destrói completamente esse argumento: “Tampouco é
a resposta que alguns fazem valer, dizendo que os Santos Padres falam segundo
as leis antigas, porém, agora, a partir do decreto do Concílio de Constança, não
perdem a jurisdição, a menos que seja excomungado (nisi nominatim
excommunicatos et percussores clericorum). Eu digo que isto não serve para
nada. Os padres, quando dizem que os hereges perdem a jurisdição, não alegam
nenhuma lei humana que talvez não existia até então; senão que argumentam por
meio da natureza da heresia. Ademais, o Concílio de Constança não fala senão
dos excomungados, a saber, daqueles que perdem jurisdição como resultado de um
juízo da Igreja. Sem embargo, os hereges estão fora da Igreja, inclusive antes
da excomunhão, e estão privados de toda a jurisdição, já que são condenados por
seu próprio juízo, assim como o Apóstolo ensina a Tito, isto é, estão separados
do corpo da Igreja sem excomunhão, como o expressa São Jerônimo”. Portanto,
Santo Roberto Belarmino demonstra o ensinamento das Escrituras, interpretada
unanimemente pelos Padres, que os hereges estão fora da Igreja e perdem toda a
jurisdição por culpa deles mesmos antes de que a Igreja faça um juízo.
___Também se mostra com a razão, pelo mesmo
significado das palavras cisma, heresia, apostasia suapte natura (por
sua natureza) em Mystici Corporis e ex natura haeresis em De
Romano Pontifice, que se fala da heresia em si mesma, em sua mesma
natureza, e não da heresia considerada como uma violação da lei eclesiástica;
porque uma coisa é que se considere em sua natureza, ou seja, considerada
formalmente como um principio motus en eo quod est. Santo Tomás de
Aquino se refere a ela como um princípio de movimento que é intrínseco em si mesmo,
e pelo qual separa o herege da Igreja, e não por nenhum princípio extrínseco
como a força de um lei positiva humana.
___Portanto, é pela fé que primeiro se une a Deus;
e pela profissão externa da fé, e o sacramento da fé, alguém entra na Igreja,
porque pertence propriamente à natureza da fé o unir-se a Deus e a sua
Igreja; e é pela disposição contrária do pecado de infidelidade – de heresia ou
apostasia –, quando alguém, com um ato externo, rechaça a fé e abandona a
Igreja. Tal é o movimento próprio de cada natureza, como o explica Santo Tomás,
que o movimento natural do fogo é para cima, e da terra para baixo; assim
também o movimento da fé nos leva a unir-se à Igreja, e a heresia, por sua
natureza, nos separa dela.
___Belarmino explica que os hereges ocultos estão
unidos e são membros somente por uma união externa, porém um herege manifesto
não é membro de forma alguma da Igreja, nem pela alma nem pelo corpo, nem pela
união interna e externa (haereticus manifestus, nullo modo est membrum
Ecclesiae, id est, neque animo, neque corpore, sive neque unione interna, neque
external).
___Aplicando esta doutrina ao caso hipotético de um
Papa manifestamente herético, Belarmino explica como a fé é
simplesmente uma disposição necessária para que alguém seja Papa; e tendo
sido eliminada a fé, por sua disposição contrária, que é a heresia, o Papa
imediatamente deixaria de ser Papa, com a disposição necessária para que a
forma do papado não possa ser preservada (ista dispositione sublata por
contrariam quae est heresis, mox papa desinit esse; neque enim potest forma
conservari sine necessariis dispositionibus). Portanto, sobre esta base
teológica, Belarmino considera que a quinta opinião é a verdadeira opinião, e
de acordo com ela a explicação dele deve ser interpretada. [Um Papa não pode
ser deposto por ninguém a não ser por ele mesmo, ou seja, através de seu
próprio ato de heresia pública]. Logo, quando Belarmino afirma que um Papa
manifestamente herege pode ser deposto, claramente seu significado é que ele não
se refere a um Papa enquanto esteja no cargo, senão a alguém que já tenha
deixado de ser Papa por si mesmo, ou, como o Papa Gregório XVI o expressou do
reclamante Pedro de Luna (Benedito XIII), se alguma vez tivesse sido Papa, já
teria caído (decaduto) do trono papal por ter atacado o dogma “unam
sanctam”.
___A correta explicação da doutrina de Santo
Roberto Belarmino, que expõe o absurdo da interpretação dos atuais
tradicionalistas de plantão desta mesma doutrina, é explicada pelos
eminentíssimos jesuítas Franz Xavier Werns e Pedro Vital em Jus Canonicum
(1938), cap. VII: “453. Por heresia notória e abertamente conhecida, o Romano
Pontífice, caso caia nela, por este mesmo fato, inclusive antes de qualquer
sentença declaratória da Igreja, é privado de seu poder de jurisdição (Per
haeresim notoriam et palam divulgatam R. Pontifex si in illam incidat, ipso
facto etiam ante omnem sententiam declaratoriam Ecclesiae sua potestate
iurisdictionis privatus existit)".
___O termo notória na expressão tem o significado
comum da palavra, equivalendo a pública, manifesta, evidente e conhecida, e não
segundo a definição canônica estrita do termo tal como se define no direito
penal, já que alguns autores o interpretam arbitrariamente, aproveitando a
palavra notória, e assumindo-a acriticamente para denotar um delito canônico
que um juiz pronunciou por sentença judicial (algo que é impossível no caso de
um Papa manifestamente herético); ou que denota uma notoriedade que deveria
ajustar-se a critérios mais estritos que os estabelecidos pelo Código de Direito
Canônico de 1917 sobre os requisitos canônicos para que um delito seja
considerado notório pelos fatos no direito penal. Assim, é manifestamente
evidente que Werns e Vidal não aplicam o termo em seu sentido estritamente
canônico, senão em seu sentido ordinário, porque os autores não expõe uma
menção do direito canônico, senão de teologia especulativa, a saber, a perda do
cargo ex haeresis natura, como é manifestamente evidente no contexto. Em
teologia moral, enquanto a imputabilidade moral do ato, a definição de heresia
notória no caso de um delito de heresia como se entende em sua conotação
penal-canônica de notoriedade de fato; a definição moral-teológica se distingue
formalmente da definição penal-canônica pelo fato de que não é uma questão de
lei determinada por legalidades, senão que está determinada pelo objeto moral
do ato e segundo a natureza daquilo que moralmente constitui o pecado de
heresia como um ato notório. Neste sentido moral-teológico, que um ato de
heresia formal pode considerar-se notório quando o ato de negação ou dúvida
obstinada de uma verdade revelada de fé é público, e se refere a: 1. Uma
verdade revelada que pertence à Lei Natural; 2. Um dogma universalmente
conhecido que nenhum católico ignora; 3. Ou se o herege reconhece
explicitamente que sua crença é contrária ao dogma; 4. Ou se a dúvida ou
negação persiste depois da correção.
___A quarta opinião, com Suárez, Caetano e outros,
sustentam que um Papa não está automaticamente deposto nem sequer por heresia manifesta,
senão que pode e deve ser deposto somente por uma sentença declaratória do
delito. Esta opinião, segundo Belarmino, não pode ser defendida.” Por
desgraça, esta posição que Belarmino rejeita é a defendida pelos
tradicionalistas de vários matizes.
___Finalmente, a quinta opinião, a do próprio
Santo, que é a melhor provada e a mais comum. Porquanto aquele que já não é
membro do corpo da Igreja, isto é, da Igreja como sociedade visível, não pode
ser a cabeça da Igreja Universal. Um Papa que caiu na heresia pública cessaria
por esse mesmo fato de ser membro da Igreja. Logo, ele também cessaria por esse
mesmo motivo de ser o chefe da Igreja.
___ Assim, os grandes canonistas jesuítas da
Universidade Gregoriana explicam que a Opinião 5 de Santo Roberto Belarmino
está baseada na doutrina do Papa Inocêncio III, o qual disse no Sermo II:
“In tantum enim fides mihi necessaria est ut cum de caeteris peccatis solum
Deum judicem habeam, propter solum peccatum quod in fide commititur possem ab
Ecclesia judicari. Nam qui non credit, iam iudicatus est.
(Joh.318)”.