domingo, 19 de agosto de 2018

369ª Nota - O problema das histórias em quadrinho



Além de assinalar o risco apresentado pelas matemáticas, Aristóteles alerta contra um outro perigo para aqueles que querem estudar a filosofia: o do hábito de só raciocinar com base em fatos concretos. Realmente, há espíritos que só sabem pensar a partir de um caso particular, visível, próximo. As especulações são, para eles, divagações ácidas e incompreensíveis. No entanto, é só nas especulações teóricas que o homem encontra a plenitude da vida de sua inteligência. E em quem só aprende a raciocinar à vista de casos concretos, a atividade abstrativa se atrofia.

Em nossos dias, o estudo abstrato se afigura cada vez mais obsoleto. A educação pela imagem substitui as especulações. E o que é essa educação pela imagem, senão uma tentativa de formar o espírito sem recorrer à abstração? É habituar a infância e a juventude a só pensar com base num exemplo concreto, contra a advertência de Aristóteles.

Tudo que hoje se apresenta à criança fala muito à imaginação e aos sentidos, e quase não se dirige à razão. Outrora, era comum encontrarem-se livros para a infância em que, além de ilustrações mais ou menos numerosas, havia textos que se estendiam por páginas inteiras. E as crianças liam esses livros com prazer. Hoje, esse tipo de literatura infantil caiu em desfavor. Predominam os livros em que há pouca narração, e nos quais as figuras falam por si. Quase não é necessário ler o texto para compreender a história. Isso não se dá apenas quanto aos livros destinados a crianças de curso primário. As leituras mais sérias a que o jovem ginasiano se dedica são as histórias em quadrinhos. No máximo, chegará a ler romances ou contos policiais. E não dispensará as imagens da televisão. Em tudo isso, o vício do exemplo concreto, de que falava Aristóteles, está presente. Tudo fala só à imaginação, à sensibilidade. Como evitar, pois, que se caminhe cada vez mais para a atrofia da inteligência? Como evitar que se torne cada vez mais penoso para o homem abstrair, e viver nos ares puros dos princípios?

Recentemente noticiou-se que professores ingleses, sentindo-se incapazes de fazer com que seus alunos se interessassem pelas obras literárias correntes, introduziram uma modificação profunda nos métodos de ensino tradicionais. Substituíram os livros didáticos por histórias em quadrinhos, em que assaltos, assassínios e aventuras de todo gênero prendem a atenção dos alunos. Algumas dessas histórias são extraídas de obras clássicas da língua inglesa. Outras são tipicamente modernas: é muito apreciado, por exemplo, o tema das viagens interplanetárias. Cheios de satisfação, os argutos inovadores observam que agora os jovens lêem com prazer, e não querem abandonar os livros na hora do recreio. Não percebem esses professores que o "êxito" da sua triste experiência só atesta a falência intelectual dos estudantes, os quais, habituados a "pensar" só pela imaginação, tornaram-se incapazes de abstrair.

(Excerto extraído do Jornal Catolicismo dos anos 50)