A Lei de Moisés, entre as suas
prescrições mais antigas, mandava que os judeus descansassem no sétimo dia ou
sábado (shabbath), dedicando-o totalmente ao Senhor (v. Ex. 20,8; 23,12;
34,21). A palavra “shabbath”, em hebraico, significa repouso; está relacionada
com “sheba”, sete em hebraico. Donde vemos que o conceito de sábado envolve
tanto a ideia de repouso como a de sétimo dia.
Durante sua vida mortal, Jesus se
submeteu à Lei: quis ser circuncidado e acompanhar a sua gente na observância
do sábado. Repreendia, porém, os fariseus por seu rigorismo, que podia chegar à
hipocrisia, colocando a caridade acima da observância literal do sábado (cf.
Mt. 12, 10-14; Lc. 13, 10-17; 14, 1-6...). Lembrava o seguinte princípio: “O
sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc. 2, 27); o
sábado seria, pois, um meio para o homem atingir mais seguramente o grande fim
de sua vida, a união com Deus; não seria um fim em si.
Consequentemente, Jesus atribuiu a Si
mesmo o poder de modificar ou suspender a guarda do sábado (cf. Mc. 2, 28). Por
causa disso, os doutores da Lei o incriminavam (Jo. 5, 9), mas Jesus respondia
que não fazia senão imitar o Pai que, tendo entrado no seu repouso após criar o
mundo, continuava a governar a este e aos homens (Jo. 5, 17). Foi, por certo,
esta atitude de Jesus que inspirou aos antigos cristãos uma certa liberdade em
relação ao sábado, fazendo-os compreender o espírito da observância desse dia.
Evangelho: Nova Lei do Cristão
Os discípulos, a princípio, continuaram
a guardar o sábado. É o que se depreende das suas atitudes por ocasião do
sepultamento de Jesus (v. Mt. 28, 1; Mc. 15, 42...). Mesmo depois da ascenção
do Senhor, continuavam a frequentar as reuniões de culto dos judeus aos
sábados, para anunciar aí o Evangelho (At. 13, 14; 16, 13; 18, 4). De maneira
geral, os cristãos observavam os costumes religiosos dos judeus (cf. At. 2,
1.46; 3, 1; 10, 9); somente aos poucos foram tomando plena consciência das
consequências práticas decorrentes da superação da antiga Lei pela Nova – o
Evangelho.
Podemos crer que São Paulo, arauto da
abolição das observâncias judaicas, não tenha imposto a celebração do sábado
aos cristãos convertidos do paganismo. O apóstolo chegava mesmo a acautelar os
fieis contra a infiltração de ideias judaizantes: “Que ninguém vos critique por
questões de alimentos ou bebidas ou de festas, novas luas e sábados,
que são apenas sombra de coisas que haviam de vir, mas a realidade é o corpo de
Cristo” (Cl. 2, 16-17).
Por isso, em breve o primeiro dia da
semana judaica, posterior ao sábado, quando Cristo ressuscitou, tornou-se o dia
de culto dos cristãos ou o dia do Senhor. No ano de 57-58, por exemplo, em
Trôade, na Ásia Menor, os cristãos se reuniam no primeiro dia da semana,
conforme At. 20, 7, para celebrar a Eucaristia. Em 1Cor 16, 2, São Paulo
recomenda aos fieis a coleta em favor dos pobres no primeiro dia da semana – o
que supõe uma assembleia religiosa realizada naquele dia
Assim, foram transferidas para esse dia,
práticas que os judeus celebravam aos sábados, como o louvor de Deus e a
esmola. É muito provável que as comunidades fundadas por São Paulo tenham
observado o primeiro dia da semana (dia da ressurreição de Cristo). Esse dia,
dedicado à glorificação do Senhor vitorioso sobre a morte, tomou adequadamente
o nome de “Kyriaké heméra”, dia do Senhor (ou, propriamente, dia imperial),
como se depreende de Ap. 1, 10: “Fui arrebatado em espírito no dia do Senhor”.
O grego “Kyriaké heméra” deu em latim “Dominica dies”, donde, em português,
dominga ou domingo.
Caráter Figurativo do Sábado
Pode-se crer que a celebração do domingo
tenha tido origem na própria Igreja-Mãe de Jerusalém, pois os apóstolos estavam
reunidos no 50º dia (Pentecostes), que era domingo, quando receberam o Espírito
Santo (cf. At. 2, 1-3). Este quis se comunicar não num sábado, como Cristo
também não quis ressuscitar num sábado, mas no dia seguinte, domingo.
Nesta perspectiva cristã, o antigo
sábado dos judeus passou a ser uma figura, como, aliás, muitas outras
instituições do Antigo Testamento. É a epístola aos Hebreus que incute esse
caráter figurativo e provisório das instituições da Lei de Moisés (v. Hb. 4,
3-11, com referência ao sábado).
Aliás, observando o domingo, os cristãos
estão obedecendo exatamente à Lei de Deus, pois dedicam todo sétimo dia ao
repouso (“sheba” e “Shabbath”) e ao culto do Senhor; apenas deslocaram em um
dia a contagem dos dias da semana. Isso ficou bem nítido na nomenclatura portuguesa,
como se vê abaixo:
Semana judaica: 1ª-feira, 2ª-feira,
3ª-feira, 4ª-feira, 5ª-feira, 6ª-feira, 7ª-feira.
Semana cristã: 2ª-feira, 3ª-feira,
4ª-feira, 5ª-feira, 6ª-feira, Sábado, Domingo.
Seria, de resto, despropositado que os
cristãos continuassem a observar o sétimo dia dos judeus, visto que nesse dia
Jesus ficou no sepulcro e somente ressuscitou no dia seguinte, apresentando-nos
a nova criatura, à qual nos devemos todos conformar.
Examinemos agora um pouco a história:
desde o século II, há depoimentos que atestam a celebração do domingo tal como
foi instituída pelos apóstolos, conscientes do significado da ressurreição de
Cristo. Assim Santo Inácio de Antioquia (aproximadamente ano 110) escrevia aos
Magnésios: “Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas, chegaram à nova
esperança, não observando mais o sábado, mas vivendo segundo o dia do Senhor,
dia em que nossa vida se levantou mediante Cristo e a sua morte” (9, 1).
Em meados do século II, encontra-se o
famoso depoimento de São Justino, escrito entre 153 e 155: “No dia dito do sol,
todos aqueles dos nossos que habitam as cidades ou os campos, se reúnem num
mesmo lugar. Lêem-se as memórias dos apóstolos e os escritos dos profetas... Quando
a oração está terminada, são trazidos pão e vinho e água... Nós nos reunimos
todos no dia do sol, porque é o primeiro dia, aquele em que Deus transformou as
trevas e a matéria para criar o mundo, e também porque Jesus Cristo, nosso
Salvador, ressuscitou dos mortos nesse dia mesmo” (I Apologia 67, 3.7).
Nessa passagem, São Justino
atesta a celebração da Eucaristia no domingo. Chama-o “dia do sol” porque se
dirige a pagãos; faz questão, porém, de lembrar que tal designação é de origem
alheia, não cristã: “No dia dito do sol”. Vemos, pois, que a celebração do
domingo entre os cristãos está longe de ser uma concessão aos festejos pagãos
do dia do sol; nada tem de pagão, mas é nitidamente inspirada por motivos
bíblicos do Antigo e Novo Testamentos.
O
fato do Imperador Constantino ter preceituado, em 321 d.C., certo repouso “no
venerável dia do sol” não quer dizer que ele tenha introduzido a observância do
dia do Senhor entre os cristãos; esta, como vimos, data da época dos apóstolos,
tendo sido apenas patrocinada por Constantino, desde que se tornou cristão.
(CATÓLICOS PERGUNTAM, de Dom Estevão
Tavares Bettencourt, OSB, 1997)