Aproximando-nos novamente das eleições em nosso país e ante
a terrível corrupção das autoridades em todo o mundo, recordamos os princípios morais
a levar em consideração na hora de nos apresentar diante das urnas.
Neste artigo é feita a exposição de uma discussão doutrinal
ocorrida na Espanha no início do século passado devido às eleições municipais e
resolvidas pela intervenção de São Pio X. O problema que se apresentou então aos
católicos espanhóis é o mesmo que, em circunstâncias cada vez piores à medida
que avança a corrupção política e social, se apresenta hoje aos católicos do
mundo inteiro: Que atitude tomar ante a mentira da democracia atual que nos
chama a eleger entre candidatos maus, piores e péssimos, contrários todos as
nossas mais fundamentais convicções, para logo após felicitarmo-nos por
exercermos a “soberania popular”?
O problema é hoje ainda mais complexo e, ao publicar este
artigo, não pretendemos resolvê-lo. Queremos deixar bem claro que a finalidade
que buscamos ao pedir esta relação ao autor – filho querido de nosso Seminário
– não é de incentivar a participação dos católicos na farsa eleitoral, porque
se há algo que levou os Estados cristãos à catástrofe na qual nos encontramos,
foi crer impossível a resistência aos dogmas republicanos da Revolução. A
finalidade imediata é a que expressa o título do opúsculo: contribuir com
alguns esclarecimentos aprovados pelo Magistério da Igreja sobre o difícil
problema moral do voto em um candidato indigno. E a finalidade última, e
principal, é que – recorrendo às palavras de São Pio X com as quais termina o
escrito – “tenham todos presente que, diante do perigo da religião ou do bem
público, a ninguém é lícito permanecer ocioso”. Porque ante a enormidade do
mal, corremos o grave risco de renunciar à ação, por menor que esta seja, pelo
bem comum da Pátria e da sociedade.
O título escolhido para apresentar o tema deste trabalho
representa uma posição concreta da matéria que abordará; não parece que seja
mau fazê-lo assim e, contudo, também poderia intitular-se “Dois artigos e uma
carta” pois, na realidade, também se trata disso: por um lado, de dois escritos
publicados há quase um século em uma prestigiosa revista católica espanhola,
“Razón y Fé”, e por outro, de uma carta do Papa São Pio X, os três focalizando
a problemática aludida.
Primeiramente, seria conveniente formular uma advertência, a
saber: para que estes textos são escritos. Não é o caso de tomar partido de um
deles, mas tão somente basear-se em um dado mais reputado e importante que
sirva como elemento de juízo subsidiário para encarar esta espinhosa questão,
com a qual certamente têm de lidar os católicos contemporâneos.
Com esse entendimento, o mais apropriado será fazer como uma
espécie de relação dos acontecimentos, deixando que sejam os fatos, as opiniões
e os atores mesmos envolvidos quem apareçam em primeiro plano, já que é em
torno deles que gira toda a questão.
Na revista “Razão e Fé” (outubro, 1905), o Revmo. Pe.
Venancio Minteguiaga escreve um artigo antecipando-se às eleições que
ocorreriam na primeira quinzena de novembro, marcadas pela apatia e retraimento
de muitos eleitores católicos em ir às urnas e organizarem-se para a luta. Uma
apatia que se manifesta pela grande quantidade de abstenções registradas nas
eleições passadas, mas também marcadas pela falta de inteligência e união entre
eles.
O redator assinala que: “os acertos ou desacertos nas
eleições municipais, não somente refletem-se numa ordem de tamanha influência
no bem-estar dos povos, como o é a ordem econômica, mas também, na paz e
tranquilidade e nas boas relações internacionais, e ainda, na ordem mais
elevada, que é a religiosa e moral. E se não é assim, digam-nos: o que é que
não se pode temer, por exemplo, de uma maioria sectária que, apoderada de um
município, não respire mais que ódio e hostilidade contra a Religião e que
proceda sem escrúpulos, por conseguinte, com relação à moralidade pública?”
Assim, pois, é claro que em seu parecer as qualidades dos eleitos
representam um fator determinante não somente no tipo de políticas que serão
colocadas em prática na ordem natural/material – ou econômica, como ele mesmo
diz –, mas também e, principalmente, no campo da moral e dos bons costumes
públicos.
Daí que, então, tira-se a seguinte conclusão: “Diga-se o que
quiser sobre a inutilidade dos esforços feitos nas eleições, repita-se uma e
muitas vezes (e nunca se repetirá o bastante) que as eleições não são mais que
uma mentira e uma farsa do mau gosto, fale (que não faltará matéria para falar)
das coações, das fraudes, dos artifícios, trambiques eleitorais; dizemos que, apesar de tudo isso e apesar de todas as arbitrariedades e despotismos,
enquanto houver alguma maneira possível de exercer o direito, enquanto houver
um recurso legal e armas que se opor as armas dos inimigos e meios para
descobrir e pôr limites a seus abusos e excessos, é necessário que não abandone
a luta eleitoral os que sentem arder em seu peito a chama da Religião e do bem
público. Porque o não o fazer é o mesmo que entregar o campo aos inimigos, ou
seja, aos piores inimigos da Igreja e da sociedade”.
Depois de discorrer sobre o imperativo de que os católicos
estreitem suas fileiras, depondo as questões pessoais e setoriais, em vista dos
altos interesses que almejam, passa o articulista ao cerne da questão,
abordando as regras da teologia moral.
Em primeiro lugar, esforça-se em estabelecer que para os
católicos o problema das eleições constitui simples e tranquilamente uma
“questão de consciência”.
“O assunto que temos diante de nós, não é assunto livre,
porque isto, de exercer o direito de votar nas eleições populares, passa pela
consciência. Opcional como é o exercício do direito ao voto ante a lei civil
espanhola, enquanto não é aprovado o projeto de lei sobre o voto obrigatório,
não o é, nem o pode ser, ante a lei moral. Pois, como poderá ser coisa
indiferente na ordem moral, que aqui está representada pela justiça legal, que
os cidadãos olhem ou não pelo bem público e que os católicos não se interessem
pelo bem da Religião, que, como católicos e como cidadãos ao mesmo tempo,
ignorem, como se nada lhes dissesse respeito, os danos à Igreja e à sociedade?”
Uma vez que o autor pôs a questão nesses termos, reafirma
sua opinião apelando à doutrina de reconhecidos autores de teologia moral.
Assim, refere que, sem entrar nos casos concretos, nos quais a obrigação de
emitir o voto pode ser maior ou menor, e, inclusive, desaparecer por completo:
“pode-se assegurar com Ferreres que 'em geral, os que têm o direito ao voto,
estão obrigados em consciência a se dirigir às urnas'”.
Além disso, apela a Villada para quem: “dificilmente deixará
de haver obrigação de votar nas eleições, sobretudo municipais, porque
raramente deixará de haver uma esperança prudente de bom resultado”.
A obrigação do católico, não de envolver-se ativamente em
política, mas de usar da ferramenta eleitoral enquanto esta estiver a sua
disposição, ou, dizendo de outro modo, de não submergir em consciente
indiferença, encontra-se referendada no ensinamento magisterial de Leão XIII,
que nas encíclicas Sapientiae Christianae, e mais explicitamente, em Immortale
Dei, não somente recomenda ativamente seu uso, bem como adverte sobre as consequências
de poderiam seguir-se de não o fazer.
Nesse último documento, escreve Leão XIII que: “[...] o não
querer tomar parte nenhuma nas coisas públicas seria tão mau como não querer
comprometer-se com nada que seja de utilidade comum, especialmente os católicos
que, ensinados pela mesma doutrina que professam, estão obrigados a administrar
as coisas com integralidade e fidelidade. Do contrário, se estão quietos e
ociosos, facilmente se apropriarão dos assuntos públicos pessoas cuja maneira
de pensar não ofereça grandes esperanças de são governo, o qual estaria, por
outra parte, unido com não pequeno dano da Religião Cristã, porque então
poderiam muito os inimigos da Igreja e muito pouco os seus amigos”.
Já no final do seu artigo, o Pe. Minteguiaga descendo ainda
mais ao plano concreto, levanta a crucial e discutida questão: é lícito votar
em um candidato indigno quando concorre com outro mais indigno? Deixemos que
seja ele mesmo quem explique sua opinião, recorrendo a uma extensa citação de
seu escrito: “A qualificação de indigno se limita aqui ao candidato hostil à
Religião, como o é em mais ou menos grau o liberal enquanto liberal; por outra
parte, a necessidade de votar em um candidato indigno é clara e manifesta nas
uniões católicas e liberais (...) O célebre caso se baseia na suposição de que,
de qualquer modo, há de ser eleito um dos dois candidatos indignos, e também se
dá por suposto que não há má intenção no eleitor católico, intenção de que triunfe
o candidato indigno, senão unicamente a intenção clara de rejeitar e de evitar
a todo custo a eleição do candidato mais hostil à Religião”.
“A objeção e a dificuldade que aqui se oferece à consciência
aparece clara e óbvia. Porque nunca é lícito fazer um mal para alcançar um bem;
e é mal, sem dúvida, ainda que menor, eleger um indigno, ainda que seja menos
indigno. E isso é o que faz vacilar e retrai a muitos. Mas, por outro lado, o
da licitude, aparece e chama a atenção um princípio de prudência, se bem se
presta a graves abusos quando se lhe aplica mal, que é em si razoável e
aceitável ainda no foro íntimo da consciência; e ainda pode se dizer que é uma
verdade de senso comum e de aplicação diária nos usos da vida. É o princípio de
que de dois males necessários, ou seja, quando um ou outro é inevitável,
deve-se eleger o menor. ”
“À razão de opinião contrária pode-se responder – diz
Villada – que o princípio alegado (de que nunca é lícito fazer um mal para
alcançar um bem) é verdadeiro se se trata de eleger formalmente o mal, o que
nunca é lícito; mas não se se trata de mal material menor em concorrência com
outro mal maior, o que é permitido, porque então o menos mal é um bem formal
relativo.”
“Por isso também quando não se pode evitar um incêndio de
uma casa, se destrói parte dela para salvar o restante; e em um naufrágio,
joga-se as mercadorias ao mar para liberar o barco; e, o que mais vem ao caso,
deixa-se o homem cortar o braço ou a mão, o que por si não é lícito, para
conservar a vida. Nesses casos, eleger o menos mal é eleger o bem; é, a saber,
a diminuição do mal, e é visar e almejar unicamente o bem no mal que se tolera
e se permite. O princípio que estabelece que de dois males necessários deve-se
optar pelo menor, tem sua consagração no direito canônico.”
Vejamos agora o que dizem respeitáveis moralistas modernos
“Pergunta Gury-Ferreres, falando das eleições populares, se
é lícito alguma vez votar num candidato menos indigno ou também indigno; e
responde com resolução de uma maneira afirmativa se não há esperança, diz, da
eleição de um candidato digno, e o indigno concorre unicamente com outro mais
indigno, assim sendo a eleição do candidato menos ruim tem razão de bem. E
cita, entre outros, em seu apoio o Cônego Penitenciário Berardi, quem, proposto
o caso, o resolve com a mesma determinação, e cita, por sua vez, em seu favor,
a Aertnys e a Villlada.”
Não é outra tampouco a opinião de Lehmkühl: “Dar o sufrágio,
diz, a um candidato mau com a intenção de que saia vencedor, sempre é um pecado
grave; porque isto é dar formalmente o sufrágio a um candidato mau. Mas dar o sufrágio
para que seja excluído outro candidato pior, não é pecado, senão que pode ser
um bem, contanto que não se aprove nada de mau num candidato indigno, porque
isso não é outra coisa que dar materialmente o sufrágio ao candidato mau”.
Entre os autores que defendem a licitude, Villada nomeia o
espanhol Lugo, teólogo antigo de grande autoridade. É verdade que este
moralista fala das eleições para os benefícios; no entanto, a mesma razão há
para aplicar a doutrina às eleições de que falamos. Pergunta ao Cardeal Lugo se
é lícito alguma vez eleger para os benefícios a uma pessoa não digna e responde
nos seguintes termos:
“Nunca é licito senão quando não se encontra uma pessoa
digna; porque então, para evitar um mal maior, pode-se dar o benefício ao
indigno, segundo ensinam, com outros, Lesio e Filiucio. E é o que se faz nas
regiões setentrionais infestadas de heresia, onde, para evitar um mal maior, e
para que os benefícios não caiam nas mãos de hereges, elegem-se, algumas vezes,
católicos pouco dignos ou indignos.”
A questão de consciência, que é a principal para todo bom
católico, parece – na opinião do Pe. Minteguiaga – suficientemente aclarada.
Adiantando-se às contrariedades que poderiam provocar suas ideias, que endossam
a sentença de licitude do voto no candidato menos indigno somente no caso em
que concorre junto a outro mais indigno, pôde esclarecê-las, explicando os
fundamentos nos quais seu parecer se apoia e definindo o estado da questão nos
termos em que ele mesmo circunscreveu.
No número de dezembro da aludida publicação, o Revmo. Pe.
Villada escreve um artigo a propósito do resultado das eleições ocorridas em
novembro de 1905, no qual além de analisar o desfecho das eleições, sai em
defesa das ideias de seu confrade, como mais abaixo se verá.
O autor da nota revê a situação eleitoral, ocasião na qual
os católicos em alguns lugares concorreram juntos às urnas, enquanto que em
outros, particularmente ali onde sobressaem os inimigos da fé, disputaram os
cargos elegíveis propondo distintas candidaturas, e isso com desatenção aos
conselhos dados pelos bispos. Não foram poucos os pastores que deixaram ouvir
sua voz mediante cartas e instruções, a fim de recordar aos fiéis a natureza e
importância das obrigações que de um ou outro modo deveriam enfrentar.
Assim, o Cardeal Arcebispo de Toledo, em seus “Conselhos ao
Clero e católicos” de 16 de outubro desse mesmo ano, aponta que: “ante o risco
pelos quais passam os fundamentos da ordem, da autoridade pública e da
sociedade, aconselhamos, e se estivesse em nossas atribuições, mandaríamos a
todos os sacerdotes e católicos da arquidiocese, hábeis para emitir seu voto,
que acudam com valor e serenidade a depositar nas urnas a favor dos cidadãos
que, além de elegíveis, sejam honrados, crentes e de notória capacidade para a
proveitosa administração municipal. No entanto, para que esse trabalho tenha
êxito feliz, convém que se execute com ordem, disciplina e prudência. Desde
então, está indicada a necessidade de (...) apresentar candidatos próprios, e
se não for possível a desejada eleição deles, entrar em acordo com as
autoridades respectivas, com vistas a tirar o bem que se puder; não perdendo de
vista a regra teológica de que algumas vezes é lícito, para salvar o todo,
tolerar a perda de uma parte, e para livrar de naufrágio certo o barco e sua
tripulação, tolerar que sejam jogadas ao mar as mercadorias na medida que dite
a necessidade e a prudência.”
Os conselhos do Cardeal Primado tiveram eco no resto do
episcopado espanhol. Assim, os fizeram seus os prelados de Zaragoza, León,
Teruel, Jaca. De sua parte, o Bispo de Tortosa publicou uma “Instrução
Pastoral” em 31 de outubro de 1905, na qual se expressa como segue:
“Venhamos agora ao terreno prático. A quem iremos dar o voto
nas eleições, às que se nos dizem para concorrermos? É de desejar que em todas
as populações, onde seja possível, se apresente candidatura claramente
católica, e onde esta se apresente, deem o seu voto os católicos que estimem
por sê-lo. Onde não haja candidatura notadamente católica e se apresente somente
candidatura chamada liberal, abstenham-se os católicos de votar nela. “Mas
onde se apresente duas candidaturas chamadas liberais, uma composta de elementos
que se chamam católicos e outra formada de elementos anticlericais conhecidos
por seu ódio à Igreja e menosprezo de seus ensinamentos, os católicos votem na
primeira para impedir o triunfo dos anticlericais, ou seja, dos anticatólicos”.
“Não os detenha o escrúpulo de contribuir, nesse caso, ao
triunfo da primeira, porque ao lhe dar seu voto, não significa que aprovem seus
princípios ou que não se importam que governem o povo, senão para impedir o
triunfo dos inimigos que fazem alarde de não crer e de combater a Igreja e os
seus ministros. Nesse caso, não se faz um mal, mas que se faz relativamente um
bem, por quanto se impede um mal evidentemente maior. Esta é a doutrina
sustentada por autores recomendáveis por sua ciência e sãs ideias”.
Esses testemunhos dos bispos corroboram o pensamento do Pe.
Minteguiaga que, segundo se adiantou, parece haver sido objeto de interpretação
incorreta e até de impugnação por parte de certa imprensa católica. Daí que o
Pe. Villada encare sua defesa, articulando-a mediante respostas particulares às
objeções que levantou.
Antes de tudo, o redator não crê advertir – como alguns
parecem ver – uma mudança teórica ou prática na posição assumida pelo Pe.
Minteguiaga e traduzida na obra “Casus conscientiae de liberalismo”. Não
favorece o liberalismo em nenhum de seus graus – afirma – e no máximo constitui
uma ampliação do caso ali resolvido.
Este, ainda lamentando os estragos que se preparam na
Espanha como consequência da lenta revolução, faz presente aos católicos que
entre os meios disponíveis para combater essa revolução e impedir seu
desenvolvimento está o voto ao menos mau quando esse meio é necessário para
impedir aquele desenvolvimento, o qual não é favorecer um mal, mas impedir seu
crescimento.
Ninguém contestou o Pe. Minteguiaga no que diz respeito à
necessidade de os católicos irem às urnas e de fazerem todo o esforço possível
para apresentar candidaturas de oposição; mas o que parece haver causado
incômodo a muitos é que não se imponha aos católicos o renunciar ao partido a
que pertencem para se unirem a outro do qual estão afastados, mas que se lhes
consinta permanecer cada qual no seu, contanto que todos cooperem leal e
eficazmente para obter o bem que com a união se propõe, posição que encontra
apoio na carta de Leão XIII “Cum Multa”, de onde extrai o seguinte parágrafo: “Em
alguma coisa devem concordar os colaboradores dos partidos opostos, ainda que
em outras discordem, convém saber: é necessário que a Religião católica se conserve
incólume em meio dos progressos das civilizações. E para conseguir este nobre e
necessário propósito devem todos os que se prezam a título de católicos, unidos
em estreita aliança, aplicar-se diligentemente, fazendo calar, entretanto, as diversas
opiniões nos assuntos políticos, as quais, sem embargo, podem, honesta e legitimamente
a seu tempo e lugar defender. Porque essa classe de interesses, contanto que
não repugnem a Religião ou a justiça, a Igreja de nenhuma maneira as condena,
mas que, apartada de todo estrondo de disputas, siga adiante, empregando seu
trabalho em proveito comum, e amando com amor de mãe a todos os homens, sem
exceção, mas assinaladamente a aqueles em quem aparece fé e piedade mais
adiantada”.
Uma vez estabelecido isso, o Pe. Villada passa a comentar as
diversas objeções oferecidas às ideias do Pe. Minteguiaga, para cuja fiel
exposição se relacionará do mesmo modo em que o são em seu próprio trabalho.
Vejamos agora as coisas que alguns notaram a respeito do mal
menor: 1. A chamada 'teoria do mal menor', dizem alguns, sempre e de todas as maneiras
é falsa, por contradizer os ensinamentos do Grande Apóstolo. Esta afirmação
está longe de ser verdade. A teoria do mal menor é corrente entre os teólogos e
nenhum deles, sem embargo, se atreve a contradizer o ensinamento de São Paulo;
sinal evidente de que esses teólogos não o julgam contrária ao Apóstolo. Nas
célebres palavras ‘et non faciamus mala ut veniant bona’ (não façamos o mal
para que se alcance bens), fala o santo Apóstolo, como em outra parte
observamos, do mal moral ou pecado, que jamais pode alguém cometer ainda para
obter o maior bem possível.”
“2. A teoria lícita do mal menor não tem aplicação, senão
somente quando há necessidade absoluta ou obrigação de optar entre dois males;
por isso é lícita a amputação do braço para conservar a vida. Também isso é
falso. Sempre é lícito deixar-se amputar o braço para conservar a vida, porém,
nem sempre, e por si só nunca, segundo os teólogos, é obrigatório fazê-lo
assim; porque não há obrigação de conservar, o melhor, de prolongar a vida por
meios extraordinários, como o da dita amputação; veja-se, v. Gr., Santo
Alfonso, L. 3, nº 372, y Gury, I, I, nº 391.”
“3. Ao menos, aplicada a teoria ao mal menor, é inadmissível;
porque eleger de dois males morais ou de dois pecados um, já é pecar; e isso é
o que se verifica na eleição do candidato menos mau que, por fim, é mau. Aqui
está o nó da questão e aqui parece que se confundem duas coisas muito
distintas. Uma é fazer formalmente o mal moral, ou seja, cometer o pecado, e
outra permitir materialmente que outro o cometa ou dar ocasião a que outro
peque abusando dela. O primeiro nunca é lícito; o segundo pode sê-lo, como
admitem comumente os teólogos, se se faz para obter um grande bem, e
evidentemente, sem má intenção e evitando devidamente o escândalo que houver.
Pois isso é precisamente o que ocorre na eleição do menos indigno: com ela se
lhe dá o ofício, que é como uma arma ou ocasião de que se teme que se abuse por
sua malícia em dano da sociedade; mas se lhe dá com causa suficiente, ou seja,
por evitar o mal maior que viria de não lhe votar. E note-se bem que a malícia
da eleição do indigno, quando a há, consiste nisso, em dar tal ocasião sem
causa suficiente (...) Desse modo, explica também o Pe. Vermeersch que a
malícia material ou objetiva da eleição do indigno, quando sustenta que “é uma cooperação,
‘mediate participantis’, bastante parecida a do vendedor que entrega armas ao
que prevê que vai abusar delas. Pode, por conseguinte, escusar-se por causa proporcionada
esta cooperação”. Assim desculpam comumente os moralistas a quem, precisando de
dinheiro e não tendo quem o empreste, o pede a um usurário, colocando-o em
ocasião de pecar exigindo interesse injusto. Pois nesta ocasião de abusar de
seu ofício põe por sua parte ao vereador ou deputado quem lhe dá seu voto para
tal ofício. Fazê-lo sem causa, ou pretendendo o dano que se teme ou com
escândalo moral, é pecado; fazê-lo para obter um bem relativo proporcionado,
como o é evitar um dano muito maior que faria o mais indigno, é coisa lícita.”
“Por outro lado, parece oportuno advertir que os autores de
Teologia Moral que trataram, depois da publicação de “Casus Conscientiae de
liberalismo” (1884), esse ponto determinado das eleições a cargos públicos
civis, sejam administrativas, sejam políticas, todos, sem exceção que eu saiba,
o resolveram do mesmo modo que em “Casus”, a favor da licitude do sufrágio.
Além de Lehmkühl, March, Berardi, Ojetti, Aertnys, Gènicot, Palmieri, etc.,
citados e seguidos pelo Il Monitore (Ecclesiastico di Roma), ensina o mesmo
Bulot em seu Compêndio de Teologia Moral que acaba de ser publicado, Ferreres,
Busquet, Noldin Delama, Muller.”
“4. Mas por fim, votando no liberal menos mau, fomenta-se o
liberalismo, como lançando menos fogo se fomenta o incêndio. A rigor, o que se
faz é evitar um incêndio em grandes proporções, permitindo um em menor escala;
o que não é fomentar, mas enfraquecer o fogo; e tanto será possível
enfraquecê-lo, que logo será fácil apagá-lo. E aqui ocorre perguntar: Quem
mostra mais horror ao incêndio do liberalismo: o que, enquanto não pode
apagá-lo, fica quieto em casa, sem fazer nada mais do que se lamentar e
resmungar? “Afastando-se do liberalismo, se diz, negando-o toda cooperação,
golpeando-o e abrindo brechas em seus muros, desse modo, ele desmoronará e se
concluirá o incêndio e a gangrena”. Bem, mas como golpeá-lo e abrir-lhe brecha?
Porque isso de separar-se dele e de negar-lhe toda cooperação formal, não
colocando o meramente material, a não ser quando lhe prejudica e evita seu desenvolvimento,
isso já o fazem todos os bons católicos. Por que não atingi-lo também com a
emissão do voto, sobretudo quando vemos na prática aonde nos conduz a apatia e
o retraimento?”
“Na Espanha, como em todas as partes em que houve valentes,
fez-se guerra ao inimigo com todos os meios lícitos, primeiramente, usando
contra ele as próprias armas e, em caso de necessidade, as alheias, ainda que
sejam de um inimigo parcial contra o inimigo comum. Isso não é favorecer o
inimigo, é servir-se dele.” Já no fim de seu artigo, o Pe. Villada invoca a seu
favor os conselhos dados por São Pio X a propósito das eleições italianas: “Os indivíduos
particulares – diz – dos partidos políticos poderão ser piores uns dos outros
e, às vezes, talvez, alguém pertencente a um partido mais progressista poderá
ser menos mal que outro pertencente a um partido mais conservador; mas sempre
será, por si mesmo, menos mau, ou mais tolerável, aquele que em seu programa de
governo se mostre menos perseguidor da Igreja. Essa mesma doutrina foi recentemente aprovada por Pio X nas
eleições italianas, permitindo que muitos católicos votassem em deputados mais
ou menos liberais e, consequentemente, mais ou menos inimigos da Igreja e dos
direitos do Papa, a fim de impedir o triunfo dos socialistas e anarquistas que
em tais distritos se apresentavam. Com razão, por conseguinte, muitos bispos
espanhóis incentivaram os católicos de suas dioceses, segundo indicamos antes,
para que amoldassem sua conduta nas últimas eleições administrativas a essa
doutrina.”
“E bem considerada – continua – é em si tão razoável e tão
conforme ao senso comum cristão, que várias publicações católicas contrárias ao
artigo ‘Razão e Fé’ se veem obrigadas a confessar: uma delas diz, ‘que o
princípio no qual a doutrina se apoia é verdadeiro, por mais que sua aplicação
nesta terra de louvável tenacidade e santa intransigência contra hereges,
mouros e turcos, seja ponto delicadíssimo’; outra: ‘que tal doutrina é lícita
nas eleições administrativas e que em, alguns casos, estranha para as
políticas’; o que não vemos como pode explicar-se em boa lógica, posto que a
malícia moral da eleição de um indigno em ambas classes de eleições é
especificamente a mesma, dado que consiste em conferir por um voto um cargo
público de que se teme que abuse o eleito como arma para fazer dano; outra,
enfim, parece contentar-se com que, admitindo o princípio, não se aplique
sistematicamente sempre e em todo caso”.
Por fim, termina seu escrito com duas observações: “1ª. que
ao expor essa doutrina e ao aplicá-la como a aplicamos, não é nosso pensamento
impô-la a ninguém, para o qual nenhuma autoridade temos; declaramos, sem
embargo, que a razão intrínseca dada a favor da licitude parece certa, segundo
os princípios da moral em matéria de cooperação e que não vemos como se pode em
consciência obrigar a não votar no caso de que se trata; 2ª. que ao avaliar
cada caso para saber qual é maior mal ou bem relativo nem sempre é fácil e, por
conseguinte, assim os eleitores como também os líderes de partido, e estes,
talvez mais que os primeiros, devem consultar, em caso de dúvida, a pessoas
doutas e piedosas e, caso seja possível, autoridades na Igreja que, bem
informadas do caso nas diversas combinações lícitas que podem ocorrer sem
paixão política e guiadas pelo amor sincero e mais sólido bem da Religião e da
Pátria, serão as melhor dispostas para formar e emitir um juízo prudente”.
O tema em questão deve de ter causado uma ampla agitação no
meio eclesiástico e jornalístico católico, pela razão que, quer o Bispo de
Madri tenha recorrido a Santa Sé, quer esta tenha atuado de Motu Proprio, o
Papa São Pio X julgou oportuno intervir no problema deixando ouvir sua voz
oficial mediante uma carta dirigida e esse prelado, cujos termos são os
seguintes:
"Ao venerável irmão Victoriano, Bispo de Madri, Arcebispo de
Valência preconizado.
Venerável Irmão, saúde e bênção Apostólica: Chegou ao nosso
conhecimento que entre os católicos da Espanha originaram-se certas disputas,
que exacerbaram um pouco nestes últimos meses antigas discórdias de partido.
Tomou-se a propósito para tais disputas dois artigos publicados na revista
‘Razão e Fé’ sobre o dever dos católicos de concorrer às eleições para eleger
os que irão administrar a coisa pública e sobre a norma que se seguirá para
escolher entre os candidatos quando houver competência.
De nossa parte, quisemos que fossem examinados os dois
referidos artigos e nada há neles que não seja ensinado atualmente pela maior
parte dos Doutores de Moral, sem que a Igreja o reprove nem o contradiga. Não
existe, pois, razão para que os ânimos de tal forma se inflamem: assim,
desejamos e queremos que cessem por completo as dissensões surgidas e
demasiadamente fomentadas por longo tempo.
Isso certamente tanto mais o desejamos, porque agora mais
que nunca é necessária a maior concórdia entre os católicos.
Tenham todos presente que, ante o perigo da religião ou do
bem público, a ninguém é lícito permanecer ocioso. Agora bem, os que se
esforçam por destruir a religião ou a sociedade, põe a mira principalmente em apoderar-se,
se lhes for dado, da administração pública e em ser nomeados para os cargos
legislativos. Portanto, é necessário que os católicos evitem com todo cuidado
tal perigo, e assim, deixando de lado os interesses de partido, trabalhem com
desvelo pela incolumidade da religião e da pátria, procurando com empenho
sobretudo, isso; a saber: que tanto às assembleias administrativas como às
políticas ou do reino, vão aqueles que, consideradas as condições de cada
eleição e as circunstâncias dos tempos e dos lugares, segundo retamente se
resolve nos artigos da citada revista, pareça que hão de olhar melhor pelos
interesses da religião e da pátria no exercício de seu cargo público.
Essas coisas, Venerável Irmão, desejamos que vós e os demais
Bispos da Espanha aviseis e persuadais o povo e que reprimais de agora em
diante com prudência tais disputas entre os católicos.
Em penhor dos divinos dons e em testemunho de nossa
benevolência damos a todos com sumo afeto a bênção Apostólica.
Dado em Roma, em São Pedro, o dia 20 de fevereiro, ano 1906,
terceiro de nosso Pontificado. Pio Papa X”.
Publicado originalmente nos “Cuadernos de La Reja” - Fonte:
Distrito América do Sul-FSSPX.