Em 1933 um grupo
de católicos de Lisboa, liderados por Francisco Melo, emitia um panfleto de
contestação aos touros de morte: “Um grupo de católicos do Patriarcado de
Lisboa deliberou divulgar este artigo admirável, que demonstra que todos os que
constituem a Igreja Católica devem não apenas abster-se de assistir ou auxiliar
o espetáculo embrutecedor das corridas de touros, mas também combatê-lo,
animados pelo aplauso do grande Pontífice Pio XI, que, como os seus
Antecessores, recomenda que todos trabalhem a fim de eliminar tal mancha. Que
todos os católicos, ouvindo o apelo do Papa imortal da ‘Quadragéssimo Ano’
encetem luta tenaz contra essa selvajaria, imprópria da nossa época e da
nossa civilização”. Francisco Melo invocou o artigo publicado na edição de
maio de 1923 no “Osservatore Romano”, o jornal oficial do Vaticano, onde a
igreja condenava, uma vez mais, as touradas “o espetáculo em que pobres
animais são martirizados e por fim mortos, para prazer de indivíduos que a ele
assistem, é contrário à civilização e à bondade cristã, que se estende até aos
animais”.
Curiosa é a
história do franciscano São Pedro Regalado (1390-1456) que um dia se encontrou
com um touro que tinha fugido da praça de touros de Valladolid (1). Pedro não
se amedrontou com o desesperado animal, tratando-o por amigo e pedindo que se
ajoelhasse à sua frente. Depois retirou-lhe todas as bandarilhas que tinha
espetadas no corpo “(…) Regalado com sossego e tranquilidade ia-lhe
arrancando, uma a uma, as pontas dos ferros com que haviam atormentado o
animal. No final, depois de o ter inundado à medida da sua compaixão, deu-lhe a bênção e mandou que se fosse curar nas águas do rio Douro”. Regalado salvou o
animal da bestialidade humana, mas ironicamente seria aclamado mais tarde
Padroeiro dos Toureiros, título que ainda hoje é utilizado pelos lidadores...
S. João de Ávila
(1500-1569), sacerdote e escritor andaluz foi um dos opositores das touradas
que por ali se realizavam: “Correr touros é coisa perigosa para a
consciência de quem manda ou autoriza a sua celebração!” (2)
Alguns anos mais
tarde em Portugal o padre Manuel Bernardes (1644-1710) escreveu sobre as
loucuras e crueldades cometidas nas corridas de touros: “O jogo de feras
foi introdução do demônio, como todas as mais do gentilismo, para que o coração
humano perdesse o horror à morte e derramamento de sangue humano, e aprendesse
a fereza de costumes e indômito das paixões. Em Espanha ainda sabe o gentilismo
o jogo dos touros, porque, por mais que o deem por seguro e inocente, o certo é
que quem gosta, ou de assistir, ou de se expor a tal perigo, não lhe falta
muito para bárbaro, ou para ímpio. Em uma festa de touros em Cuenca, refere
Marianna que houve um tão feroz, que em uma tarde matou sete toureiros, e
acrescenta que “em vez de desterrarem semelhante folguedo, mandaram fazer
um painel por um pintor célebre, onde se via o touro com os sete mortos a seus
pés, e o puseram para memória do caso em lugar público. O que a mim, diz com
muita razão o sobredito autor, me parece que foi levantarem os cidadãos um
padrão e letreiro da sua loucura! Vejam se tem razão Cassiodoro, de chamar a
este exercício jogo cruel, deleite sanguinolento e fereza humana (...)”. (3)
No dia 1
de novembro de 1567 o Papa Pio V, horrorizado pela crueldade dos espetáculos
taurinos procurou pôr fim a estes festejos ao publicar a Bula “Salute Gregis
Dominici” proibindo determinantemente as corridas de touros e decretando
pena de excomunhão imediata a qualquer católico que as permitisse ou
participasse nelas. Ordenou igualmente que não fosse dada sepultura
eclesiástica aos católicos que pudessem morrer vítimas de qualquer espetáculo
taurino.
“Nós, portanto,
considerando que esses espetáculos de se correrem touros e outras feras em
corro ou praça, são alheios da piedade e caridade cristã. E querendo desterrar
esses jogos sanguinolentos e ímpios, mais de demônios do que de homens, e
providenciar, quanto com ajuda de Deus podemos, à salvação das almas, a todos
os príncipes cristãos, e a cada um em particular, dos constituídos em qualquer
dignidade tanto eclesiástica como temporal, ou imperial, ou real, ou de
qualquer outra sorte, e seja qual for o cargo que exerçam; ou a quaisquer
comunidades e repúblicas, proibimos e vedamos por esta nossa Constituição,
válida para sempre, e sob as penas de excomunhão e anátema, em que hão-de
incorrer se a isto contravierem, que em suas províncias, cidades, senhorios,
vilas e lugares, permitam espetáculos, deste gênero, em que se corram touros e
outros animais... os clérigos não menos, tanto regulares como seculares, e a
todos os providos, proibimos, sob pena de excomunhão, que entrem em tais
espetáculos. E cessamos todas as obrigações de juramento e votos contraídas
seja por quem for, ou que de futuro hajam contrair-se perante qualquer
universidade ou congregação, de entrarem nesses jogos de touros ainda que
(segundo a opinião falsa dessas pessoas) seja para honrar os Santos, ou
qualquer solenidade ou festividade eclesiástica. Porque os Santos e a Igreja,
só com louvores divinos, gozos espirituais, e obras pias se devem celebrar, e
não por aquela forma...”
(1) Infantes,
José. “Historia de la vida, virtudes y milagros del glorioso San Pedro
Regalado, hijo y patron de esta muy N.L. y H. ciudad de Valladolid”.
Valladolid: Imprensa de D. Julian Pastor, 1854.
(2) “Obras del
venerable maestro Juan de Ávila” - Tomo nono. Madrid: Andrés Ortega, 1760.
(3) Castilho, António Feliciano de. “Padre Manoel Bernardes, Excertos”. Tomo segundo. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier, Editor, 1865. Pág. 240 – 241.
(3) Castilho, António Feliciano de. “Padre Manoel Bernardes, Excertos”. Tomo segundo. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier, Editor, 1865. Pág. 240 – 241.