É conveniente, na vida humana, ter um pouco
de prazer, como por tempero, para recrear-se a alma dos homens; porque, como
diz Sêneca, em De tranquilitate animi, ad Serenum: “Deve-se dar repouso aos
ânimos”. Com efeito, descansado, levantam-se melhores e mais prestos, como
denotando que aproveita ao espírito usar moderadamente dos prazeres, como o sal
que é usado no bom tempero dos alimentos, mas, posto neles imoderadamente,
estraga-os.
Ademais, se se toma como fim o meio
ordenado ao fim, transtorna-se e destrói a ordem da natureza, como se o
ferreiro buscasse o martelo por ele mesmo, o carpinteiro a serra e o médico, o
remédio, instrumentos esses que se ordenam aos seus devidos fins.
Ora, o fim a que deve o rei atender, na
cidade de seu governo, é o viver segundo a virtude; das outras coisas, porém,
deve usar como aquilo que ao fim se ordena e na medida da necessidade para ir
após o fim.
Não é esse, entretanto, o caso daqueles
que se consagram superfluamente aos prazeres, pois que tais prazeres se não
ordenam ao fim já dito, antes pelo contrário parecem ser procurados como fim,
modo pelo qual parecia quererem usar aqueles ímpios de que, o livro da
Sabedoria, II, 6, se diz serem mal-pensantes, como atesta a Escritura mesma:
“Vinde, gozemos dos bens presentes (meios ordenados ao fim) e usemos das
criaturas com sofreguidão”, e outras coisas que após seguem e nas quais se
mostra como usual da mocidade, e dignamente a Escritura o repreende, o uso imoderado
dos deleites corpóreos.
Por cuja causa, compara Aristóteles, na
Ética, o uso dos prazeres do corpo ao uso dos alimentos que, ou demasiados ou
apoucados, prejudicam a saúde, porém tomados comedidamente a conservam e
aumentam. O mesmo se dá com a virtude, acerca das diversões e prazeres dos
homens.
(Santo
Tomás de Aquino, excerto de “Do Governo dos Príncipes, ao Rei de Cipro”)