segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

134ª Nota - Utilidade do prazer moderado


É conveniente, na vida humana, ter um pouco de prazer, como por tempero, para recrear-se a alma dos homens; porque, como diz Sêneca, em De tranquilitate animi, ad Serenum: “Deve-se dar repouso aos ânimos”. Com efeito, descansado, levantam-se melhores e mais prestos, como denotando que aproveita ao espírito usar moderadamente dos prazeres, como o sal que é usado no bom tempero dos alimentos, mas, posto neles imoderadamente, estraga-os.
Ademais, se se toma como fim o meio ordenado ao fim, transtorna-se e destrói a ordem da natureza, como se o ferreiro buscasse o martelo por ele mesmo, o carpinteiro a serra e o médico, o remédio, instrumentos esses que se ordenam aos seus devidos fins.
Ora, o fim a que deve o rei atender, na cidade de seu governo, é o viver segundo a virtude; das outras coisas, porém, deve usar como aquilo que ao fim se ordena e na medida da necessidade para ir após o fim.
Não é esse, entretanto, o caso daqueles que se consagram superfluamente aos prazeres, pois que tais prazeres se não ordenam ao fim já dito, antes pelo contrário parecem ser procurados como fim, modo pelo qual parecia quererem usar aqueles ímpios de que, o livro da Sabedoria, II, 6, se diz serem mal-pensantes, como atesta a Escritura mesma: “Vinde, gozemos dos bens presentes (meios ordenados ao fim) e usemos das criaturas com sofreguidão”, e outras coisas que após seguem e nas quais se mostra como usual da mocidade, e dignamente a Escritura o repreende, o uso imoderado dos deleites corpóreos.
Por cuja causa, compara Aristóteles, na Ética, o uso dos prazeres do corpo ao uso dos alimentos que, ou demasiados ou apoucados, prejudicam a saúde, porém tomados comedidamente a conservam e aumentam. O mesmo se dá com a virtude, acerca das diversões e prazeres dos homens.
(Santo Tomás de Aquino, excerto de “Do Governo dos Príncipes, ao Rei de Cipro”)