A ALMA, A BELEZA E A ARTE
Foi o Autor da formosura que criou todas
as coisas (...) e pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente
chegar ao conhecimento do seu Criador, diz a Sabedoria de Deus (Sab., XIII, 3 e
5). E São Paulo, na Epístola aos Romanos, ensinou que as perfeições invisíveis
de Deus, depois da criação do mundo, tornaram-se visíveis pela compreensão das
coisas criadas (Cfr. Ep. aos Rom., I, 20).
Em todos os seres, o Criador deixou a
sua marca. Nos transcendentais do ser, contemplamos o selo da divina majestade,
e nas formas das criaturas, vemos a imagem de sua formosura. Deus é a Verdade.
Deus é o Bem. Deus é a Beleza. NEle, Verdade, Bem e Beleza se identificam, pois
que Deus é simples, sem composição. Ora, o Criador fez o mundo à Sua imagem e
semelhança. Por isso, a verdade, o bem e a beleza existentes no universo são
reflexos da Verdade, do Bem da Beleza de Deus.
Podemos encontrar esses reflexos das
infinitas qualidades de Deus no finito das criaturas, examinando-as de dois
modos diversos:
a) metafisicamente, na consideração dos
transcendentais do ser;
b) esteticamente, ao ter em vista suas formas materiais e seus símbolos.
b) esteticamente, ao ter em vista suas formas materiais e seus símbolos.
No universo material, todo ser é
composto de matéria e forma. Além disso, todo ser reflete analogicamente
qualidades de Deus. Todo ser, de algum modo, é símbolo de algum valor. Todas as
coisas, de algum modo, falam de Deus. Por isso, São Boaventura disse que Deus
escreveu dois livros que falam d'Ele mesmo: A Sagrada Escritura e o Universo
(Cfr. S. Boaventura, Brevilóquio). O mundo é uma grande parábola de Deus.
Portanto, ao considerar a beleza das coisas naturais ou artísticas, deve-se
levar em conta a matéria, a forma e o símbolo delas.
Ainda de um ponto de vista metafisico,
verificamos que todo ser é uno, verdadeiro e bom. O verum de cada ente é ele
mesmo, enquanto capaz de ser compreendido pela inteligência. O bonum
do ens
é ele mesmo enquanto apetecível pela vontade. Além disso, todo ser é uno,
indiviso. Do unum, verum e bonum do ser decorre seu pulchrum,
sua beleza enquanto ser, beleza que é o bem claramente cognoscível. Da unidade,
verdade, bondade dos seres se irradia, qual luz agradabilíssima, a beleza
deles.
A identificação do unum, do verum
e do bonum
- e portanto do pulchrum - com o ens é um reflexo nas criaturas da
Identidade, Verdade e da Bondade absolutas na Unidade de Deus. Disso decorre
que, embora o verum e o bonum das criaturas sejam aspectos
distintos do ser, sua identificação com o ens e com o unum produz um profundo
relacionamento metafísico entre unidade, Verdade, bondade e beleza nas coisas.
É nossa sensibilidade que se agrada racionalmente com a beleza das criaturas,
pela compreensão clara do bem que nelas existe.
Essa profunda relação entre verdade, bem
e beleza faz com que chamemos de belas as ações que são moralmente boas.
Também, por isso, as mães, ao repreenderem os filhos, lhes dizem para não
praticarem ações más, porque elas são feias. Por sua vez, toda ação virtuosa é
racional, e, quando alguém age mal, diz que errou, isto é, que agiu contra a
razão. Por fim, quando a verdade aparece com todo o seu esplendor, dizemos que
ela é bela: "Eis aí uma bela verdade". Toda beleza é boa e
verdadeira. Em contra-partida, tudo o que é mau é feio e falso. Tudo o que é
falso é mau e feio. E o feio lembra o mal e o erro.
Ao contemplar retamente a beleza do
universo criado, ao meditar a grandeza e a formosura das criaturas, a alma
humana encontra uma felicidade natural que é, de certo modo, uma antecipação -
quão apagada embora - da felicidade celestial que nascerá da visão de Deus no
Paraíso. Assim, o que Dante disse da felicidade dos bem-aventurados:
LUCCE INTELLECTUAL PIENA D'AMORE
AMOR DI VERO BEN PIEN DI LETIZIA
LETIZIA CHE TRANSCEDE OGNI DOLZORE
(DANTE, Par. XXX)
AMOR DI VERO BEN PIEN DI LETIZIA
LETIZIA CHE TRANSCEDE OGNI DOLZORE
(DANTE, Par. XXX)
[Luz inteletual cheia de amor/ Amor do
verdadeiro bem cheio de alegria/ Alegria que transcende toda doçura], pode-se
aplicar, analogicamente, à felicidade de quem, na Terra, contempla a beleza do
universo, vendo nela o reflexo da luz da eterna glória de Deus.
LA GLORIA DI COLUI CHE TUTTO MUOVE
PER L'UNIVERSO PENETRA E RIISPLENDE
IN UNA PARTE PIU E MENO ALTROVE
(DANTE,Par .I, 1.3)
PER L'UNIVERSO PENETRA E RIISPLENDE
IN UNA PARTE PIU E MENO ALTROVE
(DANTE,Par .I, 1.3)
[A glória dAquele que tudo move/ pelo
universo penetra e resplandece/ em uma parte mais, e menos noutra.]
Contemplar retamente a beleza das
criaturas exige que se as olhe "con occhio chiaro e con affeto puro"
(Dante, Par. VI, 84) [Com olhar claro e com afeto puro], porque só "os
puros de coração verão a Deus" (S. Mt. V, 8), refletido na formosura das
criaturas.
A alma humana possui três potências: a
inteligência, a vontade e a sensibilidade. A inteligência tem como fim próprio
o conhecimento da verdade, enquanto que a vontade quer o bem. A sensibilidade é
a potência de nossa alma mais ligada ao corpo. Por meio dela sentimos alegria,
tristeza, agrado, desagrado, amor, ódio, simpatia, antipatia, etc. Também por
meio da sensibilidade sentimos prazer ao contemplar o que é belo. Porém, não
basta sentir a beleza. Nossa sensibilidade deve ser racional, e por isso
devemos sentir racionalmente a beleza, procurando entender a razão do prazer
estético.
A mais nobre potência da alma é a
inteligência, mas a mais importante é a vontade.
A inteligência é mais nobre porque ela
guia a vontade, pois que lhe mostra o que é bom. Este bem, todavia, poderá ser
amado ou não pela vontade. O amor do bem completa o processo racional,
levando-o a seu termo.
Se a sensibilidade acompanha ou não as
potências superiores, sentindo agrado com o bem e desagrado com o mal, isto é
secundário. O normal, porém, será que a sensibilidade se compraza com o bem
conhecido.
A vontade somente pode querer o bem que
foi compreendido antes pela inteligência. É impossível amar o que não se
conhece. Conhecer um bem e não o querer é impedir que o processo racional
chegue a seu termo. É nisso que consiste o pecado: não amar o bem conhecido, ou
não o amar ordenadamente. Se for para não amar o bem, seria melhor não o
conhecer, melhor seria não ter nascido, como foi dito de Judas, que conheceu o
Bem e O odiou. O inferno foi criado para punir Lúcifer e todos os que, tendo
conhecido o bem, ou não o amaram de modo ordenado, ou o odiaram. Por isso, não
seremos julgados pelo conhecimento de nossa inteligência, mas pelo amor de
nossa vontade ao bem. Daí, a vontade, embora menos nobre que a inteligência,
ter mais importância concreta. Dela depende nossa salvação ou perdição.
Em tudo o que é belo há, além da beleza
formal, o símbolo de uma beleza transcendente e absoluta. Toda beleza das
coisas criadas contém um apelo para o Absoluto e para o Transcendente. Toda
beleza é teofânica. Portanto, o Belo é um meio de conhecer a Deus. No que é
belo - bonum claramente conhecido pela razão - há uma imagem do Bonum,
Verum
e Pulchrum
divinos.
O que explica a inundação de felicidade
da alma que saboreia, em retidão de espírito, a beleza do universo - casa de
Deus - é que, na beleza, a inteligência humana vê o resplendor da forma - o verum
- a verdade metafísica, que faz cada coisa ser o que é; a vontade encontra o
bem - o bonum - que torna amável todo ser. Na verdade metafísica de
cada ser idêntico a si mesmo, nossa inteligência encontra refletida a luz da
Verdade divina, que eternamente ideou cada ser criado. Pois Deus tudo fez em
seu Verbo - lumen de lumine - luz da luz de Deus infinito. É a compreensão
do verum
de cada ser que ilumina nossa inteligência com a luz intelectual - "lucce
intellectuale" natural - proveniente da Verdade da Sabedoria divina,
daquela "luz que ilumina todo homem que vem a este mundo" (Jo., I,
9). Por isso, do verum de cada ser, o homem pode dizer: "In lumine tuo
videbimus lumen" (Na tua luz veremos a luz) (Ps. XXXV, 10). É na
contemplação e posse da verdade que está a plenitude de vida de nossa
inteligência, que lhe dá plena felicidade na consecução de seu fim.
Ora, todo verum, enquanto tal, é bonum.
Toda verdade, de si, é amável. O que a inteligência nos mostra como verum,
a vontade deve amar como bonum. E o amor do verdadeiro bem
traz, de si, grande letícia à sensibilidade. O verum e o bonum
geram o pulchrum, e esse Belo causa em nossa sensibilidade um prazer
cheio de doçura, superior a qualquer alegria puramente material, uma
"letizia che trascende ogni dolzore", porque nela há um reflexo da
beleza de Deus, e um apelo para que O amemos. "Quem nos fará ver o bem?
Levanta sobre nós a luz de teu rosto, Senhor" (Ps. IV, 7).
Por isso, o belo foi definido como sendo
o bem (objeto da vontade) claramente conhecido (pela inteligência), que tem por
objeto a verdade.
Por conseguinte, a contemplação do Belo
traz plena satisfação à alma lembrando o que diz Dante da posse do céu: Luz
intelectual cheia de amor: a inteligência tem essa luz amorosa pela posse do verum,
graças à compreensão fulgurante da forma, alcançando assim o seu fim próprio. A
inteligência, tendo uma compreensão fulgurante da verdade e da bondade de um
ser, visto como bem, passa a amá-lo como bem. A vontade repousa na posse do
verdadeiro bonum, e este repouso na posse do bem é o amor do verdadeiro
bem cheio de doçura. É esta satisfação da inteligência e da vontade que produz
na sensibilidade o prazer estético, a sensação de beleza. A sensibilidade, por
sua vez, se alegra no prazer estético, resultante do sentir agradável e
racional do verum e do bonum no unum do ser - sensação da beleza, do pulchrum - tendo então uma alegria que supera toda doçura.
Deus não só fez as coisas belas, como
permitiu também que o homem as fizesse por meio da arte. Este é um dom de Deus
ao homem para que ele, pelo seu engenho e trabalho, crie belezas que revelem o Bonum Absoluto de modo mais claro que
as belezas naturais.
Toda beleza manifesta de modo analógico
as qualidades invisíveis de Deus. Mas, enquanto nas belezas naturais há um
resultado fortuito do jogo das causas segundas, nas obras de arte há a
manifestação analógica, intencional e racionalmente compreendida, de uma
qualidade invisível do Criador. A arte é, então, um meio de conduzir a alma
humana pelo caminho da contemplação de Deus através da beleza. Toda beleza é
uma teofania, e toda arte deve ser uma busca amorosa de Deus por meio da
compreensão da beleza. E porque os homens são filhos de Deus, as obras de arte
são chamadas poeticamente por Dante de netas de Deus. "Sí che vostr'arte a
Dio quasi é nepote" [De tal modo que vossa arte é como neta de Deus]
(Dante, Inferno XI, 105)
A verdadeira arte deve alimentar a alma
inteira satisfazendo a vontade, pelo bonum, a inteligência, pelo claro
conhecimento dele (verum), e a sensibilidade, pelo agrado do pulchrum. Mais ainda,
deve mostrar claramente que o bonum das coisas é um reflexo do Bonum
absoluto, pois que a beleza é como que um reflexo de Deus, nas coisas criada. A
arte verdadeira, pois, tem que ser moral, levando a vontade a amar o bem. Uma
obra imoral não é verdadeiramente artística.
Portanto, a verdadeira obra de arte deve
fazer com que a inteligência compreenda imediatamente, numa visão súbita, o bem
de algo. Deve dar à inteligência uma verdade a contemplar. Para isso, ela deve
apresentar à inteligência uma ideia objetivamente verdadeira. Ela atinge essa
finalidade ao representar conveniente e claramente a verdade de um ser, sua
forma, no sentido metafísico. Consegue isso quando respeita as leis objetivas
da Estética, que regem a correta expressão da beleza material de um ser: leis
da unidade, da variedade, da ordem, da proporção, simetria, contraste,
gradação, relação, etc. Finalmente, ela satisfaz a inteligência revelando, por
meio das formas materiais, as realidades espirituais, graças à reta utilização
dos símbolos. Portanto, a arte para ser verdadeira tem que ser veraz e lógica.
Não há obra de arte sem compreensão de algo, e não pode haver verdadeira
compreensão se não se obedecem às leis estéticas. Por isso, era absurda a
resposta de Picasso a uma jovem comunista que o entrevistava, perguntando o que
se deveria compreender de seus quadros:
"Compreender? Que diabos isso tem a
ver com a compreensão?" (Cfr. Ariana S. Huffington, Criador e Destruidor,
Ed. Best Seller, São Paulo 1988, p.248).
Ou ainda, esta outra afirmação de
Picasso sobre a irracionalidade da arte e do gosto modernos:
"Se eu cuspir, vão pegar o meu
cuspe, emoldurá-lo, e vendê-lo como grande arte" (A. S. Huffington , op.
cit. p. 392).
Finalmente, a obra de arte deve agradar.
"Belo é aquilo cuja vista agrada", ensina Santo Tomás com
Aristóteles. Não há agrado no feio, e não há verdadeira arte na busca do feio.
A arte, como disse certa vez Pio XII, é
uma janela aberta para o Infinito. Por essa razão, toda arte tem que ser, de
alguma forma, religiosa. A arte de Picasso é um buraco aberto para o abismo do
absurdo e do inferno.
Foram os gregos que descobriram a causa
da beleza material nas proporções. Quando as medidas materiais de um ser são
proporcionadas, nele existe beleza. A beleza material vem dos números. E os
números conduzem ao "um", símbolo de Deus. Por isso, perguntava Santo
Agostinho: "Que busca o olho humano senão as medidas? Nas medidas, que
quer encontrar senão os números? E nos números, que busca senão o um? E no um
que busca senão Deus?"
A Idade Média demonstrou que a beleza
material não era suficiente. Além dela e acima dela, percebeu uma beleza mais
alta: a beleza espiritual ou formal. Não é somente a proporção material que
causa a beleza. Uma coisa é tanto mais bela quanto mais claramente sua forma
demonstra o que ela é. Assim como Deus é aquele que é, assim também quanto mais
uma coisa é claramente o que deve ser, mais ela é bela. Uma velhinha, ainda que
não tenha beleza material, por não ter belas proporções, terá beleza formal
quanto mais claramente refletir em seu ser a ideia de velha, quanto mais
tipicamente for velha. É da identidade do ser que decorre a beleza formal.
Foi com fundamento nesses dois fatores
de beleza (material e formal) que Santo Alberto Magno definiu beleza como o
resplendor da forma na proporção da matéria.
Entretanto, a beleza material e a beleza
formal não esgotam a ideia de beleza. Há um terceiro fator de beleza, no ser
criado, que lhe advém de seu valor ou expressão simbólicos. É também por meio
do seu valor simbólico que o ser canta a glória de Deus.
Tratando dos símbolos, é preciso
salientar que eles são sempre analógicos. Tomá-los univocamente conduz
diretamente ao panteísmo. Considerá-los equivocamente faz cair na Gnose. O símbolo
é inteligível no sensível. E é objetivo.
É claro que sua natureza analógica não
permite que se faça dele uma leitura de certeza matemática. A analogia lhe dá
contornos não totalmente precisos, do que se aproveitam os gnósticos para
dar-lhe uma interpretação que contraria tanto a Fé quanto a lógica. Essa
deturpação gnóstica dos símbolos se torna ainda mais fácil graças à ambiguidade
deles. Os símbolos podem representar tanto o bem quanto o mal; tanto a virtude
quanto o pecado. Assim, a serpente representa o demônio e a traição, assim como
representa também a prudência; a pomba simboliza a mansidão, visto que Nosso
senhor Jesus Cristo disse: "Sede mansos como as pombas" (Mt X, 16).
Mas, a pomba também é símbolo de estupidez, pois está dito: "Não sejais estúpidos
como as pombas". Cristo é chamado o "leão de Judá", portanto o
leão pode ser símbolo de Cristo por sua majestade, assim como pode ser também
símbolo do demônio, pois, como disse São Pedro, o demônio como um leão faminto
ruge entre vós, procurando a quem devorar" (I Pe. V, 8).
Especialmente depois do pecado, certos
animais passaram a representar vícios humanos. "A própria vista desses
animais não mostra nada de bom neles, porque foram excluídos da aprovação e
bênção de Deus" (Sab. XV, 19). Todavia, a ambiguidade dos símbolos não
deve levar a crer que eles sejam irracionais, nem que possam ser usados de modo
subjetivo.
Para frisar o valor da linguagem
simbólica ou analógica como meio de expressão artística capaz de nos revelar
valores transcendentes e divinos, basta lembrar que o próprio Verbo de Deus
encarnado abriu a sua boca em parábolas e comparações quando nos quis ensinar.
Há, pois, duas maneiras de apreender o
real: por meio da ciência e por meio da arte. Ambas servem a nossa
inteligência, cada uma usando linguagem própria. Ambas, por meio do
conhecimento, visam, em última análise, aperfeiçoar o homem, levando-o a amar a
Deus.
Quando a inteligência conhece um bem
como verdadeiro, ela o tem como luz intelectual. A vontade pode amar esse bem ou
repeli-lo; pode ainda amá-lo em graus diversos. Repelir o bem verdadeiro para
amar um falso bem é dar o calor do amor ao tenebroso. Separar a luz da verdade
do calor do amor, eis aquilo que constitui o pecado. O pecador, como Lúcifer,
separa a luz do calor, a verdade do bem, e, por isso o inferno os pune com fogo
que queima sem iluminar. Trevas no fogo ardente serão dadas aos que viram a luz
da verdade e não a amaram com ardor.
Se a arte deve oferecer à vontade um
verdadeiro bem a ser amado, deve-se perguntar se é lícita a representação
artística do mal e do pecado.
A arte, embora distinta da Moral, não é
independente dela. Ainda que seja legítimo representar artisticamente o mal
moral, isto deve ser feito de tal modo que não incite nem induza ao pecado, e
sim, à sua condenação. Uma sociedade relativista, que nega a existência do bem
objetivo, e que, por isso, perdeu todo senso moral, tem que produzir uma arte
da qual toda noção de bem está banida, uma arte em total desarmonia espiritual.
Ensinou Pio XII: "Espírito e
harmonia são, pois, testemunhas recíprocas; tal como à abundância do espírito
deve corresponder sempre a abundância de harmonia, assim também toda
dissonância, onde quer que se verifique, nas ciências, nas artes, na vida,
indica algum entrave à plena efusão daquele."
"Tal reciprocidade de relações
aponta à reprovação os que, no domínio literário e artístico propagam o culto
da desarmonia, e, como eles mesmos o afirmam, do absurdo. Que seria feito do
mundo e do homem se o gosto e a estima da harmonia se perdessem? É, no entanto,
isto o que visam os que tentam revestir de beleza e sedução o que é vergonhoso,
pecaminoso, mau. E bem mais, para além da estética, sua ofensiva fere a própria
dignidade do homem que, imagem do Espírito Divino, é essencialmente feito para
a harmonia e a ordem."
"Não se nega, todavia, que o
próprio mal possa ser apresentado sob a luz da arte verdadeira, desde que,
entretanto, sua representação apareça ao espírito e aos sentidos como uma
contradição oposta ao espírito, como o sinal de sua ausência. A dignidade da
arte resplandece tanto mais quanto em maior grau refletir ela o espírito do
homem, imagem de Deus, e, consequentemente, ela manifesta mais sua fecundidade
criadora, sua plena maturidade, quando desenvolve o tema diverso da unidade e
da harmonia por suas ações e pelos diferentes aspectos de sua vida." (Pio
XII, Rádio-Mensagem de Natal de 1957).
A arte deve visar o Belo, Bem claramente
conhecido, como já citamos, e não o feio, que simboliza o contrário do bem. A
arte deve ser ética, para ser verdadeiramente arte.
Por fim, a verdadeira obra de arte deve
agradar racionalmente, proporcionando verdadeiro prazer estético. Belo é aquilo
cuja vista agrada, ensinaram Santo Tomás e Aristóteles. Não pode haver agrado
no feio. E, se tal ocorrer, é porque há um erro na inteligência, ou um desvio
ilegítimo na vontade.
Por tudo isso, assiste razão a Hans
Sedlmayer ao afirmar que a arte moderna "É um pensamento que renunciou
totalmente à lógica, uma arte que renunciou à estrutura, uma ética que
renunciou ao pudor, um homem que renunciou a Deus" (H. Sedlmayer, La
rivoluzione dell'arte moderna, p. 111).
(Excerto
de “As três Revoluções na Arte”, pelo prof. dr. Orlando Fedeli)