“O
conto de fadas é acusado de dar às crianças uma falsa impressão do mundo em que
vivem. Na minha opinião, porém, nenhum outro tipo de literatura que as crianças
poderiam ler lhes daria uma impressão tão verdadeira. As histórias infantis que
se pretendem ‘realistas’ tendem muito mais a enganar as crianças.” (C. S.
Lewis, in Três maneiras de escrever para crianças)
Segundo
Tolkien, os contos de fadas podem oferecer ao espírito humano, além de seu
valor literário em si, quatro outras experiências: Fantasia, Recuperação, Escape e
Consolo.
A
Fantasia é uma forma de arte derivada da Imaginação, que visa a produzir
imagens que não estão presentes no que Tolkien chama de Mundo Primário (a
realidade de fato) e a liberdade de dominação dos “fatos” observados, ou seja,
do fantástico. Afirma também que a Fantasia é o poder de produzir Encantamento,
e que não afronta a razão.
“A
Fantasia é uma atividade humana natural. Certamente ela não destrói, muito
menos insulta, a Razão; e não abranda o apetite pela verdade científica nem
obscurece a percepção dela. Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara for a
razão, melhor fantasia produzirá.”
A
Recuperação é um modo de readquirirmos o deslumbramento, a admiração pelas
coisas que se tornaram corriqueiras em nossos dias, coisas com as quais não nos
importamos mais, mas que carregam em si mesmas o mistério da vida. (...)
Perceber por meio da Fantasia, o quão maravilhoso é o mundo enquanto criação de
Deus, que as coisas simples da natureza, com as quais lidamos no dia a dia –
uma flor, um gramado verde vivo após a chuva (ou a chuva mesma) –, são de uma
beleza inconteste, que nos levam àquilo que Chesterton disse tão
bem-humoradamente: “Eu sempre acreditava que o mundo envolvia uma mágica: agora
achava que talvez ele envolvesse um mágico”.
O
Escape envolve uma ligeira sutileza. Escape não é a mesma coisa que escapismo.
Com essa distinção Tolkien quer dizer que não se pode confundir “o escape do
prisioneiro com a fuga do desertor”. Sua concepção de escape trata do desejo de
ultrapassar o ordinário, e muitas vezes aterrador, cotidiano.
Por
fim, o Consolo, mais precisamente o Consolo do Final Feliz. Tolkien diz que
assim como a Tragédia é verdadeira forma do Drama, o Consolo do Final Feliz é a
verdadeira forma das histórias de fadas. Para facilitar a compreensão do
conceito, Tolkien criou um termo: Eucatástrofe (boa catástrofe), que é a
mudança repentina de uma situação de revés ao final de uma história; a alegria
do final feliz, que, diferente de ser “escapista” ou “fugitiva”, demonstra uma
graça repentina, um milagre. E arremata dizendo que a própria História Cristã é
a maior eucatástrofe concebível; que o nascimento de Cristo é a eucatástrofe da
história do Homem, e a ressurreição é a eucatástrofe da história da Encarnação.
(Ficção
científica contra o cientificismo: teologia e imaginação moral na trilogia
cósmica de C. S. Lewis, 2016, de Paulo Cruz)