quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

349ª Nota - Conto de Fadas faz bem às crianças?


“O conto de fadas é acusado de dar às crianças uma falsa impressão do mundo em que vivem. Na minha opinião, porém, nenhum outro tipo de literatura que as crianças poderiam ler lhes daria uma impressão tão verdadeira. As histórias infantis que se pretendem ‘realistas’ tendem muito mais a enganar as crianças.” (C. S. Lewis, in Três maneiras de escrever para crianças)

Segundo Tolkien, os contos de fadas podem oferecer ao espírito humano, além de seu valor literário em si, quatro outras experiências: Fantasia, Recuperação, Escape e Consolo.

A Fantasia é uma forma de arte derivada da Imaginação, que visa a produzir imagens que não estão presentes no que Tolkien chama de Mundo Primário (a realidade de fato) e a liberdade de dominação dos “fatos” observados, ou seja, do fantástico. Afirma também que a Fantasia é o poder de produzir Encantamento, e que não afronta a razão.

“A Fantasia é uma atividade humana natural. Certamente ela não destrói, muito menos insulta, a Razão; e não abranda o apetite pela verdade científica nem obscurece a percepção dela. Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara for a razão, melhor fantasia produzirá.”

A Recuperação é um modo de readquirirmos o deslumbramento, a admiração pelas coisas que se tornaram corriqueiras em nossos dias, coisas com as quais não nos importamos mais, mas que carregam em si mesmas o mistério da vida. (...) Perceber por meio da Fantasia, o quão maravilhoso é o mundo enquanto criação de Deus, que as coisas simples da natureza, com as quais lidamos no dia a dia – uma flor, um gramado verde vivo após a chuva (ou a chuva mesma) –, são de uma beleza inconteste, que nos levam àquilo que Chesterton disse tão bem-humoradamente: “Eu sempre acreditava que o mundo envolvia uma mágica: agora achava que talvez ele envolvesse um mágico”.

O Escape envolve uma ligeira sutileza. Escape não é a mesma coisa que escapismo. Com essa distinção Tolkien quer dizer que não se pode confundir “o escape do prisioneiro com a fuga do desertor”. Sua concepção de escape trata do desejo de ultrapassar o ordinário, e muitas vezes aterrador, cotidiano.

Por fim, o Consolo, mais precisamente o Consolo do Final Feliz. Tolkien diz que assim como a Tragédia é verdadeira forma do Drama, o Consolo do Final Feliz é a verdadeira forma das histórias de fadas. Para facilitar a compreensão do conceito, Tolkien criou um termo: Eucatástrofe (boa catástrofe), que é a mudança repentina de uma situação de revés ao final de uma história; a alegria do final feliz, que, diferente de ser “escapista” ou “fugitiva”, demonstra uma graça repentina, um milagre. E arremata dizendo que a própria História Cristã é a maior eucatástrofe concebível; que o nascimento de Cristo é a eucatástrofe da história do Homem, e a ressurreição é a eucatástrofe da história da Encarnação. 

(Ficção científica contra o cientificismo: teologia e imaginação moral na trilogia cósmica de C. S. Lewis, 2016, de Paulo Cruz)