Sob
o título de "Socialismo no Nacional Socialismo" ou "A falsa
interpretação marxista do movimento nazista", publicou o tradicional
semanário católico inglês "The Tablet", em seu número de 30 de agosto
do corrente ano, um esclarecedor estudo em torno da mistificação que vem sendo
feita no que tange ao papel revolucionário do nazismo.
Ressurge
a questão com o problema do rearmamento da Alemanha Ocidental. Não é somente a
ala bevanista do socialismo inglês que se mostra contrária a esse rearmamento,
fazendo assim o jogo soviético. Também o sr. Attlee, em recente debate na
Câmara dos Comuns, inflamado de zelo democrático e de amor por seus irmãos os
socialistas teutos, manifestou os seus receios de que através do rearmamento
alemão os infames capitalistas promovam o renascimento do nazismo, apontando
mesmo o perigo de que, ao se organizar um exército de voluntários na República
de Bonn, "o elemento nazista seja o primeiro a se alistar".
A
UNIFORMIDADE COLETIVISTA
Ora,
a argumentação do líder trabalhista britânico encobre uma grande ignorância ou
uma enorme hipocrisia a respeito do fundo ideológico da luta política e social
de nossos dias. E como mesmo no Brasil está reaparecendo a aliança do nacionalismo
com o socialismo, torna-se muito oportuno resumir para os nossos leitores o
mencionado artigo do "Tablet".
A
conexão desses erros teve inicio com o seu próprio aparecimento há cento e
cinqüenta anos atrás, recebeu sua forma final em meados do século passado,
quando o socialismo começou a espalhar-se sob o aspecto
"internacional". Foi a Revolução Francesa que deu ímpeto ao
esquerdismo na Europa, e a essência real do esquerdismo deve ser procurada não
tanto em uma filosofia materialista, mas na tendência "identitária"
que deseja transformar a humanidade (ou uma parte específica da humanidade)
segundo linhas uniformistas e coletivistas. A concretização de tal programa
visionário, que se baseia em um molde específico, somente é possível através da
captura do governo por um partido ("o" partido) que então se entrega
à faina brutal de refazer a sociedade pela coerção.
AS
ORIGENS ESQUERDISTAS DO NAZISMO
Nestas
considerações temos que achar a chave dos erros cometidos tão freqüentemente
pelos elementos "progressistas" que mostram pendores para o
socialismo.
O
nacional-socialismo, como frisou um de seus aderentes da primeira hora, é
"a síntese de duas grandes forças deste país — nacionalismo e
socialismo" (Prof. J. Pfitzner, executado em 1945). Os aspectos sinônimos
das expressões "nacionalização" e "socialização" por si sós
nos deveriam dar uma pista para descobrir a verdade nessa questão. Na própria
gênesis do Partido Nazista as forças da esquerda (muito mais que as da direita)
foram responsáveis pelo seu nascimento. De início tomando corpo como Partido
dos Trabalhadores Germânicos (DAP), organizado na Boemia e Morávia para
competir com o Partido Nacional Socialista Checo (estabelecido por socialistas
vermelhos depois de um cisma), finalmente aceitou o rótulo "Nacional
Socialista" em maio de 1918, isto é, antes do Armistício. Transplantado
para a Alemanha, mas fracassando na católica Baviera em 1923, conquistou o
Reich através de uma série de vitorias eleitorais no Norte e no Nordeste.
Copiando a técnica do Partido Social Democrático (socialista), mobilizou os
não-votantes habituais bem como os elementos dos partidos democráticos.
Mantendo sua estrutura de infra-classe média, penetrou extensamente nas classes
trabalhadoras.
A
FÁBULA CAPITALISTA
Gustav
Stolper, um refugiado austríaco falecido na América do Norte, foi talvez o
primeiro a assinalar, em um livro muito oportuno ("Esta Era de
Fábulas", Nova York, 1942), que a apresentação do nazismo como a
derradeira linha de defesa do capitalismo moribundo, foi um esforço desesperado
para explicar o fenômeno nazista em termos marxistas. Stolper recordava a seus
leitores que a vasta maioria dos intelectuais refugiados da Alemanha hitlerista
pertenciam ao campo marxista (socialista e comunista), e que esses homens não tinham
outra explicação "ortodoxa" da ascensão de uma ideologia que os
tornou sem pátria, senão no velho chavão de todos os marxistas fanáticos, ou
seja, o capitalismo. Com efeito, o nazismo, a seus olhos, não podia passar de
produto traiçoeiro dos infames capitalistas, que deviam ter
"financiado" essa monstruosidade.
É
bem verdade que certos homens de negócio alemães de fato contribuíram com algum
dinheiro para o Partido Nazista, do mesmo modo que os taverneiros americanos
nos dias da Proibição estipendiaram os gângsteres e contrabandistas de bebidas
de modo a deles receber "proteção". E o fato de dinheiro judaico
haver sido canalizado para os mesmos fins poderia servir para sublinhar o drama
de minorias em um sistema democrático em que grandes contingentes de eleitores
habilmente manobrados poderiam "retirá-las do negocio". Aliás é um
assunto que merece estudo à parte, este da ajuda prestada por capitalistas
hebraicos à causa do nazismo. Não obstante, Stolper muito claramente demonstra
que a ajuda financeira desses homens de negócio foi sensivelmente menor que a
fornecida pelas massas que tomaram cartões de inscrição no Partido e
regularmente pagaram suas contribuições.
NAZISMO
E "ASCENSÃO DAS MASSAS"
O
nazismo nunca foi uma conspiração de junkers de sangue azul, de nédios
sacerdotes e de generais de galões dourados contra o "homem comum",
mas, muito pelo contrário, foi uma revolução insuflada nas massas alemãs contra
suas elites que, além do Primeiro e do Segundo Estados, também incluíam uma
coorte de intelectuais e artistas, odiados por motivo de seus aspectos
esotéricos e "antidemocráticos", e, finalmente, o que se convencionou
chamar de "plutocracia". Os nazistas constituíam o partido da
"vasta maioria" ( votações maciças de noventa por cento) aliciada
contra as minúsculas, pouco populares minorias; o partido das "luzes"
do século XIX e do kulturkampf contra os valores permanentes da tradicional
civilização cristã que sempre foi pela liberdade, pela diversidade, pela
personalidade e pela perenidade, contra a escravidão, contra o coletivismo,
contra a uniformidade.
Permanecem
de pé corno fatos incontestáveis o contubérnio do nazismo com um materialismo
biológico e com uma noção barata de ciência, e sua tendência sedentariamente
urbana e anti-agrária. É verdade que o nazismo atacou a propriedade
preferentemente de modo diverso do usual padrão socialista — não pelo confisco,
mas pela fusão do próprio conceito de propriedade na fornalha incandescente de
um autêntico Estado totalitário, tornando-se os proprietários meros mordomos ou
administradores de suas "propriedades". Mas, do mesmo modo que o
esquerdismo liberal da Revolução Francesa, começou os confiscos diretos pela
usurpação dos bens da Igreja.
NAZISMO,
PRECURSOR DA BOLCHEVIZAÇÃO DAS MASSAS
A
estas considerações do Tablet podemos acrescentar que a 19 de outubro de 1936 o
jornal católico holandês "Maasbode" denunciava o nazismo como o
"precursor da bolchevização das massas", transcrevendo uma
carta-aberta de Goebbels (publicada no órgão oficial do Partido Nazista,
"Voelkische Beobachter") endereçada ao chefe comunista em Moscou, do
teor seguinte: "Nós nos combatemos reciprocamente, sem sermos
verdadeiramente inimigos. Assim fazendo, malbaratamos nossas forças e jamais
alcançaremos nossos fins. Pode ser que a extrema necessidade nos aproxime. Pode
ser! Nós, jovens, carregamos conosco a sorte das gerações futuras. Não o
esqueçamos jamais. Eu vos saúdo!"
E
acrescentava o "Maasbode" que o nazismo não combatia o bolchevismo
como tal, mas o comunismo enquanto sistema concorrente na política interna, e a
Rússia soviética como um adversário no tabuleiro do xadrez internacional.
Todo
o "folclore" dos nazistas pertencia à extrema-esquerda — sua bandeira
vermelha não menos que seu anticlericalismo, seu ódio à tradição não menos que
o emocionalismo que os liga diretamente às seitas ferozmente esquerdistas,
milenaristas e radicais do passado.
IRRESISTÍVEL PENDOR PARA A ESQUERDA
Por
todas estas razões prossegue o Tablet não é mera coincidência que zelotes da
primeira hora do nazismo tenham sido largamente absorvidos pelos partidos da
esquerda após 1945. É altamente significativo que muitos nazistas austríacos
tenham achado refúgio congenial no "Partido Independente" (VdU) cujos
membros na última eleição presidencial tornaram possível a vitória de um
candidato socialista (metade dos Independentes se abstiveram e um terço deu
seus votos ao socialismo). Na Alemanha foi o líder socialista Dr. Schumacher,
mais que qualquer outro, que se tornou porta-estandarte do nacionalismo alemão
(e do socialismo) com suas crescentes animosidades esquerdistas contra muitas
formas da ordem cristã, e especialmente da tradição católica. Aliado ao pastor
Niemoeller (que, por seu lado, lança lânguidos olhares para leste), se mostrava
amargamente hostil à aliança com o Ocidente e se opunha às mais práticas
soluções para o problema do rearmamento alemão. Desse modo uma aliança entre os
Sociais Democratas (socialistas) e os novos partidos nacionalistas da extrema
direita (leia-se: extrema esquerda) não é nada impossível. Os
internacionalistas e os nacionalistas uniriam suas forças contra aqueles que
pensam em termos do Ocidente cristão. E quem teria a ganhar com isto senão
Moscou?
O
sr. Attlee não deve dirigir sua lança contra moinhos de vento, mas contra os verdadeiros
continuadores e cultivadores da nefasta obra nazista: os correligionários do
trabalhismo britânico na Alemanha ocidental, os socialistas.
(Excerto
extraído da Revista Catolicismo)