A Beleza consiste,
portanto, na aquisição da Sabedoria que, por sua vez, é
a instalação da ordem na vida, a paz interna, a felicidade do mundo
espiritual autônomo e independente do agir no mundo.
Essa
ênfase estoica na filosofia moral não era novidade no Ocidente. Fazia parte da
tradição socrático-platônica considerar os temas filosóficos sob o prisma
metafísico do Bem, da Verdade e do Belo. Essa tendência foi
acentuada pelo Neoplatonismo (sécs. III-VI). Plotino (c. 205-270),
filósofo grego, talvez o mais proeminente pensador entre os neoplatônicos,
dedicou um capítulo de suas Enéadas (Ἐννεάδες) ao Belo. Ele dirige-se
à visão, embora haja, de fato, uma beleza para a audição (pois a melodia e o
ritmo são belos). Beleza é a simetria das partes e suas cores. Mas as
mentes que se elevam para além dos sentidos encontram uma beleza superior,
a beleza da conduta de uma vida correta – em atos, em caráteres, em
virtudes. E tudo o que é relacionado à alma é belo.
Ademais,
a justiça e a temperança são mais belas que a aurora e o
crepúsculo, mas só podem ser apreciadas por aqueles que veem com os olhos da
alma. Esses conseguem experimentar um deleite, uma alegria, um assombro:
estão a contemplar o verdadeiro reino da Beleza. Lá encontra-se
a alma honesta, a que é justa, nobre, digna, calma, pura de costumes (isto
é, recatada, modesta), serena, impassível. Essa alma, purificada, torna-se
uma forma e uma razão. Essa beleza da alma é a existência
real, a verdadeira realidade. O resto, corpóreo, não é real, mas um mundo de
sombras, traços, imagens irreais.
O
mundo material das belezas corporais parece relegado mais decisivamente a ser
imagem, traço, sombra, espectro da verdadeira beleza. Por isso, o homem
deve habituar sua alma à contemplação das belas ocupações, das belas obras, e
especialmente das almas daqueles que realizam essas belas obras. A beleza
atrelada ao bem (ordem moral) é também um imperativo. Por isso, o símbolo maior
da feiúra é a alma dissoluta e injusta, cheia de concupiscências e desequilíbrios
– alma covarde, mesquinha, invejosa, infectada pelo deleite dos prazeres
impuros das paixões corporais (Enéadas, I, 5).
Com
Plotino já está esboçada a tríade que marcará profundamente todo o pensamento
medieval: Unum, Verum, Bonum. A beleza decorre da consideração
desses transcendentais. Tais esferas de valor estavam integradas,
completavam-se e não podiam separar-se. Por fim, para contemplar retamente a
beleza – das criaturas e da natureza – haveria uma única exigência por parte da
mente contemplativa (muito mais tarde definida belamente por Dante Alighieri
[1265-1321]): um olhar claro e uma mente pura (“con occhio chiaro e con affetto
puro”, Paraíso, Canto VI, 87).
(Extraído
do sítio Ricardo Costa – Idade Média)