Catolicismo
n° 22, outubro de 1952
RECEBENDO
em Castelgandolfo um grupo de “Companheiros da São Francisco”, que partiam a pé
para Assis em comemoração do 25º aniversário de sua associação, o Santo Padre Pio XII dirigiu-lhes palavras em que recorda o verdadeiro sentido e a utilidade
espiritual da peregrinação. Disse Sua Santidade:
“Restituir
ao século do automóvel, da estrada de ferro, do avião, a noção do alto significado
espiritual da peregrinação, da estrada tenazmente palmilhada rumo às alturas
consagradas pelo heroísmo dos Santos, eis certamente uma empresa digna dos
grandes séculos de fé.
Nossos
contemporâneos perderam muitas vezes, juntamente com a noção do sobrenatural, o
senso das belas obras da criação, sobretudo dos lugares e coisas santificados
pelas almas de escol, por aqueles que Deus marca com o Seu sinal e encarrega de
transmitir a seus irmãos os dons do céu. A exemplo de Francisco de Assis, procurais
reencontrar esta primeira manifestação da bondade e da grandeza de Deus pela
contemplação de Sua obra. Ides reaprender fielmente esta grande lição nos
lugares animados outrora por sua presença, diante das paisagens que o
auxiliaram a elevar-se para o Senhor.
Vós
ides sobretudo como peregrinos, ansiosos por ali renovar vossas profundas
energias e por rejuvenescer vossas almas nesta fonte sempre fresca que São
Francisco fez jorrar sobre a terra da Úmbria.
Uma
tal meta não se pode atingir sem uma intensa preparação espiritual. De vossa
parte, haveis escolhido a da peregrinação, tão tradicional e ao mesmo tempo tão
eficaz. A peregrinação é uma longa caminhada, que começa por uma separação.
Deixa-se sua própria região, a vida de todos os dias, esquece-se todas as lembranças
banais ou mesquinhas, que entravam e freiam os melhores impulsos. E toma-se
corajosamente a estrada. Renuncia-se às fáceis certezas da refeição, do
alojamento; domina-se a fadiga. A oração abre então mais facilmente seu caminho
para Deus. Quando o descanso reúne os companheiros, um fervor íntimo enriquece
as almas, e difunde-se dentro em pouco ao uníssono de uma prece, de um canto,
de uma troca de pensamentos e de sentimentos. Ela se exalta sobretudo, em uma
tensão toda recolhida, ao redor do altar, quando o Corpo de Cristo oferecido em
sacrifício vem alimentar o cristão em marcha para o Senhor.
A
peregrinação reeduca em vós o espírito de penitência, o sentido da Providência
e da confiança em Deus. Ela vos relembra mesmo, pode-se dizê-lo, o sentido da
vida: um desapego do presente, das alegrias e tristezas de que se tecem vossos
dias, para avançar rumo a um termo cujo atrativo vos fascina. Mas impossível de
lá chegar sem uma renúncia à facilidade, às comodidades, e sobretudo sem
guardar viva no fundo do coração a esperança que sustem vosso esforço. Os
jovens cristãos compreenderam hoje em dia que escola de formação espiritual
encontrariam neste caminhar. Não um caminhar profano, onde só se, procura a
união com a natureza, mas um caminhar santificado pela oração e pela caridade”.
Nota:
Nas peregrinações medievais notava-se não somente pessoas sãs que transpunham
frequentemente a pé grandes distâncias, mas também doentes que se expunham
corajosamente às intempéries e às fadigas, transportados em veículos
primitivos.