sexta-feira, 13 de maio de 2016

188ª Nota - Ideologia de Genêro: Revolução Anticristã


ASSOCIAÇÃO DE PEDIATRIA DOS EUA DECLARA-SE FORMALMENTE CONTRÁRIA À IDEOLOGIA DE GÊNERO


Médicos afirmam que, na infância, quando um menino quer se tornar menina há um “problema psicológico objetivo”.

Uma das associações médicas de pediatria mais influentes dos Estados Unidos publicou uma dura nota contra a teoria de gênero – também chamada de ideologia de gênero – como fundamento de políticas públicas. A declaração do American College of Pediatricians alerta educadores e parlamentares para que rejeitem qualquer medida que condicione as crianças a aceitarem como normal “uma vida que personifique química e cirurgicamente o sexo oposto”. A nota do grupo médico afirma, enfaticamente que “os fatos, não a ideologia, é que determinam a realidade”.

Leia uma tradução da íntegra da associação:

1– A sexualidade humana é uma característica biológica binária objetiva: “XY” e “XX” são marcadores genéticos saudáveis – e não marcadores genéticos de uma desordem. A norma da concepção humana é ser masculino ou feminino. A sexualidade humana é planejadamente binária com o propósito óbvio da reprodução e da prosperidade da nossa espécie. Esse princípio é autoevidente. As desordens extremamente raras no desenvolvimento sexual, que incluem, entre outras, a feminização testicular e a hiperplasia adrenal congênita, são todas desvios medicamente identificáveis da norma binária sexual, e são com razão reconhecidas como desordens da formação humana. Indivíduos que as portam não constituem um terceiro sexo.

2– Ninguém nasce com um gênero. Todos nascem com um sexo biológico. O gênero (uma consciência e um senso de si mesmo como homem ou mulher) é um conceito sociológico e psicológico, e não biologicamente objetivo. Ninguém nasce com a consciência de si como homem ou mulher: essa consciência se desenvolve com o tempo e, como todo processo de desenvolvimento, pode ser prejudicada por percepções subjetivas da criança, relacionamentos e experiências adversas desde a infância. Pessoas que se identificam como “se se sentissem do sexo oposto” ou “nem masculinas nem femininas, algo entre os dois” não constituem um terceiro sexo. Elas permanecem, biologicamente, homens e mulheres.

3– A crença de uma pessoa de ser algo que ela não é, na melhor das hipóteses, é um sinal de pensamento confuso. Quando um menino biologicamente saudável acredita que é uma menina, ou uma menina biologicamente saudável acredita que é um menino, existe um problema psicológico objetivo, que está na mente, não no corpo, e deve ser tratado dessa forma. Essas crianças sofrem de disforia de gênero, formalmente conhecida como transtorno de identidade de gênero, uma desordem mental reconhecida na edição mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico da American Psychiatric Association. A psicodinâmica e as teorias de aprendizagem social dessa desordem nunca foram refutadas.

4– A puberdade não é uma doença, e a injeção de hormônios bloqueadores da puberdade pode ser perigosa. Reversíveis ou não, hormônios bloqueadores de puberdade induzem um estado de enfermidade – a ausência de puberdade – e inibem o crescimento e a fertilidade em uma criança anteriormente saudável biologicamente.

5– Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico, 98% dos meninos e 88% das meninas confusos com seu gênero aceitam o seu sexo biológico naturalmente ao passar pela puberdade.

6– Crianças que usam bloqueadores de puberdade para personificar o sexo oposto precisarão de hormônios do sexo oposto no final da adolescência. Esses hormônios estão associados com graves riscos para a saúde, incluindo pressão alta, coágulos sanguíneos, AVC e câncer, mas não se limitando a isso.

7– As taxas de suicídio são vinte vezes maiores entre adultos que usam hormônios do sexo oposto e passam por cirurgias de mudança de sexo, mesmo na Suécia, que é um dos países de maior ação afirmativa LGBQT. Que pessoa razoável e compassiva condenaria crianças a esse destino, sabendo que depois da puberdade 88% das meninas e 98% dos meninos aceitarão o seu sexo real e terão saúde física e mental?

8– Condicionar as crianças a acreditar que uma vida inteira de personificação química e cirúrgica do sexo oposto é normal e saudável é abuso infantil. Apoiar a discordância de gênero como normal através da educação pública e de políticas legais confundirá as crianças e os pais, levando mais crianças a procurar “clínicas de gênero”, onde tomarão drogas bloqueadoras da puberdade. Por sua vez, isso garantirá que elas “escolherão” uma vida toda de hormônios cancerígenos e tóxicos e provavelmente considerarão passar por uma mutilação cirúrgica desnecessária de partes saudáveis do seu corpo ao chegar à vida adulta.


(http://www.acpeds.org/the-college-speaks/position-statements/gender-ideology-harms-children)

quinta-feira, 12 de maio de 2016

187ª Nota - Sobre a jurisdição no estado atual da Igreja



Atualmente, um pequeno grupo de pessoas, fundamentando-se em não poucos textos, chega a uma dramática conclusão: “nenhum sacerdote ou bispo (católico) tem jurisdição, por força da ausência de um Papa e da hierarquia na Igreja. [Até aqui a afirmação é exata]. Por isso, eles não podem dizer a missa publicamente, e nós estamos proibidos de assistir a ela. [Aqui é onde se encontra o erro.]

Este grupo de fiéis pretende viver sem os sacramentos (que permitem, sem embargo, a santificação e a vida de nossa alma) com o pretexto de que não há mais sacerdócio. Em outras palavras, atualmente, “já não há verdadeiros sacerdotes e bispos, portanto, tampouco missa e sacramentos na terra”. Esta posição logo se contradiz e se aniquila com a promessa de Nosso Senhor, que nos disse: “Eu estarei convosco para sempre, até o fim dos séculos”.

Este pequeno grupo de pessoas, para chegar a sua conclusão errônea, baseia-se essencialmente nos textos de leis (eclesiásticas) do Direito Canônico. Tal e como veremos, esta gente se apóia no sentido literal, porém, não no espírito. Não obstante, São Paulo nos ensina que “o sentido literal mata e o espírito vivifica”.

Na situação atual, onde tudo está em desordem, a Igreja, Mãe das almas, preocupada pela misericórdia e atenta à situação dramática em que vivemos, não tem as mesmas intransigências. Hoje, as regras exclusivamente eclesiásticas que vão contra o fim a que aspiram (v.g., a necessidade de um mandato romano para uma consagração) já não se podem aplicar e não têm mais força executória (não são aplicáveis) em razão da situação inédita e extraordinária da Igreja. Ademais, inclusive em tempos normais, o não respeito destas regras eclesiásticas (necessárias e lógicas para preservar o bom funcionamento e a ordem da instituição humana da Igreja e para que se respeite a hierarquia da Igreja e a primazia do Papa) não impediam a validez própria de um sacramento.

Para explicar a virtude da Epiquéia (que ensinou Santo Tomás de Aquino), Mons. Guérard punha este exemplo: “Cada dia, uma mãe ordenava a sua filha maior: ‘não toque em seu irmãozinho, bebê, até que eu volte das compras’. A filha respeitava fielmente esta ordem. Porém, um dia, ao regressar a mãe, a filha foi ao seu encontro com o bebê em seu colo. Ela havia desobedecido? Sem embargo, existia uma razão: a casa estava incendiando.”

A atitude destes fiéis que rechaçam os sacramentos inteiramente válidos, puros e completamente católicos, demonstram-nos uma grande ignorância da religião, da vida da Igreja, de sua história. Viver com o Código de Direito Canônico na mão como única fonte é totalmente estúpido e completamente infrutífero.

Eles têm um falso conceito do que é a Igreja. Imaginam-na como uma instituição rígida e severa. A história nos demonstra o contrário: as leis eclesiásticas se adaptaram, se reforçaram e se completaram, segundo as necessidades da Igreja e da santificação das almas.

Não imitemos aos fariseus que seguiam a lei ao pé da letra em detrimento da salvação das almas. Isto é o que os perdeu! No Evangelho temos um magnífico exemplo da conduta que devemos ter com respeito à lei humana.

Como podemos ler no Evangelho segundo São Lucas (Luc. 14), se um burro caísse em um poço no dia de sábado, estava proibido tirá-lo dali, pois a lei impedia. Tratava-se de seguir o espírito do sentido literal, condenado por São Paulo. Pois bem, Nosso Senhor nos disse que, apesar da lei, devemos retirar o burro do poço, já que há uma necessidade e se trata simplesmente de bom senso.

Rechaçar os sacramentos e não assistir à Santa Missa, com o pretexto de que o sacerdote (católico, ordenado validamente por um bispo) não tem poder de jurisdição (é impossível tê-la hoje, pois que não há um Papa nem hierarquia) é seguir o espírito dos fariseus. Que grave erro! Isto é suicídio! Equivale a permanecer na casa que incendeia, em lugar de sair, com o pretexto de que uma lei o proíbe!

Isto é o que disse o padre Grossin: “Quando a casa incendeia, não pedimos permissão ao nosso vizinho para tomar a sua água. Assim, também, devemos compreender que, na situação atual, as regras estritas da Igreja não são rígidas. Não fazer nada e ficar olhando os meninos que se queimam na casa sem tentar apagar o fogo é criminoso. Dirão alguns que eles não tinham o direito de roubar a água do vizinho para apagar o fogo. E, portanto, estão isentos de todo o pecado! Agora, aqueles que roubaram a água do vizinho para salvar a vida de outras pessoas são abomináveis pecadores... Isto mais se parece com um raciocínio farisaico, que não quer salvar o seu próximo em um dia de sábado. Não fazer nada, é condenar as almas a privação dos sacramentos, que são os canais da graça. [...] As questões sutis do Direito Canônico não levam em conta a nossa extraordinária situação atual, não prevista pelo próprio Direito Canônico. Atrever-se a dar argumentos canônicos, válidos quando a Igreja está em ordem, com uma autoridade de tribunais, da prova de um legalismo fariseu e mortal.”
Conclusão
Pelas razões anteriores, podemos auferir que é absurdo, suicida e criminoso rechaçar os sacramentos válidos (non uma cum) com o pretexto de que os sacerdotes e os bispos não tem mais poder de jurisdição em virtude da ausência de Papa e da hierarquia na Igreja. É absurdo, suicida e criminoso querer impedir os fiéis o acesso aos sacramentos segundo as razões explicadas. É absurdo, suicida e criminoso se opor ao reconhecimento dos bispos católicos non una cum com o pretexto de que foram consagrados sem mandato apostólico. Trata-se de um espírito não católico. Porém, isto não é em si surpreendente: estes fiéis, ao não haver recebido o sacramento da Confirmação, sacramento que outorga os sete dons do Espírito Santo, estão cegos... Oremos por eles!
***
Resposta a algumas objeções:
Primeira: Em face disto, algumas pessoas pensam refutar a nossa posição, colocando-nos em uma armadilha, quando fazem maliciosamente esta pergunta: “A Epiquéia pode permitir o que está proibido pelo Santo Concílio de Trento (Sessão XXIII, cânon VII) e pelo Denzinger 967?”

Resposta do padre Grossin: “Epiquéia não autoriza aquilo que está proibido. A Epiquéia tem em conta as circunstâncias concretas que a lei não previu com todos os seus detalhes. Pois bem, em nossa situação atual, os sacerdotes católicos non una cum não afirmam que têm jurisdição. Estamos todos de acordo em dizer que não temos jurisdição ordinária. Não afirmamos ter sido enviados por uma autoridade que já não existe! Nós não viemos do outro lado, como o proíbe o Concílio de Trento; mantemos os sacramentos válidos, não partimos em missão. Esta batalha de sobrevivência, para retomar a expressão de Jean Vaquié, respeita a intenção e o espírito dos Padres do Concílio de Trento quando escreveram seu texto. Naquele momento, queriam proteger a fé e os sacramentos íntegros contra os protestantes. É isto o que fazemos com os poucos meios que nós temos.”

Segunda: “Para absolver, é absolutamente necessário que o sacerdote tenha o poder de jurisdição. Trata-se, com efeito, de uma lei de direito divino que não se pode permitir a Epiquéia.”

De fato, uma lei de direito divino não pode ser transgredida, não permitindo a Epiquéia. O padre Belmont explica em um artigo que a jurisdição tem que ser de direito divino para absolver. Porém, o direito da Igreja nos assegura formalmente que, em caso de erro comum ou de perigo de morte, a Igreja supre a jurisdição (isto é, dá jurisdição). Santo Afonso admite – e com ele a Igreja, que atribui uma autoridade muito particular em sua opinião sobre estes temas – que é similar ao caso de perigo de morte o dos prisioneiros (não necessariamente condenados à morte), aos quais, para confessá-los, encontrariam unicamente sacerdotes sem jurisdição. O caso em que nos encontramos, não é deste tipo?

Padre Belmont: “A situação trágica da Santa Igreja – ausência de autoridade pontifícia, colonização das estruturas da Santa Igreja por uma religião herege e sacrílega, escassez de sacerdotes – e os grandes perigos do mundo moderno para as almas: isto constitui objetivamente uma grave necessidade na qual a suplência da Igreja valida a absolvição que dá um verdadeiro sacerdote. No ato mesmo da absolvição, Jesus Cristo e sua Igreja suprem a jurisdição que falta. Ademais, isto é verdadeiro também quando o padre e o penitente se equivocam quanto à existência ou à gravidade ou à natureza da crise: o fundamento da necessária suplência não está em seu juízo (verdadeiro ou falso), mas na realidade objetiva.”

O demônio, inimigo incansável dos sacramentos, é muito hábil para encontrar argumentos “com uma boa aparência”, visando a que uma pequena quantidade de sacerdotes e bispos católicos féis deixem de celebrar a santa Missa e de dar os sacramentos.

Resumo do Padre Ricossa sobre a jurisdição:

a) Na Igreja existe o poder de ordem e jurisdição.
b) Estes dois poderes, embora intimamente unidos por uma relação mútua e que normalmente devem ser exercidos conjuntamente, são realmente distintos e podem excepcionalmente se exercer de maneira separada. 
c) A Sé Apostólica está atualmente vacante. 
d) Como a Sé está formalmente vacante, resulta que, ao não haver Papa, que é a fonte da jurisdição eclesiástica (e também o resto da hierarquia, que goza da jurisdição ordinária ou delegada, não há ninguém que seja depositário de uma jurisdição ordinária, delegada ou suplente por direito, não somente entre os fieis do Vaticano II, senão também entre seus opositores).
e) O poder de ordem (pela glória de Deus com o oferecimento do Sacrifício e a salvação das almas, a administração dos sacramentos, a evangelização, etc.) não pode nem deve desaparecer; portanto, pode ser exercido inclusive por sacerdotes privados do poder de jurisdição, segundo o rito tradicional da Igreja. Negar este ponto leva a negar a continuidade da Igreja tal e como foi concebida por Cristo. Os bispos consagrados com este fim não gozam do poder de jurisdição, gozam unicamente do poder de ordem.
f) Podemos admitir que os bispos e sacerdotes que exercem desta maneira o poder de ordem recebem de Cristo — per modum actus, a saber, de maneira transitória e para cada ato sacramental realizado de forma singular — um poder de jurisdição de suplência. Isto vale principalmente para o sacramento da penitência, pelo qual a jurisdição é necessária não somente de direito eclesiástico, senão também de direito divino, pela própria natureza do sacramento.
g) Porém, esta jurisdição suplente supõe que foi outorgada unicamente para estes atos que têm um fundamento no poder da ordem (ou para aquilo que é absolutamente indispensável para a continuidade da Igreja e não para os atos de jurisdição pura em si, que, por outro lado, não tem nenhum fundamento para receber esta jurisdição). 
Por isso, é possível admitir uma suplência da parte de Cristo. Sem embargo, negamos que seja possível admitir tal suplência se reconhecermos em atos a autoridade de João Paulo II (Bento XVI e Francisco) (Cristo atuaria sempre por intermédio de seu Vigário e jamais sem ele) e negamos, inclusive na hipótese da vacância da Sé Apostólica, que Cristo possa dar autoridade a organismos jurisdicionais compostos de pessoas privadas e desprovidas de toda a autoridade, inclusive material (como as comissões canônicas da Fraternidade ou os conclaves de sedevacantistas).

Fonte: Sodalitium, n.° 51, p. 49.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

186ª Nota - Necessidade de formas determinadas e próprias para os sacramentos


Necessidade da Matéria Determinada Específica

Como todos sabem, para qualquer sacramento ser validamente administrado é necessário que a matéria apropriada seja usada; por exemplo, água para o Batismo, pão e vinho para a Santa Eucaristia.

Santo Tomás de Aquino explica por que coisas específicas, determinadas são necessárias como matéria apropriada dos sacramentos: “Dado, pois, que a santificação do homem está no poder de Deus Santificador, não cabe ao homem decidir que coisas devam ser usadas para sua santificação, mas isso devia ser determinado por instituição Divina. Por isso, nos sacramentos da Nova Lei — pelos quais o homem é santificado, segundo I Cor. VI, 11, ‘Vós sois lavados, vós sois santificados’—, nós temos de usar aquelas coisas que são determinadas por Divina instituição.” (Summa Th., III, Q. 60, Art. 5)

Logo, nenhum mero homem pode ter a ousadia de pretender arrogar a si o direito de mudar a matéria apropriada de um sacramento, porque “nós temos de usar aquelas coisas que são determinadas por Divina instituição”.

Necessidade de uma Forma Determinada Específica é ainda maior

Agora, se uma matéria determinada específica é necessária para a validade de um sacramento, maior ainda é a necessidade de uma forma determinada específica. “E, portanto, para garantir a perfeição de significação sacramental era necessário determinar a significação das coisas sensíveis (i.e., a matéria) por meio de certas palavras”. (Summa Th., III, Q. 60, Art. 6).

“Como foi declarado acima, nos sacramentos as palavras são como a forma, e as coisas sensíveis são como a matéria. Ora, em todas as coisas compostas de matéria e forma, o princípio determinante fica por conta da forma.  (...)  Consequentemente, para o ser de uma coisa, a necessidade de uma forma determinada é anterior à necessidade de matéria determinada.  (...)  Dado, portanto, que nos sacramentos coisas sensíveis determinadas são necessárias, as quais são como a matéria sacramental, muito maior é a necessidade neles de uma forma determinada de palavras.” (Summa Th., III, Q. 60, Art. 7).

E, assim, tal como acima, meros homens não podem se atrever a usurpar o direito de mudar a forma apropriada para um sacramento.

A FORMA APROPRIADA DO SACRAMENTO DA SANTA EUCARISTIA

A Consagração do Pão

Segundo Santo Tomás de Aquino, a forma apropriada para a consagração do pão consiste das palavras: Isto é o Meu corpo. (Summa Th., III, Q. 78, Art. 2).

Previamente à introdução do Cânon vernáculo em 22 de outubro de 1967, a forma usada durante a Missa era: Pois isto é o Meu corpo. Esse novo Cânon, todavia, omite a conjunção pois; e essa palavra específica, segundo Santo Tomás, “está colocada nesta forma conforme o costume da Igreja Romana, proveniente de S. Pedro Apóstolo.” (Summa Th., III, Q. 78, Art. 2, destaque adicionado). Ela foi inserida na forma “por causa da continuidade com as palavras precedentes”, o Doutor Angélico continua, “e, portanto, não é parte da forma.” (Ibid.).

Embora a omissão da palavra pois na consagração do pão não afete a validade do sacramento, aqueles que são responsáveis por essa omissão aparentemente dão mostras de truculento desprezo por uma Tradição da Igreja Romana, uma Tradição que data dos primórdios mesmos do Cristianismo. Com efeito, uma Tradição “proveniente de S. Pedro Apóstolo”!

É interessante que o Doutor Angélico observa também: “Assim, na forma da Eucaristia, Pois isto é o Meu Corpo, a omissão da palavra pois (...) não causa a invalidade do sacramento; embora talvez quem faz a omissão possa pecar por negligência ou por desprezo.” (Summa Th., III, Q. 60, Art. 8).

A Consagração do Vinho

Segundo “O CATECISMO POR DECRETO DO SANTO CONCÍLIO DE TRENTO”, publicado por mandamento do Papa São Pio V: “Nós devemos, pois, crer firmemente (certo credendum est)” que a forma para consagração do vinho “consiste nas seguintes palavras: Este é o cálice do meu sangue, do novo e eterno testamento, o mistério da fé, que será derramado por vós e por muitos, para remissão dos pecados.” (Parte II, Cap. 4, Par. 21). E imediatamente abaixo, no par. 22, lemos: “Quanto a esta forma, ninguém pode duvidar (Verum de hac forma nemo dubitare poterit) (...) está patente que não são outras as palavras que constituem a forma (perspicuum est, aliam formam constituendam non esse)”.

Há outros livros de teologia que afirmam (ou ao menos sugerem) que unicamente as palavras Este é o Meu sangue constituem a forma. Isso certamente pareceria estar incorreto, por diversas razões. Primeiro que tudo, como se acaba de notar, um catecismo por decreto de um Concílio Ecumênico (e um que não era “pastoral”, tampouco) declarou o contrário.

A segunda razão é pela autoridade do uso desde há muito estabelecido e consagrado. Pois em praticamente todos os missais, tanto os usados pelo sacerdote (missais de altar) como os usados pelos fiéis, nós sempre encontramos italicizada ou destacada em negrito a forma inteira: Hic est enim Calix  (...)  in remissionem peccatorum.

E finalmente, em terceiro lugar, nós devemos crer que a inteira forma apresentada no parágrafo acima é a forma apropriada e necessária, porque a integridade da expressão o exige. “Sustentaram alguns”, diz S. Tomás, “que tão-somente as palavras Este é o cálice do Meu sangue pertencem à substância (ou seja, à essência ou parte necessária – Autor) da forma, mas não as palavras que a elas se seguem. Ora, isso parece incorreto, porque as palavras que a elas se seguem são determinações do predicado, isto é, do sangue de Cristo; consequentemente, pertencem à integridade da expressão.”

Ele continua: “E por causa disso outros dizem, com maior exatidão, que todas as palavras que se seguem pertencem à substância da forma até às palavras: toda vez que fizerdes isto (mas sem incluir estas palavras – Autor)”. Do contrário, por que o sacerdote continuaria segurando o cálice até a conclusão de todas essas palavras? “Daí que o sacerdote pronuncie todas as palavras dentro do mesmo rito e maneira, a saber: segurando o cálice em suas mãos.” (Summa Th., III, Q. 78, Art. 3).

Para mostrar por que cada inciso e expressão são necessários, o Doutor Angélico os explica um a um. “Consequentemente deve-se dizer que todas as palavras precitadas pertencem à substância da forma; mas que, pelas primeiras palavras: Este é o cálice do Meu sangue, a mudança do vinho em sangue é denotada...” É importante notar que S. Tomás diz que a transubstanciação é denotada, mas ele não diz que ela efetivamente ocorre quando do término dessa frase.

Continuando, “(...) mas, pelas palavras que vêm em seguida, mostra-se o poder do sangue derramado na Paixão, poder este que opera neste sacramento e se ordena a três fins. Primeiro e principalmente, a assegurar nossa eterna herança, (...) e, a fim de denotar isso, nós dizemos: do Novo e Eterno Testamento.

Em segundo lugar, para a justificação pela graça, que é pela fé, (...) e por essa razão nós acrescentamos: O Mistério da Fé.

Em terceiro lugar, para remover os pecados, que são impedimentos a ambas estas duas coisas, (...) e por esse motivo nós dizemos: que será derramado por vós e por muitos para o perdão dos pecados.” (Summa Th., III, Q. 78, Art. 3).

Para resumir esta parte: A forma apropriada para o sacramento da Santíssima Eucaristia — toda a qual é necessária para a validade dele — é:
Isto é o meu corpo. Este é o cálice do Meu sangue, do novo e eterno testamento, o Mistério da Fé, que será derramado por vós e por muitos para perdão dos pecados.

(Excerto de um texto do blogue Acies Ordinata)

terça-feira, 10 de maio de 2016

185ª Nota - Resposta a uma objeção



O sedevacantismo faz “triagem de papas”?

Fez-se uma objeção à minha recente réplica ao bispo W. É uma objeção que frequentemente se faz contra os sedevacantistas. Objeta-se que os sedevacantistas não podem criticar a FSPX por fazer a triagem do magistério, já que eles próprios estão fazendo a triagem dos papas. Encontrando discrepância entre o magistério pré-Vaticano II e o magistério pós-Vaticano II, os sedevacantistas meramente depõem papas que eles constatam carecer de ortodoxia. Mas eles não têm autoridade para fazer isso. Logo, ao mesmo tempo que os sedevacantistas objetam à “peneiração do magistério”, eles próprios estão envolvidos em “peneiração de papa”, o que dá no mesmo.

Antes de tudo, como disse em meu artigo, todo católico deve comparar tudo o que ele escuta com o magistério anterior da Igreja, inclusive novos atos do magistério mesmo, dado que o magistério fixa os dogmas da Igreja, que são objeto de nossa fé. Então, uma vez que a Igreja tenha se pronunciado sobre qualquer questão dogmática ou moral, o pronunciamento dela fica gravado no mármore. Nada, daí em diante, pode contradizê-lo legitimamente. Mesmo papas estão vinculados ao magistério precedente.

A assistência do Espírito Santo à Igreja assegura que todo ato do magistério da Igreja estará em conformidade com o magistério anterior. Ademais, pelo dom da indefectibilidade, o Espírito Santo assiste à Igreja de tal maneira, que nenhuma disciplina ou lei universal, quer seja ela litúrgica ou outra, poderia prescrever algo pecaminoso.

Logo, havendo contradição entre o magistério anterior e o presente magistério, o católico tem de ficar do lado do magistério anterior, que não é alterável de maneira alguma, e é objeto da sua virtude de fé. Assim fazendo, o católico é obrigado a enxergar o “magistério” contraditório como não derivado da hierarquia que é assistida pelo Espírito Santo. Pois é impossível que uma hierarquia, assim assistida, possa promulgar uma coisa dessas. Logo, a contradição que se encontra no novo “magistério” tem de ser vista como um sinal infalível de que ele não procede de uma hierarquia divinamente assistida. Logo, a promulgação das heresias do Vaticano II por Paulo VI é sinal infalível de que ele não possuía a autoridade papal, nem jamais o fez, já que ele teria sido assistido de tal maneira a evitar a promulgação de heresia e erro.

Pode-se dizer o mesmo das leis e disciplinas. Se os tradicionalistas estão dizendo que a nova liturgia é má, e que os novos sacramentos são inválidos ao menos em alguns casos, e que o Código de Direito Canônico de 1983 contém leis pecaminosas, então eles estão implicitamente asseverando que é impossível que essas coisas procedam de uma hierarquia divinamente assistida. A conclusão é o sedevacantismo.

Note-se que o tradicionalista não pode evitar a conclusão do sedevacantismo sem negar implicitamente a assistência do Espírito Santo à Igreja, o que seria realmente herético.

O grave erro da FSPX e do bispo W. é, precisamente, dizer que o Papa e a Hierarquia Católica como um todo é capaz de contradizer o magistério anterior, e é capaz de promulgar liturgias más, disciplinas más e leis más para toda a Igreja, destarte criando e promulgando toda uma nova e falsa religião. A solução, dizem eles, é passar o magistério, liturgia, disciplinas e leis conciliares e pós-conciliares pelo crivo, para obter o que eles julgam tradicional, ao mesmo tempo que reconhecendo os promulgadores da religião falsa como a legítima hierarquia católica. Isso significa que a hierarquia católica infalível promulgou universalmente heresia e erro, assim como liturgia má, leis más e disciplinas más. Só que isso é contrário à fé.

Portanto, a fé exige de nós, não que coemos o magistério e disciplinas faltosos, mas que rejeitemos os promulgadores como falsa hierarquia, isto é, como uma hierarquia que não têm a autoridade de ensinar, de governar e de santificar a Igreja.

Os sedevacantistas não estão depondo ninguém, dado que não têm autoridade alguma para o fazer. Assim, na tese do bispo Guérard des Lauriers, os fiéis podem e devem dizer somente que a hierarquia Novus Ordo carece de autoridade, pelas razões aduzidas, mas não está – nem pode ser – deposta, salvo por uma autoridade legítima.

O sedevacantismo, como eu disse em meu artigo, segue aquilo que S. Paulo diz aos fiéis gálatas no primeiro capítulo dessa Epístola. Se alguém, incluindo um anjo ou ele mesmo, pregar uma doutrina diferente daquela que ele pregou, seja anátema. Ele não diz: peneirem a doutrina falsa para reter as migalhas tradicionais. Noutras palavras, se o pregador viesse a contradizer o magistério precedente, ele deveria ser totalmente rejeitado, e não “aceito, mas peneirado”. Assim também, Paulo IV convoca à plena rejeição do eleito papa que calhe de ser um herege. Os fiéis têm o mandamento, não de peneirar a doutrina dele para reter o que for verdadeiro, mas de considerá-lo um falso papa.

Portanto, se com “triagem de papas” se quer dizer que os fiéis católicos devem rejeitar como falso um pregador de doutrina falsa, ainda que ele porventura fosse o próprio S. Paulo, nesse caso os sedevacantistas se confessam culpados, pois isso é o que S. Paulo e a Igreja Católica exigem que façamos. “Triagem de papas” é, na realidade, o termo errado. “Triagem de herege” é mais exato, isto é: peneirar a hierarquia à cata de hereges, coisa que a Igreja sempre fez. Pois nenhum herege pode ser verdadeiro Papa.

O bispo W. quereria transferir a assistência do Espírito Santo, do Papa e Hierarquia, para os fiéis que creem, assegurando assim a infalibilidade do magistério por meio do consentimento e aceitação dos fiéis. Nesse sistema, pode-se ter um Papa e uma Hierarquia em defecção, mas ao mesmo tempo uma Igreja infalível e indefectível.

Diz um ditado que não se pode comer o bolo e tê-lo inteiro ao mesmo tempo. Já nesse sistema, por assim dizer, pode-se ter o seu papa e devorá-lo ao mesmo tempo!
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Rev. Donald J. SANBORN, Resposta ao Bispo W. sobre a Vacância da Sé Romana, fev. 2014; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, mar. 2014, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-2eY 

sexta-feira, 6 de maio de 2016

184ª Nota - Os judeus, o dinheiro e o mundo



Após a Shoah, ficou impossível falar do lugar do povo judeu na economia mundial. São raríssimas as empresas que se mantiveram propriamente judaicas. Em sua maioria, aquelas das quais falamos até aqui, que o eram por causa de seus fundadores, não o são mais, ou até desapareceram. De geração em geração, o fogo sagrado acabou por enfraquecer até apagar-se. Como os outros, os judeus se assimilam, e suas empresas deixam de ser identificáveis aos respectivos criadores, ainda que estes lhes tenham legado o nome. Por fim, os que ainda dirigem empresas, como assalariados, não lhes imprimem uma especificidade judaica e não constituem um grupo específico: já não existe – ou quase não existe – “dinheiro judaico”.

Para começar, certos industriais judeus deixam de sê-lo. Entre estes, Marcel Bloch, ao voltar de Buchenwald, torna-se Marcel Dassault, converte-se e produz em 1949 um primeiro avião a jato, o Ouragan, seguido do Mystère e do Mirage. Outros criadores também mudam de nome, às vezes sem esconder isso – como Ralf Lifchitz, que passou a chamar-se Ralph Lauren –, às vezes mais discretamente.

Em contraposição, certos dirigentes de empresas na condição de assalariados são judeus, sem que estas, evidentemente, possam ser consideradas judaicas, como, no entanto, pretendem incontáveis panfletos antissemitas. Por exemplo, a Dupont de Nemours, empresa química fundada no fim do século XVIII por um protestante francês, foi durante algum tempo dirigida por um judeu lituano, Ernest Shapiro, e uma parte de suas ações pertenceu por um momento ao grupo Bronfman, sem que com isso ela se tornasse uma firma judaica. Do mesmo modo, a Walt Disney Company, cujos principais quadros dirigentes de hoje são judeus, não é uma sociedade judaica, apesar do que dizem também incontáveis sites e publicações antissemitas nos Estados Unidos. Tal é igualmente o caso da Time Warner, da Warner Music, da ABC, da CBS. Michel Bloomberg, fundador de uma agência de informações financeiras e novo prefeito de Nova York, Larry Ellison, fundador da Oracle, e Steve Balmer, presidente da Microsoft, evidentemente não fazem das empresas que eles dirigem – ou que criaram – “empresas judaicas”.

Em Hollywood, a Goldwyn Pictures permanece, ao lado da NBC (dirigida pelo filho de David Sarnoff), como a única empresa de origem judaica ainda dirigida por um descendente do fundador (o filho de Samuel Goldwyn). Em Londres, a agência Reuters – que não esconde suas origens em sua “biografia” oficial – jamais teve alguma coisa de agência especificamente judaica!

Na imprensa escrita, o grupo Newhouse (fundado por Samuel Newhouse – nascido na Rússia em 1895 – e dirigido por seus filhos Samuel e Donald) controla vinte e seis jornais, editoras e revistas (Vogue, Vanity Fair, New Yorker) sem ser especificamente judaico. Assim como o New York Times, que ainda pertence à família Ochs e é dirigido por Arthur Ochs Sulzberger, bisneto do primeiro proprietário. O Washington Post continua pertencendo à filha de Eugen Mayer, que passou a chamar-se Kathy Graham e cujo filho dirige hoje o grupo, também proprietário da Newsweek.

Nenhuma rede secreta os liga, nem em público nem nos bastidores. E, se os Pritzker são proprietários dos hotéis Hyatt, evidentemente não há nada de específico em seus negócios ou em sua clientela!

Por fim, dos bancos judaicos que financiaram a economia do século XIX, poucos sobreviveram: o Warburg, o Seligman, o Bischoffsheim, o Kuhn-Loeb foram engolidos por outros; o Oppenheim, o Guggenheim, o Lehman, o Bleichröder tornaram-se quase insignificantes.

Na colocação de empréstimos, somente dois estabelecimentos de origem judaica – Salomon Brothers e Dillon-Reed – mantêm-se como principais corretores de colocação de obrigações, mas há muito tempo perderam qualquer especificidade. O Salomon Brothers salva Nova York da falência em 1975 – com Felix Rohatyn, do Lazard – e a Chrysler em 1980, obtendo-lhe 5 bilhões de dólares de empréstimos garantidos pelo governo federal. Nenhum desses dois estabelecimentos é dirigido por descendentes das famílias fundadoras, e nada lembra suas origens – nem mesmo em suas brochuras ou em seu site na Internet –, que Dillon sempre rejeitou.

Entre os bancos de negócios do século XIX, só conservam importância o Goldman-Sachs, o Lazard e o Rothschild, sendo os dois últimos os únicos ainda dirigidos por descendentes das famílias fundadoras.

Desde o início do século XX, o Goldman-Sachs, que se alçou com o Merryl Lynch ao primeiro nível dos bancos de negócios mundiais a partir de 1986, já não é dirigido por membros das famílias fundadoras. Até há pouco tempo, quem o dirigia era John L. Winberg, filho e neto de dirigentes da firma, mas sem vínculo de parentesco com os fundadores.

O Banco Lazard, desenvolvido por André Meyer a partir dos anos 40 e, a partir de 1975, por Michel David-Weill, descendente de um dos três fundadores, é hoje uma grande casa mundial, consultora das principais fusões e aquisições, sem especificidade judaica. Vindo da Hungria, com passagem por Paris, Felix Rohatyn exerceu nele um papel considerável, hoje desempenhado por Bruce Wasserstein, que assumiu a direção no lugar de Michel David-Weill. 

A casa Rothschild mantém seu nível na Grã-Bretanha. Na França, David de Rothschild, filho de Guy, descendente de James, recriou a casa em Paris como banco de negócios em 1987, após a nacionalização como banco comercial em 1982. Em seguida, David foi associado à direção do de Londres e hoje faz do conjunto, com seu primo Evelyn, um dos primeiros bancos de negócios do mundo. Ele ainda dirige, depois de seu pai, Guy, a instituição de assistência social da comunidade francesa, o FSJU. Seu primo Benjamim, filho de Edmond, dirige outro grupo Rothschild, outro conjunto de bancos, sem ou quase sem qualquer relação financeira com o precedente.

Muitos bancos criados por judeus na Europa desapareceram com o nazismo e não ressurgiram dos escombros. Em Bruxelas, o banco Philippson, fundado em 1871 por Franz Philippson e que passou a chamar-se banco Degroof durante a última guerra, não recuperou seu nome. Os descendentes dos proprietários iniciais voltaram a ser acionistas minoritários e um deles preside o conselho administrativo do Degroof. Em Hamburgo, o banco Warburg, que se tornou Brinckmann em 1939 e voltou a ser Warburg em 1991, dois anos após a saída da família Brinckmann, praticamente desapareceu. O Deutsche Bank – que, em sua “biografia” oficial, não menciona o judaísmo de seu fundador, Ludwig Bamberger – e o Dresdner Bank – o qual, por sua vez, não o esconde – já não têm nada de judaicos. Na Polônia, é também esse o caso dos bancos Handlowy e PKO. De igual modo, em Londres, o Hambros há muito tempo deixou de ser um banco judaico, tanto por seus acionistas quanto por seus dirigentes.

Trajetória meteórica: em 1938, o sobrinho de Max Warburg, Siegmund, cria a casa S. G. Warburg em Londres, antes de participar do financiamento da economia de guerra, de inventar as ofertas públicas de compra de ações, de lançar mais tarde os primeiros empréstimos em eurodólares e de tentar inutilmente uma fusão com o Kuhn-Loeb, para reatar com a tradição familiar. Ele morre em 1982 sem ter visto desaparecer sua casa – da qual faz então uma das principais no mundo –, engolida quinze anos depois pela União dos Bancos Suíços.

Por outro lado, vários judeus eminentes exercem um papel importante no encaminhamento das instituições financeiras internacionais que se instalam a partir de 1944.

É o caso de Harry Dexter White, filho de emigrados lituanos, nascido em Boston em 1892. Ele escolhe os movimentos financeiros estrangeiros na França como tema de sua tese, demonstrando que as exportações de capitais podem levar um país ao desastre. Depois de lutar no front em 1917, ensina economia em diversas universidades americanas e, em 1934, passa a trabalhar na administração pública. Vice-ministro das Finanças e adjunto de Henry Morgenthau em 1942, prepara com os britânicos os estatutos das futuras instituições financeiras internacionais, cuja criação está prevista para depois do fim da guerra, de resultado ainda indeciso. Ele propõe a implantação de um fundo de estabilização dos câmbios que emitiria uma moeda de reserva, a unitas, e de um banco mundial de investimento que financiaria o desenvolvimento dos países a reconstruir e gerenciaria o estoque mundial de ouro. Diante disso, o negociador britânico, John Maynard Keynes – que já foi um dos negociadores britânicos do tratado de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial –, propõe um sistema menos dependente dos Estados Unidos: uma moeda mundial, o bancor, e um banco central mundial. Harry Dexter White impõe tanto mais facilmente seus pontos de vista a Keynes quanto os comboios de navios americanos de socorro que atravessam o Atlântico parecem retardar ou acelerar sua velocidade pelo ritmo dos progressos obtidos pelos negociadores... Em julho de 1944, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) é reduzido à concessão de empréstimos a curto prazo para compensar as flutuações das taxas de câmbio; o do Banco Mundial limita-se a consentir empréstimos para o lançamento de projetos específicos no Terceiro Mundo. Nomeado primeiro administrador americano do FMI, Harry Dexter White, então muito doente, tem de demitir-se já em março de 1947. Em janeiro de 1948, é acusado de ser agente comunista, por haver desejado a adesão da URSS ao FMI e por ter proposto, com Henry Morgenthau, o desmantelamento da indústria alemã. Em abril, depõe numa comissão de inquérito do Senado. Interrogatório tenso: recusam-lhe o repouso que ele solicita; ele morre quarenta e oito horas depois. Em 1953, o senador McCarthy acusará o presidente Truman de ter ocultado que Harry Dexter White era espião soviético, antes de os arquivos demonstrarem que ele nunca foi nada disso.

Outros, mais tarde, exercerão um papel influente junto aos poderosos, em certos países da Europa, criando várias outras instituições financeiras internacionais e continuando a escapar, pela literatura ou pela ciência, às profissões ligadas a dinheiro.

Hoje, quando brokers e fundos de pensão gerenciam o essencial da poupança do mundo, o ofício de corretor de capitais toma novas direções. Mais uma vez, encontramos corretores judeus nos setores mais inseguros: primeiro as junk bonds, títulos muito arriscados, outrora tão úteis ao financiamento da indústria americana, e em seguida os hedge funds, mecanismo de cobertura dos riscos. Alguns trabalham em bancos ou em fundos especializados, tais como o Marshall-Wace, o Voltaire, o Meditor ou o Tiger. Outros se encontram entre os gerentes dos principais fundos, tais como o Capital Research International, o Fidelity ou os do Deutsche Bank, e até em fundos de venture capital dedicados a financiar a inovação.

Entre estes últimos, um dos únicos a ter criado sua própria estrutura é Georges Soros. Nascido na Hungria em 1930, chegado em Londres em 1947, ele trabalha de início para o que resta então do pequeno banco Bleichröder em Nova York, antes de fundar em 1979 o Quantum Fund, que logo passa a gerir mais de 15 bilhões de dólares. Mais que um investidor, Soros é especializado na gestão a curto prazo, inclusive a especulação sobre as moedas, antes de consagrar o essencial de seu tempo, e de sua fortuna, às suas fundações pela promoção da democracia no leste da Europa e à propagação das ideias do filósofo Karl Popper.

Dois setores permanecem amplamente judaicos, como há séculos: as indústrias de roupas, em Londres, Chicago, Nova York e Paris, e a corretagem de diamantes, exercida essencialmente entre Nova York – na Rua 47 –, Tel-Aviv e Antuérpia. Ambos enfrentam forte concorrência: particularmente, o mercado indiano parece estar assumindo o poder no setor dos diamantes.

O papel relativo do “meio” judaico na criminalidade diminui também com a globalização, embora ainda se encontrem alguns de seus membros como corretores em certos tipos de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, de Los Angeles a Moscou, de Bogotá a Tel-Aviv. Uma única rede especificamente judaica foi revelada, em fevereiro de 1990, em Nova York. Seu circuito era o seguinte: uma parte da droga do cartel de Cali era trocada na Colômbia por diamantes; para serem convertidos em dinheiro líquido, estes eram enviados para Milão e montados em jóias, as quais seguiam para Manhattan a fim de serem vendidas legalmente – mediante pagamento em espécie – na Rua 47, onde, segundo um comentário enfático do diário israelense Maariv, que revelou o negócio, “há mais restaurantes kosher do que em toda Tel-Aviv, e onde fica a maior lavanderia de dinheiro da droga nos Estados Unidos”. Uma parte do produto dessa venda era então entregue pelos joalheiros a instituições judaicas de Nova York, que restituíam parcialmente o dinheiro – sempre cash – a contrabandistas dos cartéis. Os dirigentes dessa rede faziam alguns de seus intermediários – judeus ortodoxos, como um rabino do Brooklyn cuja prisão, em fevereiro de 1990, revelou toda a história – acreditamos que eles estavam ajudando diamantistas da Rua 47 a fraudar o fisco, ou judeus iranianos a liberar seus capitais. O chefe da rede, um israelense, confessou ter lavado dessa maneira 200 milhões de dólares para o cartel de Cali – ou seja, menos de 1 por cento do volume anual de negócios desse cartel, que distribui quatro quintos da cocaína e um terço da heroína consumidas no mundo. 
(Excerto de “Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo”, de Jacques Attali)