O que é o judeu moderno? O que foi o
judeu pré-moderno? O judeu pré-moderno acreditava que a Bíblia era literalmente
a palavra de Deus, que Ele ditara a Moisés (exceto os últimos oito versículos
do Deuteronômio a cujo respeito o próprio Talmud, Baba Batra, indica que
possivelmente esses últimos oito versículos não foram ditados por Moisés, visto
que dão testemunho de sua morte). Acreditava, ao mesmo tempo, que a tradição
real, a lei do Talmud e os comentários da Bíblia também eram a voz de Deus,
embora talvez, em grau menor. Mais ainda, este homem de fé profunda e firme
vivia em um meio ambiente homogêneo, geralmente ou somente junto a outros
judeus. E viviam ao mesmo ritmo, trabalhavam os mesmos dias e tinham os
mesmos schabatot e as mesmas festividades, alimentavam-se de igual
maneira e regiam-se em seus casamentos pelas mesmas leis. Numa tal sociedade
era possível o casamento sem uma relação prévia, o amor romântico não
constituía requisito necessário para lograr uma união feliz, pois o mesmo céu e
a mesma terra eram comuns ao noivo e a sua noiva. Em terceiro lugar, o judeu
pré-moderno dispunha de uma autarquia econômica relativamente cerrada; e os
laços entre o gueto e a vida externa eram na realidade bem mais fortes do que
se julgou há trinta anos, mas, ainda assim, via de regra, os judeus viviam de e
para os judeus. Em quarto lugar, do ponto de vista político, os judeus não
participavam em geral da vida política dos países em que moravam, a não ser de
forma passiva, e padeciam amiúde os seus efeitos. Seus stadlanim, ou
porta-vozes, apresentavam seus casos, porém não existia um partido judeu nem
partidos políticos compostos por judeus. A política, de qualquer natureza,
estava voltada para o porvir da velha-jovem nação, para a esperança messiânica.
E por fim, sob o ângulo cultural, esse judeu pré-moderno, embora conhecesse
vários idiomas e apreciasse às vezes a literatura e as artes estrangeiras,
tinha como base de sua formação o elemento judeu e hebraico. Tais eram os
fatores que determinavam seu caráter intelectual e seu aspecto, posto que o
centro de sua vida espiritual era judaico. Pode suportar assim tudo o que
suportou.
Se indagarmos, mesmo ao mais
tradicionalista entre nós, até que ponto nos parecemos com esse retrato do
judeu pré-moderno, creio que a maioria dentre nós admitirá que nos
diferenciamos muito em cada um desses cinco pontos. A própria crença de nossos
crentes não é fundamentalista, em regra geral. Isto é muito sofisticado.
Trata-se de uma luta entre os interrogantes críticos de nosso próprio coração,
que há de sobrepor-se ás dúvidas e esforçar-se empós da honestidade
intelectual. No que se refere à nossa forma de vida, a maioria dos judeus vive
numa espécie de gueto auto-imposto; e é o que nos apraz. O gueto foi uma forma
voluntária de estabelecimento, à qual se seguiu a lei canônica que a tornou
coercitiva. Ainda hoje nos fixamos em torno da sinagoga e dispomos de bairros
judeus, mas as ruas judias já não são homogêneas e o fato mesmo de os judeus
modernos viverem juntos salienta ainda mais as diferenças nas formas de vida,
com respeito às leis, aos mandamentos e aos costumes. Uma criança judia, por
exemplo, vê que muitos judeus não guardam o sábado nem os preceitos dietéticos,
assim como seus pais o fazem. Educar-se-á pois num ambiente parcial mas não
homogeneamente judeu, o que constitui sem dúvida uma das maiores dificuldades
da educação tradicional na atualidade. Economicamente, não podemos nem
desejamos viver de nós e para nós, nem mesmo em Israel e muito menos na
Diáspora. Mesmo em Israel sentimos cada mudança na estabilidade econômica
mundial; existe maior interdependência do que independência. E politicamente já
nos decidimos. Todos nós tomamos parte na política, quando não particularmente,
como povo, tanto em Israel como fora. O Sionismo é talvez algo mais do que a
reconstrução de nosso velho país e a de um novo Estado. O perigo reside na
produtiva resolução de retornar à história geral, de reunir-se aos poderes das
histórias nacionais. Como todos sabemos, estamos muito distantes do isolamento
político sob o qual o judeu pré-moderno e medieval podia esconder-se entre
um progrom e outro. Já não contamos esconderijo político,
encontramo-nos no campo aberto dos acontecimentos políticos. Vivemos, do ponto
de vista cultural, assim como o expressou o Professor Kaplan, em duas
civilizações, a judaica e a geral, e na maioria de nós, mesmo em Israel, as
forças formativas já não são apenas judaicas. Mesmo quando falamos e estudamos
hebraico, as ciências gerais e as humanidades, a história, a poesia e as artes
são frequentemente muito mais poderosas que as forças que brotam e fluem do que
é nosso.
Este é o retrato do judeu moderno. Mesmo
como crente sua crença não é simples. Não habita em um meio homogêneo. Está
sujeito a interdependências, quer comerciais, quer políticas, e culturalmente,
pode afastar-se, como aconteceu repetidamente, das forças pioneiras de seu ser.
Eis a resposta à nossa primeira interrogação.