quarta-feira, 6 de julho de 2016

223ª Nota - Sobre a Justiça Social



Na Encíclica “Rerum Novarum” não se encontram unidos os vocábulos justiça e social, mas várias vezes Pio XI assim os escreve, conferindo definitivamente foros de cidade à expressão Justiça Social, cara desde muito tempo aos católicos sociais. Aliás, se a expressão é relativamente recente não o é evidentemente aquilo que ela designa. Justiça Social, com efeito, é apenas uma denominação mais adaptada ao pensamento moderno, do que a empregada por Santo Tomás de Aquino: justiça geral ou legal.

À primeira vista, talvez cause estranheza consagrarmos um capítulo inteiro à análise da noção de justiça social. Quem, porém, o ler até o fim, há de verificar o lugar imenso que ela ocupa no conjunto da doutrina social católica.

Os teólogos da escola tomista dividem a justiça em: justiça particular e justiça geral ou legal. A justiça particular compreende a comutativa e a distributiva. A justiça comutativa rege as relações contratuais entre os indivíduos; a distributiva preside às relações entre os detentores da autoridade e os seus subordinados. Como o próprio nome indica, a palavra comutativa vem do latim “commutare”, trocar. A justiça comutativa tem por objeto os direitos individuais estritamente determinados pelas transações e pelos contratos. Dá a quem é lesado o direito de, perante os tribunais, reivindicar o que lhe é devido. A justiça distributiva concede aos membros da sociedade o direito de serem tratados consoante as respectivas aptidões e necessidades, pelos detentores da autoridade; e obriga estes a distribuírem os cargos e bens proporcionalmente às faculdades e aos méritos de cada um.

A justiça geral é uma virtude de alguma sorte sobreposta aos atos de todas as outras virtudes, porque visa a fazer todas as nossas ações convergirem para o bem comum da sociedade de que somos membros. Denomina-se também legal, enquanto se exerce dentro do quadro das leis cujo objeto essencial é o bem comum. É praticada pelos cidadãos dispostos a servirem este bem e por ele regularem a sua vida moral.

Impõe-se especialmente àqueles que fazem, executam ou interpretam as leis, visto que estas, por definição e essencialmente, são prescrições para o bem comum.

A justiça geral ou legal tem, pois, por objeto próprio o bem comum, isto é, o interesse geral, diferente do interesse particular ou dos indivíduos. É a que ora se chama, de preferência, justiça social.

“Semelhante ao sol que, embora permaneça uma realidade distinta dos outros seres, representa a respeito deles o papel de causa universal envolvendo-os com a sua luz e transformando-os pelo seu calor, a justiça social tem por função promover em prol do bem comum os atos de todas as outras virtudes; mas isto não impede de ser uma virtude especial porque tem objeto próprio, diferente do objeto particular daquelas: o bem comum. Assim como, diz Santo Tomás, a caridade pode ser chamada virtude geral porque subordina ao Bem divino os atos de todas as virtudes, também o pode a justiça social que subordina os mesmos atos ao bem comum” (II. II. Q. 58, art. 6).

A obrigação de orientarmos toda a nossa atividade no sentido do bem comum, decorre, pois, do fato de sermos, conforme nos fez a Providência, não só racionais, senão também sociais.

No começo do seu tratado sobre o governo dos Príncipes, Santo Tomás lembra que o homem é obrigado a viver em sociedade por causa da sua extrema grandeza e da sua extrema miséria. O poder da sua inteligência e a habilidade das suas mãos fornecem-lhe o meio de realizar maravilhas; mas os recursos de ordem técnica e de ordem intelectual nele existem só no estado de gérmens. Várias vezes foi dito que, quanto ao físico, os homens nascem mais desprovidos do que os animais. Ora, “para que façam os seus recursos saírem do estado de gérmens e desabrocharem em realidade, os homens têm necessidade absoluta de auxílio recíproco”.

Este auxílio recíproco pressupõe esforços conjugados e convergentes que não podem ser tais sem receberem impulso dum poder tendo o direito de ditar ordens a indivíduos obrigados a cumpri-las.

(G. C. RUTTEN, O.P., A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA, Segundo as Encíclicas “Rerum Novarum” e “Quadragesimo Anno”,  1947.)