Foi na Idade Média que a Arte cumpriu
mais plenamente sua função de transfigurar o mundo para dar ao homem o desejo
do céu com o amor do verdadeiro bem. Os estilos românico e gótico marcam o
ápice da arte ocidental. Embora não se tivesse ainda o conhecimento de todas as
leis da beleza - por exemplo, não se conhecia ainda a perspectiva - a arte
medieval, dentro de seus limites, buscou, mais que nenhuma outra, o bem, a
verdade, a beleza, reflexos de Deus no mundo. E por mais que a Idade média seja
denegrida nos manuais escolares, nos slogans da imprensa, como a Idade das
Trevas, é a sua luz que atrai continuamente torrentes de turistas que,
embasbacados, contemplam o resplendor de seus vitrais, a poesia de seus
castelos, a majestade de suas catedrais. O mundo continua a ter saudades da tão
caluniada Idade Média, a "doce primavera da fé".
Em toda a história da arte, não se
pode encontrar uma arte mais católica, mais religiosamente elevada, do que a
arte medieval.
O estilo gótico representa o apogeu
da arte. Até no século XX - século do feio e do monstruoso - apesar da
propaganda a favor da Arte Moderna e apesar das calúnias contra a "Idade
das Trevas", multidões vão à Europa extasiar-se diante da fachada de Notre
Dame de Paris, admirar as torres que obrigam a olhar para o alto de Chartres,
deslumbrar-se com a luz cantando nos vitrais das rosáceas.
Por que o gótico traz tal satisfação
à alma humana?
1. Religiosidade do gótico
Em primeiro lugar porque nenhum
estilo é tão religioso quanto ele. Gótico e religião são termos inseparáveis. É
da essência desse estilo falar de Deus e do céu. Mesmo nos edifícios e obras
profanas, o gótico põe algo de religioso que lembra Deus.
Se no âmago da beleza está o bonum,
em nenhum outro estilo o bonum aparece em tão alto grau nem tão claramente.
Toda beleza é uma teofania, mas a catedral gótica é a expressão artística da
Teologia católica por excelência. Foi bem definido o gótico por Erwin Pafnosky,
quando ele disse que o estilo gótico é "a filosofia escolástica na
pedra".
2. Elevação moral
O estilo gótico, como nenhum outro,
respeitou as leis da moral e procurou incentivar os homens à virtude.
No gótico, encontra-se por toda parte
pudor, recato, pureza. Não se estadeia o nu, não se salientam as formas
físicas. As roupagens são descentes, os gestos e atitudes são recatados. As
linhas arquitetônicas são puras. A catedral é casta.
O gótico, além disso, é temperante, e
mesmo, por vezes, austero. Nele não há excessos - não falamos, evidentemente,
do flamejante, que foi a decadência do gótico e o começo do fim da verdadeira
arte católica - nele não há exageros. Tudo é equilibrado. Nas abadias há
austeridade; nos pátios dos castelos, alegria moderada. Em todas as obras -
religiosas ou civis - nas catedrais, nas abadias, nos castelos e nas casas, há
seriedade.
O gótico incentiva ao bem e à verdade
porque tudo nele incentiva à luta. Nele há mais do que simples força, há
combatividade. Torres, fossos, ameias, barbacãs, muralhas, tudo no castelo fala
da existência do mal que é preciso combater. Na catedral, as esculturas lembram
continuamente o juízo, o inferno e o demônio tentador. Diabos arrastam para o
abismo infernal os reis e até os príncipes da Igreja, e mesmo os Papas, para
lembrar que todos, se não combaterem, perder-se-ão. Os torreões dos castelos
falam de guerra, e as torres das catedrais lembram que a Igreja é militante. E
a prudência no gótico espreita pelas seteiras e vigia pelos caminhos de ronda.
Todas as demais virtudes podem ser
encontradas simbolicamente no gótico: a justiça, a caridade, a esperança e
principalmente a fé, porque tudo no gótico fala de Deus e conduz a Ele.
3. Lógica
Já foi dito que o gótico é uma
escolástica de pedra. Assim como no silogismo escolástico nada pode ser tirado
e nada pode ser acrescentado, assim também, no silogismo arquitetônico gótico,
tudo é necessário e nada é supérfluo. Pilastras, arcos-botantes, colunas e
ogivas se interligam, uns elementos sustentando os outros para, no alto,
exaltarem a cruz.
A fachada ou a planta de uma catedral
podem ser comparadas, quanto à lógica e à clareza, com uma questão escolástica
com todos os seus argumentos, os "sed contra", as soluções e as
respostas aos argumentos. E a catedral é, então, uma "Suma" em pedra,
tal a sua ordenação lógica.
Quanto às regras estéticas, a Idade
Média não teve, desde o início, o conhecimento de todas. Mas, à medida que as
conhecia, procurava escrupulosamente respeitá-las porque eram a vontade de Deus
regulando a arte.
4. O Belo no gótico
Da bondade e da verdade do estilo
gótico é que nascia o seu pulchrum. Belo sereno e cheio de paz, resultante da
harmonia de todos os valores, da temperança com que os bens eram amados, da
força consciente de si mesma na busca da justiça.
"Pureté, sérénité,
majesté...", disse alguém a respeito da fachada de Notre Dame de Paris. Pureza
nas formas materiais, serenidade na alma, majestade no conjunto, tais são
alguns dos valores do gótico que o tornam o mais católico dos estilos de arte
já produzidos, e, por isso mesmo, o que mais fala a Deus.
(Excerto de “As três Revoluções na Arte”, do prof. dr. Orlando Fedeli)