quarta-feira, 5 de outubro de 2016

257ª Nota - Maníacos fatalistas


Consideremos, primeiramente, o caso mais evidente de materialismo. Como uma explicação do mundo, o materialismo tem uma espécie de louca simplicidade, e a sua argumentação é, precisamente, a de um doido. Temos a sensação de que ela abrange tudo e, ao mesmo tempo, deixa todas as coisas de fora. Se observarmos qualquer arguto e sincero materialista, como, por exemplo, o senhor Mc Cabe, teremos exatamente essa sensação ímpar. O seu cosmos pode ser completo em cada rebite ou em cada roda dentada, mas, ainda assim, é um cosmos menor do que o nosso mundo. De qualquer forma, o seu esquema, como o lúcido esquema do louco, parece inconsciente das energias alheias e da grande indiferença da Terra; não se ocupa das coisas reais da Terra, tais como as lutas dos povos, o orgulho das mães, o primeiro amor ou o medo do mar. A Terra é tão grande e o cosmos é tão pequeno. O cosmos é quase o menor buraco onde o homem pode esconder a cabeça. (...)

O Cristianismo admite que o Universo é multiforme e, por vezes misto, exatamente como o homem normal admite a própria complexidade. O homem são sabe, perfeitamente, que há em si qualquer coisa de animal, de demônio, de santo e de cidadão, chegando mesmo a admitir, quando é verdadeiramente são, que há em si alguma coisa de louco. Mas o mundo do materialista é perfeitamente simples e sólido, exatamente como o louco está convencido de que é uma criatura perfeitamente sã. O materialismo julga que a história tem sido, simples e unicamente, uma cadeia de causalidade, como aquele interessante indivíduo, a quem há pouco nos referimos, que estava convencido de que era, simples e unicamente, um verdadeira frango. Os materialistas e os doidos nunca têm dúvidas.

As doutrinas espiritualistas não limitam a mente, como as negativas materialistas. Se acredito na imortalidade, não preciso pensar nela; mas, se não acredito, não devo pensar sobre isso. No primeiro caso, o caminho está aberto e eu posso ir tão longe quanto me apraz; no segundo, o caminho está fechado. O caso, porém, é ainda mais marcante e o paralelo com a loucura é ainda mais estranho. A nossa questão contra a exaustiva e lógica teoria dos lunáticos era que tal teoria, bem ou mal, destruía gradualmente a sua humanidade: agora, a acusação que lançamos contra as principais deduções dos materialistas é que tais deduções, bem ou mal, destroem gradualmente a sua humanidade. Não me refiro apenas à bondade, mas, também, à esperança, à coragem, à poesia, à iniciativa, enfim, a tudo quanto é humano. Quando, por exemplo, o materialismo arrasta os homens para o mais absoluto fatalismo (como geralmente acontece), será absolutamente inútil pretender que ele seja, de qualquer forma, uma força libertadora. É absurdo afirmar que estamos avançando no que diz respeito à liberdade, quando nos servimos do pensamento livre somente para destruir o livre arbítrio. Os deterministas amarram, não libertam. Por essa razão bem podem chamar à sua lei a cadeia de causalidade, pois se trata da pior cadeia que tem agrilhoado a Humanidade. (...) 

Observo que é uma verdadeira fraude afirmar-se que o fatalismo materialista é, de certo modo, favorável ao perdão e à abolição de castigos cruéis ou de castigos de qualquer espécie. Tal afirmação é exatamente o contrário da verdade. É perfeitamente sustentável que a doutrina do determinismo não altera absolutamente em nada as coisas. Aquele que castiga continua a castigar, e o amigo bondoso continua a dar os seus conselhos. Se, porém, o determinismo tiver influências sobre algum deles, é sobre o que dá conselhos. O fato de os pecados serem inevitáveis não evita o castigo; se evita alguma coisa, é precisamente, a persuasão. O determinismo não é incompatível com o tratamento cruel dos criminosos; aquilo com o que ele talvez seja incompatível é com o tratamento generoso dos criminosos, com qualquer apelo que se possa fazer a seus melhores  sentimentos ou com qualquer espécie de estímulo à sua luta moral. O determinista não acredita no apelo à vontade, mas acredita na mudança de ambiente. Ele nunca poderá dizer ao pecador: “vai e não peques mais”, porque o pecador não pode deixar de pecar. Mas pode metê-lo em uma panela de azeite fervendo, porque esse azeite será um novo ambiente. Considerado, portanto, como uma figura, o materialista tem o fantástico contorno da figura de um doido. Ambos ocupam uma posição que é, ao mesmo tempo, irrespondível e insustentável.

(G. K. CHESTERTON, em ORTODOXIA)