Consideremos, primeiramente, o caso mais
evidente de materialismo. Como uma explicação do mundo, o materialismo tem uma
espécie de louca simplicidade, e a sua argumentação é, precisamente, a de um
doido. Temos a sensação de que ela abrange tudo e, ao mesmo tempo, deixa todas
as coisas de fora. Se observarmos qualquer arguto e sincero materialista, como,
por exemplo, o senhor Mc Cabe, teremos exatamente essa sensação ímpar. O seu
cosmos pode ser completo em cada rebite ou em cada roda dentada, mas, ainda
assim, é um cosmos menor do que o nosso mundo. De qualquer forma, o seu
esquema, como o lúcido esquema do louco, parece inconsciente das energias
alheias e da grande indiferença da Terra; não se ocupa das coisas reais da
Terra, tais como as lutas dos povos, o orgulho das mães, o primeiro amor ou o
medo do mar. A Terra é tão grande e o cosmos é tão pequeno. O cosmos é quase o
menor buraco onde o homem pode esconder a cabeça. (...)
O Cristianismo admite que o Universo é multiforme e, por vezes misto, exatamente como o homem normal admite a própria complexidade. O homem são sabe, perfeitamente, que há em si qualquer coisa de animal, de demônio, de santo e de cidadão, chegando mesmo a admitir, quando é verdadeiramente são, que há em si alguma coisa de louco. Mas o mundo do materialista é perfeitamente simples e sólido, exatamente como o louco está convencido de que é uma criatura perfeitamente sã. O materialismo julga que a história tem sido, simples e unicamente, uma cadeia de causalidade, como aquele interessante indivíduo, a quem há pouco nos referimos, que estava convencido de que era, simples e unicamente, um verdadeira frango. Os materialistas e os doidos nunca têm dúvidas.
As doutrinas espiritualistas não limitam
a mente, como as negativas materialistas. Se acredito na imortalidade, não
preciso pensar nela; mas, se não acredito, não devo pensar sobre isso. No
primeiro caso, o caminho está aberto e eu posso ir tão longe quanto me apraz;
no segundo, o caminho está fechado. O caso, porém, é ainda mais marcante e o
paralelo com a loucura é ainda mais estranho. A nossa questão contra a
exaustiva e lógica teoria dos lunáticos era que tal teoria, bem ou mal,
destruía gradualmente a sua humanidade: agora, a acusação que lançamos contra
as principais deduções dos materialistas é que tais deduções, bem ou mal,
destroem gradualmente a sua humanidade. Não me refiro apenas à bondade, mas,
também, à esperança, à coragem, à poesia, à iniciativa, enfim, a tudo quanto é
humano. Quando, por exemplo, o materialismo arrasta os homens para o mais
absoluto fatalismo (como geralmente acontece), será absolutamente inútil
pretender que ele seja, de qualquer forma, uma força libertadora. É absurdo
afirmar que estamos avançando no que diz respeito à liberdade, quando nos
servimos do pensamento livre somente para destruir o livre arbítrio. Os
deterministas amarram, não libertam. Por essa razão bem podem chamar à sua lei
a cadeia de causalidade, pois se trata da pior cadeia que tem agrilhoado a
Humanidade. (...)
Observo que é uma verdadeira fraude
afirmar-se que o fatalismo materialista é, de certo modo, favorável ao perdão e
à abolição de castigos cruéis ou de castigos de qualquer espécie. Tal afirmação
é exatamente o contrário da verdade. É perfeitamente sustentável que a doutrina
do determinismo não altera absolutamente em nada as coisas. Aquele que castiga
continua a castigar, e o amigo bondoso continua a dar os seus conselhos. Se,
porém, o determinismo tiver influências sobre algum deles, é sobre o que dá
conselhos. O fato de os pecados serem inevitáveis não evita o castigo; se evita
alguma coisa, é precisamente, a persuasão. O determinismo não é incompatível
com o tratamento cruel dos criminosos; aquilo com o que ele talvez seja
incompatível é com o tratamento generoso dos criminosos, com qualquer apelo que
se possa fazer a seus melhores sentimentos ou com qualquer espécie de
estímulo à sua luta moral. O determinista não acredita no apelo à vontade, mas acredita
na mudança de ambiente. Ele nunca poderá dizer ao pecador: “vai e não peques
mais”, porque o pecador não pode deixar de pecar. Mas pode metê-lo em uma
panela de azeite fervendo, porque esse azeite será um novo ambiente.
Considerado, portanto, como uma figura, o materialista tem o fantástico
contorno da figura de um doido. Ambos ocupam uma posição que é, ao mesmo tempo,
irrespondível e insustentável.
(G.
K. CHESTERTON, em ORTODOXIA)