terça-feira, 11 de outubro de 2016

259ª Nota - A Igreja Católica no Brasil


A MENTALIDADE IDEOLÓGICA CATÓLICA EM BUSCA DE IDENTIDADE NO BRASIL

A Cristandade como mentalidade ideológica

A separação da Igreja com o Estado veio possibilitar um viver próprio, independente do poder civil:

“A separação da Igreja e do Estado esperamos que não há de produzir entre nós todos os seus funestos efeitos. A Igreja tem uma vitalidade, capaz de resistir às maiores provações. Ela não precisa para existir do apoio dos príncipes. Tem um viver próprio, todo seu, independente do poder civil. (...)

“O Estado tem por alvo um fim meramente natural, que se realiza e completa aqui na terra, e ele atinge tal fim quando, provendo a ordem, a paz, a prosperidade pública, consegue encaminhar os seus súditos à posse da felicidade temporal.” (...)

“O Papa, em toda a Igreja, sem dependência alguma, e os bispos, sob a dependência do Papa, nas suas respectivas dioceses, exercem esse tríplice poder em ordem ao fim eterno a que deve a Igreja conduzir os seus membros; e cumpre não esquecê-lo, no exercício desse poder, que lhe foi divinamente conferido, ela não deve ao Estado a mínima subordinação. Se a Igreja, notai bem, ainda não cessa de reclamar dos poderes do século o reconhecimento de sua plena autonomia e a sua liberdade de ação no regime das almas, – direitos que lhe não podem ser recusados sem a mais flagrante injustiça, –  ela não cessa ao mesmo tempo de acentuar a distinção dos dois poderes e de proclamar a independência da sociedade civil na órbita de suas atribuições temporais.”(...)

“Mas independência não quer dizer separação. É mister que esta verdade fique bem compreendida. A sociedade religiosa e a sociedade civil, com serem perfeitamente independentes e distintas entre si, têm entretanto um ponto de contato: é a identidade dos súditos que elas devem encaminhar para o fim próprio de cada um. Donde se segue que estas duas sociedades não são, não devem ser antagônicas. Os cidadãos que constituem a sociedade civil são, com efeito, identicamente os mesmo fiéis que fazem parte da sociedade religiosa, por outra, os membros do Estado são ao mesmo tempo os membros da Igreja. Aquele os conduz à felicidade do tempo, esta à da eternidade. Ora, tendo cada uma destas sociedades um poder supremo, um governo, instituições, leis, magistrados, para a consecução de seu fim peculiar, e exercendo cada uma a sua ação dentro da esfera circunscrita pela sua natureza própria, segue-se que os membros de que elas se compõem recebem o impulso de uma dupla virtude operativa, são regidos por um duplo princípio ordenador, em uma palavra, estão sujeitos a uma dupla jurisdição. Cidadãos, devem obediência às leis do Estado; fiéis, devem obediência às leis da Igreja, a que estão sujeitos os mesmos cidadãos; e, vice-versa, querer que a Igreja exerça a sua jurisdição sobre os fiéis sem olhar sequer para o Estado de que são igualmente súditos os mesmos fiéis, é um sistema este, aos olhos do senso comum e da mais vulgar equidade, injusto em si e impossível na prática.” (Carta Pastoral de 1890) (...)

“Com efeito todos os germens de destruição religiosa, que incubavam no seio do Império, se desenvolveram instantaneamente, produziram frutos de morte na formação da nossa República. Proclamou esta logo a liberdade de cultos, nivelando a Igreja Católica, única divina, com as superstições inventadas pelos homens, que só servem para arrastar as almas à perdição eterna. Proclamar tal liberdade de cultos é declarar que Jesus Cristo vale tanto como Mafoma, e o Catolicismo tanto como o Budismo e os inventos de Confúcio. Reparai bem como é tratado o Senhor do mundo no país, que além de lhe pertencer como Soberano Senhor que é de tudo, lhe pertence  pela posse tomada desde o seu nascimento, pelos singulares favores e particular providência, com que o tem sempre protegido!” (Carta Pastoral de 1900) (...)

“Não vemos nas escolas, desde as ínfimas até as superiores, erguerem-se cátedras de pestilência a exalar os seus miasmas deletérios, e enquanto nesses santuários poluídos da ciência os professores do ateísmo pervertem a incauta mocidade sedenta de saber, não vemos outros emissários do mal, não menos criminosos, apoderarem-se da imprensa, e por meio dela corromperem o povo e desnortearem o espírito público?” (Carta Pastoral de 1890) (...)

“Fugiu a confiança da sociedade, extinguiu-se o respeito à autoridade em si, dissolve-se a harmonia nas famílias, multiplicam-se com pavorosa frequência homicídios, roubos, sacrilégios e outros crimes nefandos, de que anteriormente havia apenas notícia; o interesse material, e às vezes sórdido, parece ser o móvel único dos atos públicos e particulares, sem se fazer caso nenhum da justiça, do dever, da consciência, nem de Deus, sintoma manifesto de dissolução social; porque faltando a religião, segue-se a destruição do povo”. (Carta Pastoral de 1900) (...) 

José Carlos Sousa Araújo (Igreja Católica no Brasil – Um estudo de mentalidade ideológica, Edições Paulinas – 1986)