A MENTALIDADE IDEOLÓGICA CATÓLICA EM
BUSCA DE IDENTIDADE NO BRASIL
A Cristandade como mentalidade
ideológica
A separação da Igreja com o Estado veio
possibilitar um viver próprio, independente do poder civil:
“A separação da Igreja e do Estado
esperamos que não há de produzir entre nós todos os seus funestos efeitos. A
Igreja tem uma vitalidade, capaz de resistir às maiores provações. Ela não
precisa para existir do apoio dos príncipes. Tem um viver próprio, todo seu,
independente do poder civil. (...)
“O Estado tem por alvo um fim meramente
natural, que se realiza e completa aqui na terra, e ele atinge tal fim quando,
provendo a ordem, a paz, a prosperidade pública, consegue encaminhar os seus
súditos à posse da felicidade temporal.” (...)
“O Papa, em toda a Igreja, sem
dependência alguma, e os bispos, sob a dependência do Papa, nas suas
respectivas dioceses, exercem esse tríplice poder em ordem ao fim eterno a que
deve a Igreja conduzir os seus membros; e cumpre não esquecê-lo, no exercício
desse poder, que lhe foi divinamente conferido, ela não deve ao Estado a mínima
subordinação. Se a Igreja, notai bem, ainda não cessa de reclamar dos poderes
do século o reconhecimento de sua plena autonomia e a sua liberdade de ação no
regime das almas, – direitos que lhe não podem ser recusados sem a mais
flagrante injustiça, – ela não cessa ao mesmo tempo de acentuar a
distinção dos dois poderes e de proclamar a independência da sociedade civil na
órbita de suas atribuições temporais.”(...)
“Mas independência não quer dizer
separação. É mister que esta verdade fique bem compreendida. A sociedade
religiosa e a sociedade civil, com serem perfeitamente independentes e
distintas entre si, têm entretanto um ponto de contato: é a identidade dos
súditos que elas devem encaminhar para o fim próprio de cada um. Donde se segue
que estas duas sociedades não são, não devem ser antagônicas. Os cidadãos que
constituem a sociedade civil são, com efeito, identicamente os mesmo fiéis que
fazem parte da sociedade religiosa, por outra, os membros do Estado são ao
mesmo tempo os membros da Igreja. Aquele os conduz à felicidade do tempo, esta
à da eternidade. Ora, tendo cada uma destas sociedades um poder supremo, um
governo, instituições, leis, magistrados, para a consecução de seu fim
peculiar, e exercendo cada uma a sua ação dentro da esfera circunscrita pela
sua natureza própria, segue-se que os membros de que elas se compõem recebem o
impulso de uma dupla virtude operativa, são regidos por um duplo princípio
ordenador, em uma palavra, estão sujeitos a uma dupla jurisdição. Cidadãos,
devem obediência às leis do Estado; fiéis, devem obediência às leis da Igreja,
a que estão sujeitos os mesmos cidadãos; e, vice-versa, querer que a Igreja
exerça a sua jurisdição sobre os fiéis sem olhar sequer para o Estado de que
são igualmente súditos os mesmos fiéis, é um sistema este, aos olhos do senso
comum e da mais vulgar equidade, injusto em si e impossível na prática.” (Carta
Pastoral de 1890) (...)
“Com efeito todos os germens de
destruição religiosa, que incubavam no seio do Império, se desenvolveram
instantaneamente, produziram frutos de morte na formação da nossa República.
Proclamou esta logo a liberdade de cultos, nivelando a Igreja Católica, única
divina, com as superstições inventadas pelos homens, que só servem para
arrastar as almas à perdição eterna. Proclamar tal liberdade de cultos é
declarar que Jesus Cristo vale tanto como Mafoma, e o Catolicismo tanto como o
Budismo e os inventos de Confúcio. Reparai bem como é tratado o Senhor do mundo
no país, que além de lhe pertencer como Soberano Senhor que é de tudo, lhe
pertence pela posse tomada desde o seu nascimento, pelos singulares
favores e particular providência, com que o tem sempre protegido!” (Carta
Pastoral de 1900) (...)
“Não vemos nas escolas, desde as ínfimas
até as superiores, erguerem-se cátedras de pestilência a exalar os seus miasmas
deletérios, e enquanto nesses santuários poluídos da ciência os professores do
ateísmo pervertem a incauta mocidade sedenta de saber, não vemos outros
emissários do mal, não menos criminosos, apoderarem-se da imprensa, e por meio
dela corromperem o povo e desnortearem o espírito público?” (Carta Pastoral de
1890) (...)
“Fugiu a confiança da sociedade,
extinguiu-se o respeito à autoridade em si, dissolve-se a harmonia nas
famílias, multiplicam-se com pavorosa frequência homicídios, roubos,
sacrilégios e outros crimes nefandos, de que anteriormente havia apenas
notícia; o interesse material, e às vezes sórdido, parece ser o móvel único dos
atos públicos e particulares, sem se fazer caso nenhum da justiça, do dever, da
consciência, nem de Deus, sintoma manifesto de dissolução social; porque
faltando a religião, segue-se a destruição do povo”. (Carta Pastoral de 1900)
(...)
José
Carlos Sousa Araújo (Igreja Católica no Brasil – Um estudo de mentalidade
ideológica, Edições Paulinas – 1986)