A VERDADEIRA IMPORTÂNCIA DO LATIM
É de todo falso pensar que a primeira
finalidade do estudo do latim está no benefício que traz ao aprendizado do
português. (...)
Chegados ao Brasil, três eminentes
matemáticos de renome internacional, Gleb Wataghin, professor de mecânica
racional e de mecânica celeste, Giacomo Albanese, professor de geometria, e
Luigi Fantapié, professor de análise matemática, que vieram contratados para
lecionar na recém-fundada Faculdade de Filosofia de São Paulo – o professor Wataghin
é considerado, no mundo inteiro, um dos maiores pesquisadores de raios cósmicos
– cuidaram, logo após os primeiros meses de aula, de enviar um ofício ao então
ministro da educação, que na época cogitava de reformar o ensino secundário.
Vejamos o que, mais de esperança que de desânimo, continha esse ofício, do qual
tive conhecimento antes do seu endereçamento, dada a solicitação dos três
grandes professores de uma revisão minha do seu português: “Chegados ao Brasil,
ficamos admirados com o cabedal de fórmulas decoradas de matemática com que os
estudantes brasileiros deixam o curso secundário, fórmulas que na Itália – os
três professores eram catedráticos de diferentes faculdades italianas – são
ensinadas somente no segundo ano de faculdade; ficamos, porém, chocados com a
pobreza de raciocínio, com a falta de ilação dos estudantes brasileiros;
pedimos a vossa excelência que na reforma que se projeta se dê menos matemática
e MAIS LATIM no curso secundário, para que possamos ensinar matemática no curso
superior”. (...)
Não encontra o pobre estudante
brasileiro quem lhe prove ser o latim, dentre todas as disciplinas, A QUE MAIS
FAVORECE o desenvolvimento da inteligência. Talvez nem mesmo compreenda o
significado de “desenvolver a inteligência”, tal a rudeza de sua mente,
preocupada com outras coisas que não estudos.
O hábito da análise, o espírito de
observação, a educação do raciocínio dificilmente podemos, pobres professores,
conseguir de um estudante preocupado tão só com médias, com férias, com bolas,
com revistas.
Muita gente há, alheia a assuntos de
educação, que se admira com ver o latim pleiteado no curso secundário, mal
sabendo que ensinar não é ditar e educar não é ensinar. É ensinar dar
independência de pensamento ao aluno, fazendo com que de per si progrida: o professor é guia. É educar incutir no estudante
o espírito de análise, de observação, de raciocínio, capacitando-o a ir além da
simples letra do texto, do simples conteúdo de um livro, incentivando-o,
animando-o. No fazer do estudante de hoje o cidadão de amanhã está o trabalho
educacional do professor.
Quando o aluno compreender quanta
atenção exige o latim, quanto lhe prendem o intelecto e lhe deleitam o espírito
as várias formas flexionais latinas, a diversidade de ordem dos termos, a variedade
de construções de um período, terá de sobejo visto a excelente cooperação, a
real e insubstituível utilidade do latim na formação do seu espírito e a razão
de ser o latim obrigatório nos países civilizados.
Ser culto não é conhecer idiomas
diversos. Não é o conhecimento do inglês nem do francês que vem comprovar
cultura no indivíduo. Tanto o marinheiro, tanto mascate, tanto cigano há a quem
meia dúzia de idiomas são familiares sem que, no entanto, possuam cultura.
Não é para ser falado que o latim deve
ser estudado. Para aguçar o intelecto, para tornar-se mais observador, para
aperfeiçoar-se no poder de concentração de espírito, para obrigar-se à atenção,
para desenvolver o espírito de análise, para acostumar-se à calma e à
ponderação, qualidades imprescindíveis ao homem de ciência, é que o aluno
estuda esse idioma. (...)
Raciocinar é, partindo de ideias
conhecidas, diferentes, chegar a uma terceira, desconhecida, e é o latim,
quando estudado com método, calma e ponderação, o maior fator para aguçar o
poder de raciocínio do estudante, tornando-lhe mais claras e mais firmes as
conclusões. (...)
A questão não é o que os meninos vão
fazer do latim, MAS O QUE O LATIM VAI FAZER DOS MENINOS.
“Para nós – são palavras do eminente
educador, padre Augusto Magne – o que interessa no latim é sua literatura, SUA
VIRTUDE FORMADORA DO ESPÍRITO.”
(Excerto do Prefácio do Prof. Napoleão
Mendes de Almeida, in GRAMÁTICA
LATINA, 24ª Edição, 1992)