sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

111ª Nota - A arte de punir as crianças


A simples repreensão às vezes não basta. É preciso sancionar uma desobediência caracterizada, uma mentira lúcida, um furto desavergonhado.(...)

Não há nada mais falso e mais cruel para a própria criança do que essa errônea sensibilidade que consiste em inclinar-se diante dos caprichos e faltas, sob pretexto de que se trata apenas de uma criança. É claro que não se cogita de brutalizá-la; mas, erigir em princípio ser preciso “não impor às crianças qualquer sofrimento, mesmo leve”, é um absurdo que levará a criança a se tornar o nosso próprio tirano.

A criança é uma anarquia de tendências. Não é de espantar que subitamente surja uma tendência perversa. Desconfiemos das perfeições prematuras. É papel do educador intervir por vezes energicamente para associar no espírito e mesmo na carne da criança a ideia de uma dor física à transgressão de uma interdição.

A punição, para ser educativa, isto é, para formar a consciência, deve sempre ser dosada, ou melhor, adaptada à idade da criança, ao seu caráter, ao seu temperamento, bem como às circunstâncias da falta. O mau jeito é uma coisa, a maldade, outra. Uma coisa é uma irreflexão, outra uma falta de respeito.

Um bom corretivo pode produzir uma cura radical e definitiva nos casos em que as advertências e as punições leves repetidas só fazem enervar sem proveito.

É um erro castigar uma criança por um malfeito do qual não havia adivinhado o caráter repreensível. Antes de punir, convém verificar se a criança sabia da proibição. (...)

“Quem bem ama bem castiga”, diz o provérbio. No mesmo sentido, todo castigo, para ser legítimo, deve proceder do amor: de um amor forte do que o amor sensível. Não é preciso pisar o coração de carne para punir um ser frágil e ternamente amado? Mas é por vezes o melhor testemunho de afeto profundo que lhe podemos dar. A criança, aliás, não se engana. Distingue com segurança as punições merecidas das que não o são. Jamais uma sanção justa, aplicada com calma, e mesmo firmemente, pode diminuir o respeito ou a afeição para com os pais. (...)

Que fazer quando a uma sanção a criança responde: “Não me importo”?

1. Não responder ao pé da letra: “Também eu”, ou então: “Tanto melhor se não te importas!”

2. Não ameaçar com uma sanção mais forte: “Uma vez que não te importas, está provado que não te bati o suficiente...”

3. Dizer simplesmente: “Meu fim não é o de te ser desagradável, mas o de te dar ocasião de refletir, de te acalmar ou de te impedir que incomodes os outros.”

Na maioria das vezes, a doçura após a correção fará com que a criança compreenda o fim verdadeiro de vossa repreensão.

Refleti antes de proferir uma ameaça. Se ameaçásseis com frequência sem executardes vossas ameaças, estas se tornarão para a criança uma brincadeira sem importância ou um autêntico jogo. (...)

Evitai as punições humilhantes, absurdas ou antieducativas. Humilhantes como as “orelhas de burro”; absurdas como a de privar a criança de ir à missa ou à reunião de escoteiros; antieducativas como a de obrigá-la a copiar vinte vezes: “Desobedeci a mamãe” (a menos que lhe façamos copiar uma frase positiva: “Quero obedecer cada vez mais!”). (...)
Nunca se deve aplicar o castigo de uma maneira implacável e sem remissão. É preciso deixar à criança a possibilidade de reparar a falta pela confissão e pelo esforço. A sanção irrevogável desestimula a vontade de reparação. (...)

É sempre preciso não voltar atrás de uma sanção justa. Suspender levianamente uma punição merecida é dar antes prova de fraqueza do que de perspicácia. Lembremo-nos de que a vontade da criança precisa apoiar-se numa autoridade tão lógica quanto firme.

Quando vosso filho age mal, deveis cair sobre ele como uma águia sobre a presa. Ele se curvará à saraivada e fugirá. E nesse caso, não imiteis aquela pobre mulher nervosa, que perseguia o filho gritando. “Marcelo, Marcelo, vem cá para que eu te dê um tapa!” (...)

É preciso não punir tudo. Há pecadilhos que devemos às vezes fingir que não vemos, sobretudo se não têm consequências morais ou sociais. Mas, quando se proíbe uma coisa, que seja para todos os dias, enquanto não mudarem as circunstâncias.