E, em primeiro lugar, nada há aí,
parece, entre todas as coisas do mundo, que se haja dignamente de preferir à
amizade. É ela, sem dúvida, que concilia a união dos virtuosos e lhes conserva
e aperfeiçoa a virtude. Dela é que todos hão mister no trato de todos os
negócios, e que se não intromete importunamente na prosperidade, nem deserta na
adversidade. Ela quem traz os maiores gozos, tanto assim que se convertem em
tédio, sem os amigos, todas as coisas deleitosas. O amor faz leves e quase
nulas as asperezas todas; nem há crueldade tamanha de tirano algum que o leve a
não se agradar da amizade. Verdadeiramente: querendo outrora Dionísio, tirano
de Siracusa, matar um de dois amigos, chamado Damão e Pítias, o que ia ser
morto pediu licença, a fim de ir para casa pôr em ordem os seus negócios; e o
outro entregou-se ao tirano, como penhor da volta do amigo. Eis que se aproxima
o dia prometido, e este não torna. Toda gente
acusava de estupidez o fiador. Ele, todavia, proclamava nada temer da constância
do amigo. E, justamente na hora em que houvera de ser morto, regressou o
condenado. Maravilhado logo da têmpera de ambos, perdoou o tirano o suplício,
por causa daquela fiel amicícia, rogando, além disso, que a ele recebessem como
terceiro no grau de amizade.
(Santo
Tomás de Aquino, em “Do Governo dos Príncipes, ao Rei de Cipro”)