segunda-feira, 16 de outubro de 2017

329ª Nota - A história secreta do Brasil


“Há duas histórias, a oficial, mentirosa, Ad Usum Delphini, e a secreta, em que estão as verdadeiras causas dos acontecimentos, história vergonhosa.” (Balzac, Les Illusions Perdues – t.III)

No dia 24 de janeiro de 1504, D. Manuel fez doação da ilha de S. João a Fernando de Noronha, a qual foi confirmada por D. João III em 3 de março de 1522. Desta sorte, antes de dividindo o Brasil em capitanias hereditárias muito antes das primeiras concessões de sesmarias, origem dos primitivos latifúndios, a coroa portuguesa alienava uma parte do Brasil, dando-a de mão beijada a um judeu traficante do pau-de-tinta, que era a anilina daquele tempo.
Terminou o prazo de arrendamento da costa brasileira em 1506. Fernando de Noronha agenciou, na corte, sua renovação ou prorrogação, obtendo-a por dez anos, em troca do pagamento anual de quatro mil ducados, o que deixa ver que os lucros auferidos no comércio da madeira de tinturaria, único no amanhecer da vida brasileira, não tinham sido de desprezar. Além da prorrogação, os judeus obtinham o monopólio do negócio, pois que o rei se obrigava a não permitir mais o "trato do pau-brasil com a Índia". Era, com efeito, do Oriente que vinha o pau-de-tinta, berzi, ou verzino, segundo Muratori e Marco Polo. O descobrimento do nosso País, em verdade, graças às informações levadas pelo astuto judeu que Vasco da Gama açoitara e conduzira à pia batismal, tivera como resultado a formação, para empregar a linguagem moderna de um TRUSTE DAS ANILINAS. Naturalmente, que era o monopólio do comércio da madeira tintória, desde que o sapang de Java é Ceilão fora corrido dos mercados europeus, senão isso? tanto assim que os navios do consórcio Fernando de Noronha carregavam por ano de nossas matas litorâneas a bagatela de "vinte mil quintais da preciosa madeira"! O primeiro carregamento foi levado logo em 1503, dois anos após o descobrimento. A famosa nau "bretôa", que em 1511 veio ao Brasil carregar o pau, batendo a costa até o Cabo Frio, foi armada e despachada por Fernando de Noronha e seus amigos.
Neste primeiro capítulo da nossa história, encarada por um método novo e verdadeiro, se vêem o palco e os bastidores. No palco: a armada de Cabral com as velas pendentes em que o sol empurpurava as cruzes heráldicas; a cruz erguida na praia, diante da qual um frade diz a primeira missa; um padrão cravado no solo virgem da terra descoberta em forma de cruz, a cruz nos punhos das espadas linheiras que retiniam de encontro aos coxotes de aço fosco; a cruz nas bandeiras alçadas, os nomes de Vera Cruz e Santa Cruz impostos a toda a nova região americana: o idealismo cristão, o heroísmo cristão, o sentido cristão da vida, a propagação da Fé e a dilatação do Império que a gesta dos Lusíadas cantaria com o ritmo do rolar das ondas.
Nos bastidores, manobrando os cenários e arranjando as vestiduras, o judeuzinho de Goa, o cristão-novo Fernando de Noronha, os Cristãos-novos e israelitas do seu consórcio comercial, inspirados pela sinagoga e pelo kahal, realizando o lucro à sombra do idealismo alheio; ganhando o ouro à custa do esforço e do sangue dos outros, apagando o nome da Cruz com o nome do pau-brasil, o que indignou a João de Barros*; usando a epopeia da navegação e o poema do descobrimento para a fundação trivial de um monopólio de anilinas...
(*) "Décadas"... como que importava mais o nome de um pau que tinge panos que daquele pau que deu tintura a todos os sacramentos por que somos salvos...

(Excerto de A História Secreta do Brasil, de Gustavo Barroso, Vol. 1)