“Há
duas histórias, a oficial, mentirosa, Ad Usum Delphini, e a
secreta, em que estão as verdadeiras causas dos acontecimentos, história
vergonhosa.” (Balzac, Les Illusions Perdues – t.III)
No
dia 24 de janeiro de 1504, D. Manuel fez doação da ilha de S. João a Fernando
de Noronha, a qual foi confirmada por D. João III em 3 de março de 1522. Desta
sorte, antes de dividindo o Brasil em capitanias hereditárias muito antes das
primeiras concessões de sesmarias, origem dos primitivos latifúndios, a coroa
portuguesa alienava uma parte do Brasil, dando-a de mão beijada a um judeu
traficante do pau-de-tinta, que era a anilina daquele tempo.
Terminou
o prazo de arrendamento da costa brasileira em 1506. Fernando de Noronha
agenciou, na corte, sua renovação ou prorrogação, obtendo-a por dez anos, em
troca do pagamento anual de quatro mil ducados, o que deixa ver que os lucros
auferidos no comércio da madeira de tinturaria, único no amanhecer da vida
brasileira, não tinham sido de desprezar. Além da prorrogação, os judeus
obtinham o monopólio do negócio, pois que o rei se obrigava a não permitir mais
o "trato do pau-brasil com a Índia". Era, com efeito, do Oriente que
vinha o pau-de-tinta, berzi, ou verzino, segundo Muratori e Marco Polo. O
descobrimento do nosso País, em verdade, graças às informações levadas pelo
astuto judeu que Vasco da Gama açoitara e conduzira à pia batismal, tivera como
resultado a formação, para empregar a linguagem moderna de um TRUSTE DAS
ANILINAS. Naturalmente, que era o monopólio do comércio da madeira tintória,
desde que o sapang de Java é Ceilão fora corrido dos mercados europeus, senão
isso? tanto assim que os navios do consórcio Fernando de Noronha carregavam por
ano de nossas matas litorâneas a bagatela de "vinte mil quintais da preciosa
madeira"! O primeiro carregamento
foi levado logo em 1503, dois anos após o descobrimento. A famosa nau
"bretôa", que em 1511 veio ao Brasil carregar o pau, batendo a costa
até o Cabo Frio, foi armada e despachada por Fernando de Noronha e seus amigos.
Neste
primeiro capítulo da nossa história, encarada por um método novo e verdadeiro,
se vêem o palco e os bastidores. No palco: a armada de Cabral com as velas
pendentes em que o sol empurpurava as cruzes heráldicas; a cruz erguida na
praia, diante da qual um frade diz a primeira missa; um padrão cravado no solo
virgem da terra descoberta em forma de cruz, a cruz nos punhos das espadas
linheiras que retiniam de encontro aos coxotes de aço fosco; a cruz nas
bandeiras alçadas, os nomes de Vera Cruz e Santa Cruz impostos a toda a nova
região americana: o idealismo cristão, o heroísmo cristão, o sentido cristão da
vida, a propagação da Fé e a dilatação do Império que a gesta dos Lusíadas
cantaria com o ritmo do rolar das ondas.
Nos
bastidores, manobrando os cenários e arranjando as vestiduras, o judeuzinho de
Goa, o cristão-novo Fernando de Noronha, os Cristãos-novos e israelitas do seu
consórcio comercial, inspirados pela sinagoga e pelo kahal, realizando o lucro
à sombra do idealismo alheio; ganhando o ouro à custa do esforço e do sangue
dos outros, apagando o nome da Cruz com o nome do pau-brasil, o que indignou a
João de Barros*; usando a epopeia da navegação e o poema do descobrimento para
a fundação trivial de um monopólio de anilinas...
(*) "Décadas"...
como que importava mais o nome de um pau que tinge panos que daquele pau que
deu tintura a todos os sacramentos por que somos salvos...
(Excerto de A História Secreta do Brasil, de Gustavo
Barroso, Vol. 1)