A vida tem profundo sentido para o homem
que crê. E para o incrédulo? “Non est pax impiis – não há paz para o homem
irreligioso” (Is. 48, 22)
Sem fé em Deus, não há possibilidade de
encontrar sentido na vida humana. Incredulidade, ateísmo são manifestações de
pessimismo existencial. A fé é a vitória do otimismo, porque é a vitória do
amor. (...)
Pessimismo ou otimismo – eis a base
prélógica do ateísmo e respectivamente da religião. Sem dúvida, haverá em
muitos casos uma explicação psicológica. (...)
Mas o argumento psicológico não explica
tudo: o problema atinge profundezas metafísicas. Todo o ser tem tendência de se
afirmar, afirmando com isso o sentido do universo. Todo o ser existente é, no
íntimo, otimista. O pessimismo e a negação de onde vêm? Do fator “limitação”. O
ser criado vive sempre na vizinhança do Nada de onde saiu. Somente Deus,
“Aquele que é” (Êx. 3, 14), o Ser absoluto, a Plenitude do ser, é incapaz de
vacilação, dúvida e negação. Pela criação, Deus chamou o homem a participar
desta qualidade divina: de ser. A criação é para nós um mistério de amor e
generosidade. É um milagre de amor; não tanto em Deus nos fazer, mas em
retirar-se, esconder-se, diminuir-se, por assim dizer, pois nos é inconcebível
como Deus não é tudo, como Seu poder não se estende até todos os limites. Mas o
fato é que a criação não se identifica com Deus. Deus, para criar o universo,
não usou tanto de Seu poder quanto de Sua generosidade, eclipsando-se, não
estendendo o Seu poder até o limite. “A criação é da parte de Deus um ato, não
de expansão, mas antes de retraimento, de renúncia. Deus e todas as criaturas é
menos que Deus só. Deus aceitou essa diminuição. Deixou uma parte do ser vazia
de Si” (Weil, Simone – Espera de Dios, 1954, p. 98). Essa parte vazia de Deus,
vazia do “Ser” – eis o Nada que explica o mal e as imperfeições existentes
neste mundo.
O mal, diz Santo Tomás de Aquino, não é
nada positivo; é ausência, carência do ser. O conceito “criação” implica
necessariamente em “mal” nesse sentido: em imperfeição, em limitação do ser.
Pois, uma criação absolutamente perfeita é um contrassenso. Somente Deus possui
a plenitude do ser, somente Ele é perfeito em sentido absoluto. E Deus não pode
criar outro Deus. O ato da criação foi, pois, antes de manifestação de poder e
grandeza, generosidade, renúncia ao poder. O “mal”, a imperfeição existente
neste mundo é prova clara que Deus, por assim dizer, se retirou: se não o
tivesse feito, não existiria o “mal”, porque não existiria criatura humana.
Nossa existência é certamente um bem:
pois é participação do “Ser”. Mas também um “mal”: porque é forma limitada de “ser”.
A própria palavra “existência”, tão em voga atualmente, revela essa situação.
Deriva-se do latim “ex-sistere”, colocar-se fora. Existência é saída de Deus. Isso
implica o estarmos expostos, desprotegidos, ameaçados, em vizinhança perigosa
com o nada, com o mal. O “mistério da iniquidade” está justamente nisso: como é
que o “Nada”, o mal, exerce tal influência sobre a criatura que ela o prefira à
plenitude de ser a vida encontrada em Deus? Por que é que os homens “amam as
trevas mais do que a luz”? (Jo. 3, 19). A carência mais do que a plenitude? O
mal mais do que o bem? Pois essa preferência do “mal”, da carência do ser, é o
verdadeiro mal, o mal moral: o pecado.
No pecado, concretizou-se o perigo da “ex-sistência”:
caímos, sem segurança nem apoio, num abismo sem chão: no nada. A simples
existência já era saída de Deus; mas o homem permanecia sustentado por Deus,
envolvido pelo calor de Seu amor paternal. Pelo pecado, colocou-se fora, até às
trevas exteriores, realizou até ao máximo o potencial negativo da criatura, o
seu caráter “existencial”. Emancipou-se, escapou da mão de Deus, iludido pela
sugestão diabólica: sereis emancipados, sereis semelhantes a Deus, conhecendo o
bem e o mal. (...)
Pelo orgulho que quer fugir do mal das
limitações, cai o homem no verdadeiro “mal”, no mal moral, no pecado, na
revolta contra Deus e prepara com isso sua própria destruição e morte. (...)
Em Cristo, revelou-se-nos o sentido da
vida humana, o sentido da humanidade e de todo o universo. Pois “tudo foi
criado por Ele e para Ele” (Col. 1, 16). (...)
O grandioso desígnio secreto que Deus
tinha estabelecido consigo mesmo, consiste em “restaurar em Cristo todas as
coisas, quando tivesse chegado a plenitude dos tempos, assim as que há nos
céus, como as que há na terra” (E. 1, 10).
A palavra “restaurar” não traduz
fielmente o sentido do original. A palavra correspondente no grego significa
resumir, no fim de um discurso, os pontos principais; mais exato seria “recapitular”
– colocar tudo debaixo de uma cabeça, sob um denominador comum. “No princípio
era o Verbo”, diz São João (1, 1). (...) No fim dos tempos vai Deus “recapitular”
o Seu discurso: resumindo tudo num só ponto, colocando tudo debaixo de uma
cabeça: Cristo, Verbo encarnado. Somente nEle tem o Pai as Suas complacências.
E somente quem estiver em Cristo e na medida em que estiver incorporado nEle,
agradará ao Pai: “Ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo. 14, 6), “Ninguém
conhece o Pai senão o Filho e a quem o Filho O revelar” (Mt. 11, 27).
A
volta para Deus, isto é, a plena realização da vida humana, somente se consegue
em Cristo e por Cristo. Fora de Cristo não há salvação.
Excerto de O
SENTIDO DA VIDA, de Dom Valfredo Tepe (OFM)