A sociedade ocidental se expandiu
em um triunfo da independência humana e do poder. E, de repente, no século XX,
veio a descoberta de sua fragilidade e friabilidade. Vemos, agora, que as
conquistas provaram ser fugazes e precárias, e, também, pontos de defeitos da
visão ocidental do mundo que levaram a estas conquistas.
É preciso que alguém saliente que,
desde os tempos antigos, o declínio da coragem tem sido considerado o começo do
fim.
Humanismo sem a sua herança cristã não
pode resistir ao materialismo. A situação está se tornando cada vez mais
dramática. O Liberalismo, inevitavelmente, foi deslocado pelo Radicalismo; o
Radicalismo tem que se render ao Socialismo; e o Socialismo acaba não podendo
resistir ao Comunismo.
Cento
e dez milhões de russos morreram vítimas do Socialismo...
O pior
do Comunismo não é a opressão, mas a mentira.
Tal como é, a
imprensa se tornou o maior poder nos países ocidentais; mais poderosa,
inclusive, que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
A defesa
dos direitos individuais chegou a tais extremos que tornou a sociedade como um
todo indefesa diante de certos indivíduos. Chegou a hora, no Ocidente, de
defender menos os direitos humanos e mais as humanas obrigações.
À uma
espécie de liberdade destrutiva e irresponsável foi concedido um espaço
ilimitado. A sociedade parece ter pouca defesa contra o abismo da decadência
humana, como, por exemplo, o mau uso da liberdade para a violência moral contra
os jovens, ou seja, imagens em movimento cheias de pornografia infantil, crime
e horror. É considerado como parte da liberdade e, teoricamente, é
contrabalançado pelo direito de os jovens não olharem ou não aceitarem estas
coisas. A vida organizada legalisticamente, assim, demonstrou a sua
incapacidade de defender a sociedade contra a corrosão do mal.
Na sociedade
ocidental de hoje, revelou-se a desigualdade entre a liberdade para as boas
ações e a liberdade para as más ações. Um estadista que queira realizar algo
importante e altamente construtivo para seu país precisa agir cautelosamente,
até mesmo timidamente; existem milhares de críticos afoitos e irresponsáveis à
sua volta, o parlamento e a imprensa o rechaçam. À medida que avança, ele é
obrigado a provar que cada um de seus passos é consistente e absolutamente
impecável. Deste modo, a mediocridade triunfa sob a desculpa das restrições
impostas pela Democracia.
Apenas a
liberdade em nada ajuda a resolver os problemas da vida humana, e ainda
acrescenta uma série de novos.
Há um desastre
que está em curso há algum tempo. Refiro-me à calamidade de uma consciência
desespiritualizada, irreligiosa e desumanizada... Colocamos muita esperança nas
reformas políticas e sociais, apenas para descobrir que estávamos sendo
privados do nosso bem mais precioso: a nossa vida espiritual. No Oriente,
a vida espiritual é destruída pelas maquinações dos partidos no
poder; no Ocidente, os interesses comerciais tendem a sufocá-la.
Se o corpo do
homem está condenado a morrer, a sua missão na Terra, evidentemente, deve ser
de natureza espiritual. Não se deve gozar desenfreadamente a vida cotidiana. A
vida não deve se basear exclusivamente na busca das melhores formas de se obter
bens materiais e, em seguida, alegremente, tirar o máximo proveito deles. Tem
que ser o cumprimento de um dever permanente e sincero, para que esta vida
possa se tornar uma experiência de crescimento moral, de modo que um ser humano
possa permitir que a vida de outro ser humano se torne melhor do que quando
começou. É imperativo rever o quadro generalizado de valores humanos. Sua
incorreção presente é impressionante.
(Alexander Soljenítsin,
Prêmio Nobel de Literatura, autor de “Arquipélago Gulag”)