Diz-se que o homem é um ser, pelo que há
nele de principal; ora, o que há de principal no homem é o espírito racional,
sendo secundária a natureza sensitiva e corpórea. E desses dois elementos o Apóstolo
chama ao primeiro homem interior, ao segundo, exterior (II Cor., 4). Os bons
consideram como o que tem de principal a natureza racional, ou, o homem
interior; e assim julgando, consideram-se como sendo o que são. Os maus, porém,
julgam ter como elemento principal a natureza sensitiva e corpórea, isto é, o
homem exterior. Por onde, não se conhecendo a si mesmos, a si mesmos não se
amam verdadeiramente, mas se amam pelo que se julgam ser.
Ao contrário, os bons, conhecendo-se
verdadeiramente a si mesmos, verdadeiramente a si mesmos se amam. E isto se
prova por cinco elementos próprios à amizade. 1º. Todo amigo quer que o amigo
exista e viva; 2º. Quer-lhe bens; 3º. Faz-lhe bens; 4º. Tem prazer em conviver
com ele; 5º. Concorda com ele, alegrando-se e entristecendo-se ambos com as
mesmas coisas. E assim sendo, os bons amam-se a si mesmos, no concernente ao
homem interior, por quererem conservá-lo na sua integridade. E lhe desejam os
bens próprios dele, que são os espirituais; e também se esforçam para que os
consiga. E tem prazer em se concentrar no seu espírito porque nele encontram os
bons pensamentos, no presente, a memória dos bens passados e a esperança dos
futuros, que lhes é causa de prazer. Semelhantemente, não padecem dissensão na
vontade, porque toda a sua alma tende para um mesmo fim.
Os maus não querem conservar a
integridade do homem interior; nem lhe desejam os bens espirituais; nem se
esforçam por tal; nem tem prazer em conviver consigo mesmos, concentrando-se no
seu espírito, porque nele encontram males presentes, passados e futuros, que
aborrecem. Nem vivem em concórdia consigo mesmos, por causa da consciência que
os remorde, conforme aquilo da Escritura (XLIX, 21): “Arguir-te-ei e te porei
diante da tua cara”. E pela mesma via pode-se provar que os maus se amam a si
mesmos, no concernente à corrupção do homem exterior. Ora, em tal sentido, os
bons não se amam a si mesmos.
Assim, pois, o amor a si, que é o
princípio do pecado, é próprio dos maus e chega até o desprezo de Deus; porque
os maus amam os bens externos a ponto de desprezarem os espirituais.
(Santo
Tomás de Aquino, S.T. 2ª 2ae, q. XXV, a. 7)