sexta-feira, 30 de setembro de 2016

255ª Nota - O homem mau odeia a si mesmo


Diz-se que o homem é um ser, pelo que há nele de principal; ora, o que há de principal no homem é o espírito racional, sendo secundária a natureza sensitiva e corpórea. E desses dois elementos o Apóstolo chama ao primeiro homem interior, ao segundo, exterior (II Cor., 4). Os bons consideram como o que tem de principal a natureza racional, ou, o homem interior; e assim julgando, consideram-se como sendo o que são. Os maus, porém, julgam ter como elemento principal a natureza sensitiva e corpórea, isto é, o homem exterior. Por onde, não se conhecendo a si mesmos, a si mesmos não se amam verdadeiramente, mas se amam pelo que se julgam ser.
Ao contrário, os bons, conhecendo-se verdadeiramente a si mesmos, verdadeiramente a si mesmos se amam. E isto se prova por cinco elementos próprios à amizade. 1º. Todo amigo quer que o amigo exista e viva; 2º. Quer-lhe bens; 3º. Faz-lhe bens; 4º. Tem prazer em conviver com ele; 5º. Concorda com ele, alegrando-se e entristecendo-se ambos com as mesmas coisas. E assim sendo, os bons amam-se a si mesmos, no concernente ao homem interior, por quererem conservá-lo na sua integridade. E lhe desejam os bens próprios dele, que são os espirituais; e também se esforçam para que os consiga. E tem prazer em se concentrar no seu espírito porque nele encontram os bons pensamentos, no presente, a memória dos bens passados e a esperança dos futuros, que lhes é causa de prazer. Semelhantemente, não padecem dissensão na vontade, porque toda a sua alma tende para um mesmo fim.
Os maus não querem conservar a integridade do homem interior; nem lhe desejam os bens espirituais; nem se esforçam por tal; nem tem prazer em conviver consigo mesmos, concentrando-se no seu espírito, porque nele encontram males presentes, passados e futuros, que aborrecem. Nem vivem em concórdia consigo mesmos, por causa da consciência que os remorde, conforme aquilo da Escritura (XLIX, 21): “Arguir-te-ei e te porei diante da tua cara”. E pela mesma via pode-se provar que os maus se amam a si mesmos, no concernente à corrupção do homem exterior. Ora, em tal sentido, os bons não se amam a si mesmos.
Assim, pois, o amor a si, que é o princípio do pecado, é próprio dos maus e chega até o desprezo de Deus; porque os maus amam os bens externos a ponto de desprezarem os espirituais.

(Santo Tomás de Aquino, S.T. 2ª 2ae, q. XXV, a. 7)