
Vivam
Cristo e Maria!
Prezado
Sedevacantista,
Relendo
o texto, questiono: não seria temerário afirmar-se sedevancatista? Por quê? Porque
a interpretação correta sobre a questão do papado não depende das teorias de
especialistas, por mais doutos e piedosos que sejam. A interpretação correta
sobre a questão do papado depende inteiramente da autoridade de Deus e de Sua
Santa Madre Igreja. Portanto, isto se fará pelo Magistério da Igreja, e não
pela opinião de teólogos, por mais abalizados que sejam os seus argumentos. Ademais,
chega-se a seguinte conclusão: o texto acerta quando reconhece que há uma crise
na Igreja, mas os princípios com os quais considera esses fatos estão
equivocados e, por consequência, erra quando tira conclusões disso. Um primeiro
ponto é que o autor tem uma noção equivocada do Magistério. Todo autor sério
sempre mostrou que a autoridade de um teólogo, ou de muitos teólogos, não se
equipara com a autoridade da própria Igreja quando ensina. As “notas
teológicas” (os graus de autoridade) são muito distintos. O texto é
principalmente de teologia positiva, não se baseando tanto em silogismos
teológicos (premissa de razão + premissa revelada = conclusão teológica), senão
em citações de muitos autores. O autor cita a opinião de muitos autores e, com
isso, conclui que “A única explicação para esses erros e males que preserva as
doutrinas da indefectibilidade e da infalibilidade da Igreja é a de que os
clérigos que os promulgaram perderam de algum modo como indivíduos a
autoridade…”. (Há um erro aqui: não é a “única” explicação, mas gostaria de
chamar atenção a outro fato: a autoridade do Magistério.) O autor equipara a
autoridade de muitas citações de autores importantes à autoridade do
Magistério, e isso é inaceitável. Quando um teólogo fala, é a voz de um teólogo.
Quando a Igreja docente fala, é a voz de Cristo: “Quem vos escuta, a Mim
escuta”. Concordamos que é escandaloso o que os Papas conciliares fazem e
ensinam. Mas a afirmação de que por isso perderam a autoridade é algo que não
temos como solucionar: os teólogos dão sua opinião, mas não há definição do
Magistério que dê certeza sobre o tema. Um católico não é homem de opinião, é
homem da verdade. Não podemos agir positivamente baseados em opiniões:
precisamos pelo menos de certeza moral. Não há nenhuma declaração do Magistério
definindo o assunto, que não é simples. A opinião dos teólogos ajudar a formar
uma opinião em nós, mas a opinião deles não é causa proporcionada de certeza em
nós. A opinião de teólogos, ainda que sejam 1.000, ainda que sejam doutores,
não se equipara à autoridade do Magistério. Isso é fundamental para um
católico, e o autor se equivoca quando equipara ambos (teólogos e Magistério). Basta,
para dar um exemplo, ver a opinião de um teólogo importantíssimo, Santo Tomás:
ele duvidava da Imaculada Conceição. Sua opinião é fundamental, é um doutor da
Igreja. Mas no dia em que o Magistério definiu o dogma da Imaculada Conceição,
a opinião de um grande teólogo não podia mais ser seguida: temos a certeza da
Igreja. Não se compara a autoridade de um teólogo com a autoridade da Igreja. Nesse
ponto, o autor do texto erra grosseiramente, pois ele extrai uma certeza de
onde não há mais que opinião teológica. Nossa certeza vem de Cristo e da sua
Igreja, os quais nunca resolveram terminantemente as questões que pendem sobre
o tema. Em resumo, há um erro sobre a noção de Magistério (o que é o Magistério
e qual sua autoridade) e sobre a autoridade dos teólogos (equiparada à do
Magistério). Outro erro grave, porém mais visível, é sobre a infalibilidade. O
autor afirma que alguns tradicionalistas dizem que os atos do Magistério são
dogmáticos (e, portanto, infalíveis) ou, se não forem dogmáticos, então são
falíveis. Ele diz que isso está errado: em parte ele tem razão, isso é errado
mesmo. Mas ele afirma o extremo oposto: todo ato do Magistério é absolutamente
infalível. De um excesso, passou a outro. E ele exagera de modo notável: se o
Concílio Vaticano I deu condições ao falar da infalibilidade (4 condições),
então, é absurdo querer afirmar categoricamente infalibilidade onde o Concílio
explicitamente não afirmou, ou seja, infalibilidade absoluta em tudo (decretos
disciplinares e leis). Os membros que trabalharam no Concílio Vaticano I, ao
explicarem sobre a infalibilidade, afirmam algo mais preciso: o grau de
infalibilidade está de acordo com a autoridade empregada. Se o Papa afirma com
sua autoridade querendo impor, não pode se equivocar. Se ele afirma com certa
autoridade sem cumprir com aquelas condições, realmente há certa infalibilidade
e assistência do Espírito Santo para que não possa errar quanto ao essencial,
ainda que possa haver imprecisões quanto aos detalhes.
Saudações
marianas.
A. jmjtj+
Caro Antissedevacantista, Salve
Maria!
Sem querer desculpar minha extensa
demora, vejo agora por este seu segundo comentário que o Bom Deus, em Sua
infinita misericórdia, tirou um grande bem do mal de minha negligência em
responder logo a tamanha insensatez, de modo que esse silêncio talvez
culpavelmente prolongado acabe se mostrando, quem sabe, até mesmo providencial,
pois foi ocasião de você expor tão explicitamente e pormenorizadamente a falta
de doutrina e de espírito católico que você carrega por influência, sobretudo,
da fraternidade ...
Serei bem direto: a
infalibilidade das leis eclesiásticas universais não é “opinião” de
teólogos. Nenhum católico é livre de negar essa
infalibilidade, nem sequer de pô-la em dúvida. A negação dessa infalibilidade
é matéria de pecado mortal. (vide o Manual do Pe.
Cartechini para uso do Santo Ofício sob o Papa Pio XII.)
Sendo assim, professar o
sedevacantismo como fazemos aqui, longe de ser “temeridade”, é uma conclusão
sobre a qual se pode ter certeza, tanto mais que, sem ela, o
tradicionalismo sedeplenista como o seu se constitui em escândalo ininterrupto
e, objetivamente, equivale a esbofetear nossa Santa Mãe Igreja com a contínua
acusação de que Ela seria (Deus os perdoe pela terrível blasfêmia!) adúltera.
E me limito aqui a apontar a ofensa à
castidade da doutrina, sem entrar na questão das múltiplas usurpações da
Autoridade do Vigário de Cristo e de Seu Corpo Místico.
Deixo-lhe agora quatro citações do
Magistério que condenam as posições que você acaba de expor, mas que não são
suas e, sim, do ambiente doutrinariamente corrompido e de espírito
protestantizante que você frequenta. Que a Santíssima Virgem, Mãe do Bom
Conselho, possa se utilizar destas quatro verdades para tirar-lhe, de uma vez,
as escamas dos olhos:
(1) Infalível
não é somente o que é definido solenemente pelos Concílios ou pelos Papas
falando ex cathedra; igualmente infalível é tudo aquilo que é
ensinado (como contido ou conexo com a Revelação) pelo magistério ordinário da
Igreja docente, composta pelo Papa e pelos bispos a ele unidos:
Concílio do Vaticano, Dei
Filius, 1870, Denzinger 1792:
“Deve-se crer com fé divina e católica tudo o que está contido na Palavra de
Deus escrita ou transmitida e que a Igreja propõe a crer, por
um juízo solene ou por seu magistério ordinário e universal,
como divinamente revelado.”
(2) O
que os teólogos concordam em ensinar que é de fé, ainda que nunca tenha sido
definido, é infalível (e não “opinião”):
Papa Pio IX, Tuas Libenter,
1863, Denzinger 1683:
“Pois, ainda que se tratasse daquela submissão que se deve prestar mediante
ato de fé divina, não haveria, porém, que limitá-la às matérias que foram
definidas por decretos expressos dos Concílios ecumênicos ou dos Romanos
Pontífices e desta Sé, mas haveria também que estender-se às matérias que se
ensinam como divinamente reveladas pelo magistério ordinário da Igreja inteira
espalhada pelo mundo e que, por isso, com universal e comum consentimento são
consideradas pelos teólogos católicos como pertencentes à fé.”
(3) O
que os teólogos concordam em ensinar como verdades e conclusões teológicas,
ainda que não infalivelmente ensinadas nem definidas, é de adesão obrigatória
tanto exterior quanto interior (de mente e vontade):
Papa Pio IX, Tuas Libenter,
1863, Denzinger 1684:
“Mas, como se trata daquela sujeição à qual estão obrigados em consciência
todos os católicos que se dedicam às ciências especulativas, para que possam
trazer com seus escritos novos proveitos para a Igreja, por essa razão, os
homens desse mesmo congresso devem reconhecer que não basta aos sábios
católicos aceitar e reverenciar os supracitados dogmas da Igreja, mas é também
necessário a eles submeter-se às decisões que, pertencentes à doutrina, são
emanadas das Congregações Pontifícias, bem como àqueles capítulos de doutrina
que, pelo comum e constante sentir dos católicos, são considerados como
verdades e conclusões teológicas, tão certas que as opiniões contrárias a esses
capítulos de doutrina, ainda que não possam ser chamadas de heréticas, merecem,
sem embargo, alguma censura teológica.”
(Para entender corretamente qual a
autoridade dos teólogos e qual o método teológico católico, ler atentamente:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, O Batismo de Desejo e os Princípios Teológicos,
2000).
(4) Golpe
de misericórdia. Condenação solene da tese jansenista de que a Igreja
pode promulgar ou permitir uma lei universal (rito litúrgico, Código de Direito
Canônico, etc.) que seja nociva:
Papa Pio VI, Auctorem Fidei (condenação
do concílio de Pistoia), Denzinger 1578:
Uma proposição desse concílio “na medida em que, em razão dos termos
gerais utilizados, ela inclui e submete ao exame prescrito mesmo a disciplina
estabelecida e aprovada pela Igreja, como se a Igreja, que é regida pelo
Espírito de Deus, pudesse constituir uma disciplina não somente inútil e mais
onerosa do que a liberdade cristã pode tolerar, mas ainda por cima perigosa,
nociva, conducente à superstição e ao materialismo” é condenada
como “falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva a ouvidos
pios, injuriosa à Igreja e ao Espírito de Deus que a conduz, no mínimo errônea”.
(Para mais citações do Magistério e
explicações dos teólogos sobre essa matéria, cf. Rev. Pe. Hervé BELMONT, Infalibilidade
das leis disciplinares gerais, 2011).
A.M.D.G.V.M.,
S.
Continuação:
Caro A.,
Salve Maria!
Respondo
aos seus três itens e por fim ao seu pós-escrito:
1. (...).
2. Ao
segundo ponto que você levanta, para deslindar a confusão subjacente a ele,
começo observando uma coisa muito estranha a respeito da citação que você fez
em seu primeiro comentário aqui; reproduzo-a agora precedida dos dois
parágrafos que a contextualizavam e que você curiosamente omitiu (destaques
meus):
“Demonstramos
amplamente aqui ser contra a Fé Católica asseverar que a
Igreja pode ensinar erro ou promulgar leis más. Mostramos também que o Vaticano
II e suas reformas deram-nos erros que vão contra a doutrina católica e leis
más que são adversas à salvação das almas.
Logo,
a Fé mesma obriga-nos a afirmar que
os que ensinaram esses erros ou promulgaram essas leis más, não importa que
aparência de autoridade possam ter, não possuem realmente a autoridade da
Igreja Católica. Somente assim a indefectibilidade da Igreja
Católica é preservada. Devemos, pois, como católicos que
afirmamos que a Igreja é indefectível e infalível, rejeitar e repudiar as
alegações de que Paulo VI e sucessores tenham sido verdadeiros papas.
Em
compensação, deixamos para a autoridade da Igreja, quando ela voltar a funcionar
de maneira normal, declarar com autoridade que
esses supostos papas foram não-papas. Nós, como simples sacerdotes, não
podemos, afinal de contas, fazer julgamentos autoritativos, quer legais
ou doutrinais, que vinculem as consciências dos fiéis.”
(Pe.
CEKADA, no estudo acima, sobre o qual estamos debatendo).
Você
parece imaginar que o Rev. Pe. se contradiga aí? Nesse caso, isso só pode ser
por você não ter entendido que, quando ele nota que somente a Igreja pode “declarar
com autoridade…vincul[ando] as consciências” sobre esse assunto, o A.
está apenas prevenindo o abuso que seria considerar que os não-sedevacantistas
incorram em penas canônicas ou em cisma, única e exclusivamente, por não terem
compreendido ainda que o sedevacantismo é a única solução plenamente compatível
com o catolicismo para dar conta da crise atual.
Somos
católicos, nota o Pe. Belmont, que
“não
consideram sua própria convicção como critério de
pertença à Igreja Católica: essa convicção está ancorada na
luz da fé, é regra para eles próprios e para tudo o que
entra na responsabilidade deles; mas ela não tem como, por si só, obrigar ao
próximo. Noutras palavras, estes católicos não querem atribuir a si próprios
uma autoridade outra que a de seus argumentos.”
(Rev.
Pe. Hervé BELMONT, Carta de Navegação do blogue Quicumque,
2005).
Isso
não significa em momento algum que esses argumentos não concluam – ou antes
até: que a luz da fé exercida não desemboque irremediavelmente na constatação
da atual vacância da Sé Apostólica –, ou que a conclusão careça de certeza, ou
que as premissas das quais ela decorre não sejam igualmente obrigatórias (mais
sobre isto na resposta à 3º obj., infra), mas tão-somente significa
que essa certeza não pode ser imposta sem mais a
quem não enxergue (ou não queira enxergar) sua necessidade, podendo ser
apenas demonstrada a quem tenha ouvidos.
É
diferente de quando a Igreja julga diretamente uma questão
(por exemplo: o milenarismo mitigado), aí então os católicos não têm mais essa
desculpa de não enxergar (ou não querer enxergar) os argumentos (certíssimos e
não “opiniões” de teólogos) que demonstram ser essa uma doutrina errônea que
(assim como o tradicionalismo sedeplenista) nega implicitamente a
infalibilidade do Magistério Ordinário Universal. Roma locuta, causa
finita: a mera difusão do lacunzismo incorre na violação da lei da Igreja
(o decreto do Santo Ofício que impede sua difusão e que obriga as
consciências).
Assim,
a alguém que parecia tentar pintar o sedevacantismo atual como algo semelhante
a um fato dogmático como que “às avessas”, o Sr. Daly escreveu
o seguinte, a esse respeito:
“Tenho
reservas principalmente acerca da imediatez da(s) dedução(ões)
envolvida(s). Ao mesmo tempo que eu próprio, é claro, não tenho dúvida alguma
de que a conclusão [i.e. o sedevacantismo] é certa e demonstrável,
entendo que a Igreja sempre reconheceu que muitos dos fiéis não são bem
instruídos e são bastante confusos [foggy-minded] quando se trata de argumentações, razão
pela qual Ela não considera que seja uma rejeição da
autoridade dela o fracasso em aceitar conclusões que não sejam imediatamente evidentes
a partir de seus ensinamentos ou julgamentos.”
(John
S. DALY, Carta de 6 de julho de 2004 ao bispo Sanborn, sobre o artigo
deste “Opinionism”, reproduzida por J. F. LANE; cf. também, deste
último, um resumo da correspondência DALY-SANBORN, se bem que aparentemente com
contribuições próprias a serem medidas cum grano salis).
Ainda
esses dias, aliás, eu relia um renomado teólogo tomista e adversário do
neomodernismo, o Padre LABOURDETTE, O.P., que, pouco depois de observar que “é
assombroso que se tenha tão facilmente tendência a julgar incerto aquilo
que não seja estritamente definido”, e depois de recordar que “Não
basta que uma asserção não tenha sido definida como ‘de fé
divina e católica’ para que seja lícito negá-la”, deplora
ainda o seguinte:
“Pode-se
lamentar as flutuações de vocabulário que fazem com que as palavras ‘opinião’ e
‘certeza’ não tenham exatamente o mesmo alcance quando são consideradas do
ponto de vista da autoridade, que é o [ponto de vista] da
teologia positiva, ou do ponto de vista da adesão em maior ou menor medida
obrigatória a argumentos de teologia especulativa” (In: Revue
Thomiste, 1954, p. 668).
Posso
lhe indicar uma brevíssima leitura sobre como tudo isso se aplica à situação
atual? Isto aqui não tem nem uma página (o Rev. Pe. D. parece-me ter notado
à minha ..., há muito tempo, ter objeções a este artiguinho, mas não imagino
quais possam ser elas e, como não cumpriram a promessa de me enviar resposta do
Pe. Calderón, entre outras razões, nem me interesso realmente em conhecê-las):
J.S. DALY, Questão de Fé ou Questão de Opinião? –
Apontamentos… 2001.
3. Chegamos,
enfim, ao terceiro ponto, que mostra uma segunda confusão sua: você não
entendeu até agora o argumento sedevacantista. Aliás, diga-se de passagem,
ilustração perfeita da “foggy-mindedness” acima referida, pela qual na
ausência de juízo direto da Igreja não se pode concluir que os recalcitrantes
sejam hereges ou cismáticos por não aderir a uma demonstração cerrada de que a
posição deles implica em teses heréticas e cismáticas.
O
silogismo que demonstra o sedevacantismo (demonstração “a posteriori” ou
“quia”) pode ser formulado assim:
MAIOR: “a
Igreja é infalível em seu ensinamento e em tudo aquilo que manifesta a sua fé,
incluindo aí sua lei, sua liturgia, sua pregação, sua tolerância…”
MENOR: “a Igreja do Vaticano II apresenta-nos, por intermédio de
cada uma dessas maneiras de se exprimir, todo um corpo doutrinário que é
impossível de reconciliar com o que a Igreja Católica sempre ensinou até então,
pelas mesmas maneiras.”
ERGO: “essa
nov’Igreja, dizia, não é a Igreja Católica, e seus chefes não desfrutam da
proteção própria aos Papas, porque eles não são Papas.”
(Cits.
tiradas de: John S. Daly, O sentido de herege “manifesto” em Bellamino,
2005).
Tanto
a premissa Maior quanto a premissa Menor se fundam em ensinamentos
obrigatórios do Sagrado Magistério e da Sacra Teologia, e a conclusão
decorre delas por necessidade lógica.
É
somente num segundo momento que entra a questão disputada dita “do papa herege
como doutor privado” (note bem: “como doutor privado”, pois a questão “do papa
herege como docente autêntico na Igreja” é uma aberração “tradicionalista” que
nenhum teólogo aprovado jamais aventou).
Aqui,
sim, talvez houvesse que citar a opinião minoritária de alguns
da O.P. de que os hereges ocultos se excluem da Igreja (opinião que parece
especialmente absurda após a Enc. Mystici Corporis de Pio XII,
cujo redator principal, aliás, sabe-se que foi o doutíssimo eclesiólogo
“bellarminiano” Pe. Sebastien Tromp, S.J.) e a opinião igualmente improvável e
minoritária de que, em contrapartida, o “papa herege como doutor privado”,
embora excluído da Igreja, não perderia o Pontificado (opinião bem pouco fiel a
Sto. Tomás, aliás, e que alguns não hesitam em atribuir à negligência no estudo
do Direito Canônico que caracteriza tanta teologia dos últimos séculos, mesmo
entre autores renomados, e que está tão distante da reverência do Doutor
Angélico pelos “Santos Cânones”, como ele os chamava; e lembro aqui, para
contrastar, que o principal embasador teológico do Código de São Pio X
promulgado pelo Papa Bento XV, o então Pe. Billot S.J., afirmava-se disposto a
morrer pela mais mínima vírgula do Código de Direito Canônico: não por acaso
foi ele proposto pelo Papa Pio XII como modelo para todos os teólogos!).
É
somente num segundo momento, então, que entra essa questão “do papa herege”,
assim como no estudo acima do Pe. Cekada ela só entrou para mostrar a
não-impossibilidade da solução sedevacantista, em contraposição à
impossibilidade da solução sedeplenista, que viola doutrinas não disputáveis.
(No mais, acrescenta John Daly após o silogismo acima, é esta [o não-papado de
P6 e sucessão, por heresia] “a solução da qual Dom Lefebvre não fazia senão
aproximar-se para dela se afastar, e afastar-se para dela se aproximar.”
loc. cit.)
O Sr.
Daly distingue bem os dois argumentos e assinala a suficiência do primeiro com
um exemplo luminoso:
“Certamente
que, não sendo Ratzinger Papa, conforme o argumento número 1, pode-se
razoavelmente perguntar o que falta a ele dentre as condições essenciais ao
Papado, mas, mesmo sem saber disso, sabemos com certeza que
ele não é o chefe da verdadeira Igreja.
O
N.O.M. é um efeito que depende de causa adequada: essa causa só pode ser que os
‘papas’ que no-lo dão não são legítimos. A ilegitimidade desses papas é, por
sua vez, um efeito que depende de causa adequada. Creio que essa causa é o
fato de não professarem a fé católica, mas é questão secundária.
Conheci
um homem que montou uma queijaria seguramente impermeável às moscas, onde ele
fazia queijos. Um dia, havia larvas nos queijos. Conclusão rigorosa: uma mosca
havia entrado, apesar de tudo. Mas ele estava tão seguro da impermeabilidade de
sua queijaria, que chegou ao ponto de acreditar na geração espontânea das
moscas. Não estou exagerando. Ele queria que lhe mostrassem por onde a mosca
teria podido entrar. Eu tinha as minhas ideias, mas o absurdo era supor
necessário encontrar o furo para dever crer no que já estava provado pela
presença das larvas.
Aquilo
que já está provado a posteriori é certo. Encontrar sua causa
é muitas vezes desejável, mas nunca é condição para poder aceitar a
consequência.”
(John
DALY, Uma mosca na queijaria, 2005).
Concluo,
enfim, com o Rev. Pe. Belmont:
“Dito
de outro modo, cumpre afirmar tudo aquilo que a fé católica nos compele a
afirmar [ex: a infalibilidade das leis da Igreja (F.C.)], negar tudo
aquilo que ela nos compele a negar [ex: o Papado a Paulo VI e
sucessores, promulgadores e mantenedores de leis e doutrinas nocivas (F.C.)]…
e deter-se aí. Recorrer a elementos que sejam de uma certeza de ordem inferior
— fatos não certificados, raciocínios que não alcançam essa luz teologal, teorias
teológicas (como as do Papa herege) que a Igreja não integrou à sua própria
doutrina etc. — pode ajudar a compreender, pode confortar na certeza
da legitimidade da conclusão, mas não permite concluir categoricamente. Se essa
intenção teologal exclui os juízos sobre pessoas e as conclusões arriscadas,
ela permite alcançar uma certeza que se remete à fé católica. O que
‘perdemos’ em extensão, ganhamos em compreensão.”
(Rev.
Pe. Hervé BELMONT, Sou sedevacantista?).
Ficou
claro, A.?
Porque
estou pressupondo benevolamente que tenha sido a essa questão do “papa herege”
que você se referia, ao falar em “os teólogos citados pelos sacerdotes
supraindicados não são a maioria dos teólogos. Proposta: por
que você não pesquisa e acrescenta a posição dos que são contrários?
Assim, poderemos fazer uma análise mais coerente e não enviesada”.
A.,
meu caro, não existem esses teólogos escolásticos
pré-conciliares “contrários” à infalibilidade das leis eclesiásticas
universais: essa posição tradicionalista é condenada pela Igreja (não
leu a citação da Auctorem Fidei que lhe fiz ontem?)
Em
tempo: aquele texto lixo que você me enviou recentemente para defender os
tribunais nulos da FSPX, negava – motivando meu abandono da discussão por
desânimo, até porque ela começara justamente por você ter observado [e eu ter
concordado] que o finado Prof. O. F., apesar de tudo, acertara em denunciar o
desvio de ditos sacerdotes –, aquele texto lixo, dizia, tem um erro que até
mesmo seu próprio Autor já abandonou, embora para cair noutros igualmente ruins
ou piores: a negação da infalibilidade do Código de Direito Canônico.
Caso
você queira aprender com teólogos aprovados pela Igreja e não com padres
piedosos, mas (de)formados em apostilas improvisadas de seminários
não-canônicos de uniões pias dissolvidas, eis um texto clássico para sua
formação: L’AMI DU CLERGÉ (1919), Infalibilidade do
Código de Direito Canônico.
Por
amor à Igreja, não deixe de voltar para esclarecer esse ponto, A., senão fica
parecendo que você é um desses católicos malsãos que negam obstinadamente a
infalibilidade da Igreja em promulgar leis eclesiásticas universais como esta
canônica ou a litúrgica.
Em
JMJ,
S.