sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

293ª Nota - Prova da existência de Deus pelas aspirações da alma



1. O FATO DA INQUIETAÇÃO HUMANA. — O homem é submetido, durante sua vida, a uma espécie de contradição, que não cessa de inquietar-lhe a razão e angustiar-lhe o coração: está, por um lado, com todas as forças de seu ser profundo, ansiando pela posse de uma felicidade perfeita, estável e sem fim, em que se realizariam igualmente a perfeição de sua natureza e a aspiração de seu coração, e, ao mesmo tempo, e por mais que reaja, é vítima da miséria, da doença, da tristeza e, finalmente, da morte.

2. O ARGUMENTO. O homem é um ser de inquietude. Mas também possui o sentimento invencível de que a contradição deve ser resolvida, que a morte não pode ser para ele um fracasso radical, um mergulho no vácuo. Neste sentimento, não há simplesmente um protesto da sensibilidade, que se insurge ante a dissolução do ser corporal, mas, muito mais ainda, um protesto da razão.

O universo físico manifesta, com efeito, uma ordem evidente; um determinismo rigoroso regula o seu curso e reúne seus elementos, de maneira que faça deles um cosmos, um mundo (etimologicamente, uma coisa ordenada e harmoniosa). Se assim é, como seria possível que a desordem e o absurdo reinassem na ordem moral, e que aí reinassem duplamente, de início, pelo aniquilamento de um ser inteligente e livre, que, com todas as forças de seu coração, aspira a viver infinitamente e gozar de uma felicidade pura, sem poder encontrar no mundo, nem nos prazeres, nem na arte, nem na ciência, nada que o satisfaça plenamente, — depois, pelo revés que a justiça sofreria se uma outra vida, além da morte, não viesse restabelecer, em favor do justo, um equilíbrio que não se realiza no mundo?

É, portanto, impossível admitir que o mundo, ordenado e racional na ordem física, seja lançado ao absurdo na ordem moral. Isto eqüivale a dizer que a ordem moral supõe e exige a um tempo um Bem supremo, que satisfaça os profundos desejos do coração humano, e uma Providência, que assegure a realização de uma soberana e incorruptível justiça.

(Extraído do Curso de Filosofia do Padre R. Jolivet)