1. O FATO DA INQUIETAÇÃO HUMANA.
— O homem é submetido, durante sua vida, a uma espécie
de contradição, que não cessa de inquietar-lhe a razão e
angustiar-lhe o coração: está, por um lado, com todas as forças de seu ser
profundo, ansiando pela posse de uma felicidade perfeita, estável e
sem fim, em que se realizariam igualmente a perfeição de sua natureza e a
aspiração de seu coração, e, ao mesmo tempo, e por mais que reaja, é vítima da
miséria, da doença, da tristeza e, finalmente, da morte.
2. O ARGUMENTO. O homem é um ser de
inquietude. Mas também possui o sentimento invencível de que a contradição deve
ser resolvida, que a morte não pode ser para ele um fracasso radical, um
mergulho no vácuo. Neste sentimento, não há simplesmente um protesto da
sensibilidade, que se insurge ante a dissolução do ser corporal, mas, muito
mais ainda, um protesto da razão.
O universo físico manifesta, com efeito,
uma ordem evidente; um determinismo rigoroso regula o seu curso e reúne seus
elementos, de maneira que faça deles um cosmos, um mundo
(etimologicamente, uma coisa ordenada e harmoniosa). Se assim é, como
seria possível que a desordem e o absurdo reinassem na ordem moral, e que
aí reinassem duplamente, de início, pelo aniquilamento de um ser inteligente e
livre, que, com todas as forças de seu coração, aspira a viver infinitamente e
gozar de uma felicidade pura, sem poder encontrar no mundo, nem nos prazeres,
nem na arte, nem na ciência, nada que o satisfaça plenamente, — depois, pelo
revés que a justiça sofreria se uma outra vida, além da morte, não viesse
restabelecer, em favor do justo, um equilíbrio que não se realiza no mundo?
É,
portanto, impossível admitir que o mundo, ordenado e racional na ordem
física, seja lançado ao absurdo na ordem moral. Isto eqüivale a dizer que
a ordem moral supõe e exige a um tempo um Bem supremo, que satisfaça
os profundos desejos do coração humano, e uma Providência, que
assegure a realização de uma soberana e incorruptível justiça.
(Extraído
do Curso de Filosofia do Padre R. Jolivet)