terça-feira, 12 de abril de 2016

170ª Nota - A Década dos Trinta


Sem sombra de dúvidas podemos asseverar que foi nessa altura que nosso século XX manifestou, ora com arrogância, ora com cinismo, todas as vicissitudes de loucura e desespero que, desde o berço, trazia em seus cromossomos históricos.
Desde logo convém assinalar o caráter oscilante e ciclotímico de nosso século, onde se alternam ou se defrontam situações de depressão e situações de exaltação. Nas primeiras, os homens rejeitam todas as dimensões transcendentes e se comprazem num imanentismo, num ideal de térmita, ou de átomo; nas segundas, ao contrário, exaltam todos os seus títulos de glória num delirante esquecimento de sua miséria. Os mais expressivos exemplos de depressão histórica nos são proporcionados pelos socialistas que, desde a revolução russa em 1917, ganham raízes e espaço vital; o tipo oposto é, por sua própria índole, diferenciado em gostos, timbres e matizes do mais variado valor moral, desde a cavalheiresca Falange de José António Primo de Rivera até o teatral fascismo italiano, o cômico integralismo brasileiro e o demoníaco nazismo. Depressão e exaltação, duas formas da mesma desesperança, que é o mal do século. Depressão e exaltação, duas baldadas tentativas de realizar, no mundo e na carne, a “exaltatio” e a “exinanitio” que só se realiza em perfeita conjunção na Cruz de Nosso Senhor. E os dois estados, ora alternados, ora confrontados, às vezes se entrecruzam e então vemos os imanentistas, os aspirantes à terra, bruscamente possuídos de um ardor de violência que parecia apanágio exclusivo do outro semiciclo da loucura. E também vemos os exaltados, os sequiosos de heroísmo e de júbilo de viver de repente inclinados, e irresistivelmente levados ao suicídio. Penso com dolorida simpatia num Drieu La Rochelle, num Brasillach, num José António, e acho simplesmente cômica a denominação comum “fascistas”, com que as esquerdas convencionaram designar os homens mais diferentes do mundo, que só tinham em comum a exaltação.
Por essas e outras, a década dos trinta é a da maior densidade de equívocos de todos os tempos. O jogo esquerda-direita, acelerado, encherá o mundo de moeda falsa.
Outra evidência dessa época, que costuma passar despercebida, é a da dupla guerra civil. Todo o mundo sabe que houve na Espanha, motivada por incríveis abusos cometidos pelos comunistas e anarquistas desde 1931, uma guerra civil violentíssima entre 1936 e 1939, com enorme derramamento de sangue. Mas pouca gente sabe que, no mesmo período, houve uma guerra civil na França, movida pelos mesmos agentes ditos de esquerda. Há, entretanto, entre a guerra civil da Espanha e a guerra civil de França certos contrastes que merecem reparo. A primeira foi estridente e espetacular, a segunda foi invisível; a primeira destruiu igrejas, incendiou cidades, fez heróis e mártires, a segunda destruiu valores espirituais, fez traidores e apóstatas que se entregaram aos piores inimigos da Igreja. E em vez de sangue derramou muita tinta, sem falar na outra substância histórica a que aludia Bernanos.
A Frente Popular na Espanha foi finalmente vencida; o Front Populaire da França arrasou a França, desarmou-a, venceu-a, preparou-a enfim para a humilhação de 1940 e para a vergonha de 1945. O movimento espanhol chamou-se de alzamiento; a invisível corrosão da França mereceria o nome de abaissement ou outro equivalente. E é nesta década de 30 que se inicia essa derrocada francesa que é, sem possível contestação, o principal fator da crise espiritual do moderno mundo católico. O mais belo e glorioso dos reinos católicos ficou “comme um vieux Lion rongé par la vermine”. Mas ainda é na França católica que surgem hoje os mais vigorosos sinais de resistência, da verdadeira Résistance em que todos nos devemos arrolar na defesa do que ainda há de cristão em nossa civilização. Acho inconcebível um mundo sem a França, sem “La France des Bourbons, des Mesdames Maria, Jeanne d’Arc, et Thérèse, et Monsieur Saint-Michel”.

(Gustavo Corção, excerto de “O Século do Nada”)