A) DEMONSTRAÇÃO PELA “VIDA DO ESPÍRITO”
B)
PELA VIDA MORAL E PELO DESEJO NATURAL DE BEATITUDE
1.
Contradição do ceticismo
Os resultados a que até agora chegou
nossa investigação podem ser assim resumidos: a) a mente criada e finita
conhece verdades imutáveis e necessárias, tendo delas uma intuição originária,
se bem que obscura e confusa: estas verdades lhe estão presentes, são
interiores; b) a razão se serve delas para julgar todas as coisas; c) estas
verdades são as que nos ensinam, como um “mestre interior”, a presença de Deus
em nós; d) existe a Verdade, portanto Deus existe. Se não existisse, nós mesmos
não existiríamos e nem sequer poderíamos dizer que Deus existe, porque
careceríamos de inteligência. Aristóteles escreve dos céticos de seu tempo:
“assemelham-se mais às plantas que aos homens” (Met., 1. IV, c. 3); o ceticismo
de qualquer época termina fatalmente, mais cedo ou mais tarde, por rebaixar o
homem ao puro nível biológico.
A observação de Aristóteles,
profundíssima, merece um breve comentário. O cético nega que o pensamento
humano seja capaz da verdade que lhe compete: feito para a verdade, não a
conhece; portanto, seu valor e seu ser são nulos. Mas o homem é homem pelo
pensamento (inteligência e razão): negar um é negar o outro, é fazer com que o
homem se assemelhe mais às plantas que ao homem que realmente é. Isto é:
pensamento, sem seu objeto natural, que é a verdade, é o não-pensamento;
o homem que é não-pensamento é não-homem: um puro vegetal ou um puro animal
(nível biológico). Então, qualquer questão sobre o homem já carece de sentido,
mas, precisamente por isso, o ceticismo não tem sentido; já é contraditório em
seu próprio enunciado: autonega-se.
E não é só o ceticismo, mas também toda
posição filosófica que negue uma verdade objetiva é negação do pensamento e,
portanto, do homem: por exemplo, o idealismo historicista e dialético. Se a
verdade e sua validade são históricas, então o pensamento grego é a verdade
“histórica” da antiguidade e o cristão a verdade “histórica” do mundo moderno,
etc. Isto significa simplesmente que o homem não é capaz de verdade e que não
há verdade, porque a verdade significa isto: verdade e não outra coisa; nem
antiga nem medieval, nem moderna, mas tão somente verdade – descoberta na
antiguidade ou no medievo, pelos gregos ou pelos italianos – válida para todo
ente pensante, uma vez que foi descoberta e conquistada pelo pensamento. Se a
verdade é dialética e a dialética é a essência do real, segue-se também que
nada tem ser e nada é verdadeiro: a realidade ou a verdade de cada ente está em
“relação com” seu contrário, onde se nega e se conserva dialeticamente. Nenhum
ente é o que é: é só em seu conservar-se destruindo-se; nenhum ente tem uma
realidade ou essência sua, e a verdade não é tal.
Nós defendemos a presença objetiva da
verdade na mente, porque só assim se pode defender a validade do pensamento e,
com ela, o homem: perder a verdade é perder o pensamento, esvaziar o homem de
si mesmo, de sua natureza, fazê-lo semelhante (como disse Aristóteles) às
plantas e às bestas. Por outro lado, se se nega validade objetiva ao saber
humano nega-se o fundamento natural do revelado, isto é: a base da fé. A quem
falaria Deus se o ente pensante não possuísse a luz objetiva do intelecto e o
poder discursivo da razão? Sua mensagem aos homens teria, em tal caso, o mesmo
sentido que para as plantas e os animais, isto é: nenhum sentido. Ou tantos
sentidos variáveis quantas fossem as posições dialéticas, isto é: tampouco
teria um sentido sensato.
2.
A prova pela vida moral
Até agora insistimos sobre a atividade
intelectiva, porque a prova não parecesse prejulgada por outros elementos e,
sobretudo, porque qualquer prova possível da existência de Deus pressupõe a
prova “pela verdade”. Mas agora é necessário analisar os outros aspectos da
vida do espírito, a fim de que a prova manifeste toda a sua aderência ao homem
na plenitude de sua integralidade e revele toda a sua força normal.
A verdade originária presente à mente
não interessa só à vida intelectiva, mas também a todas as formas de nossa
atividade. Inclusive a vida moral tem seu fundamento nos princípios originários
que guiam, orientam e informam toda ação, ainda que nenhuma os iguale: são sua
medida sem ser por ela medidos. A ação “boa” ou “justa” não faz com que exista
a bondade ou o dever, mas ela não seria boa ou justa sem a bondade e o dever,
que, por sua vez, existiriam igualmente ainda que o mundo não fosse ou nunca
houvesse acontecido nele uma ação boa ou conforme ao dever. Podemos concluir
que: os valores morais não existem porque existem as ações que os expressam,
mas sim estas existem na medida em que aqueles existem e preexistem a todas as
ações e lhe são independentes.
Os valores morais são, antes de tudo,
verdades objetivas, intuídas pela mente; neste sentido, ainda que “práticos”,
são teóricos: regras da vontade, que está obrigada a subordinar-se a eles, e
aos quais se subordina e se adapta cada vez que lhe “reconhece” verdade e
virtude; então se constitui em vontade que quer segundo a ordem moral. A razão
especulativa julga todas as coisas segundo os princípios primordiais do juízo;
a razão prática julga toda ação segundo os valores morais que são verdades (e
como tais “teóricos”) reguladoras da vontade e de nossa conduta e que, por
isso, têm um uso prático. Em consequência, assim como à mente são dados os princípios
fundamentais do conhecimento, também lhe são dados os de querer. Do mesmo modo
como pela presença em nós de verdades especulativas se argumenta sobre a
existência de Deus, como Verdade em si, pela presença dos valores morais se
argumenta a favor da existência de Deus como Valor absoluto e sumo Bem. A
argumentação é idêntica à que foi desenvolvida a propósito da prova “pela
verdade”: a mente humana é capaz de conhecer valores morais absolutos que
constituem a vida, a força e a eficácia da vontade, que é como que a reveladora
deles. Os valores não são criados pela mente ou pela vontade, nem induzidos “a
posteriori” da experiência, a qual, ao contrário, os pressupõe. Portanto,
existe Deus como Valor absoluto ou absoluta Vontade criadora de todos os valores
e que é seu fundamento e seu sustentáculo.
O bem moral é também “atrativo”; sua
“atração” confere à prova uma nova dimensão e revela toda a sua potência
dinâmica. Objeto natural da vontade é o bem, sua verdade; ela é atraída por
ele, mesmo que o desconheça ou se rebele contra ele: o arrependimento do mal
feito, desforra do bem, é obra de sua força de atração. O bem é o princípio
motor da vontade e o elemento informador das volições. Não há felicidade sem
bem; a felicidade de todo ente espiritual é sua posse; logo, o bem é o
princípio de toda a nossa ação. Há uma intuição intelectiva do bem, uma
presença, que é presença de Deus como sumo Bem. Mais ainda: não somente há
intuição, mas também uma imagem real d’Ele e, portanto, a relação entre o bem
intuído e Deus como sumo Bem é sempre analógica. Intuição operante, criadora;
conhecer o bem é querê-lo, é amá-lo, ser atraído por ele; ele gera o movimento
da vontade e concentra nossos esforços para o mesmo fim, que não é só o bem que
o ente finito pode conhecer e praticar, mas também, através deste, é o sumo
Bem, que transcende todo bem e o fundamenta.
Amar o bem, é obrar no bem; deste modo
se o possui. As ações boas são as respostas verdadeiras que damos ao objeto de
nossa suprema aspiração. Só quando o bem se torna regra constante e contínua da
conduta, o ente racional, estimulado interiormente pela atração do sumo Bem,
caminha e se aproxima sempre mais da meta. É a sabedoria. Mas sabedoria
dinâmica, inquieta e ativa, rica e indigente, suscitadora de respostas sempre
novas segundo a norma reguladora e orientadora. O sumo Bem, luz da mente e da
vontade, iluminando, ama: Deus ilumina e sua luz é amor; nós nos iluminamos
amando-nos e amando aos outros entes criados. O amor é a atração do bem. Deus é
a atração absoluta do Bem absoluto. O dinamismo da vontade, à qual está
presente o bem, está originariamente orientado para o sumo Bem ou Deus, centro
absoluto da atração, unificador de todos os seus esforços, que, de outro modo,
seriam inexplicáveis e ininteligíveis.
O ente espiritual finito possui então,
portanto, o desejo natural do sumo Bem, absoluta e infinitamente perfeito.
(Michele
Federico Sciacca)