segunda-feira, 27 de junho de 2016

217ª Nota - A Igreja em frente do liberalismo


Convém igualmente conhecer os vários sentidos em que pode ser tomada a palavra liberalismo.

Não é sinônima de liberdade. Evidentemente, se os que a inventaram não quisessem exprimir mais do que a ideia de verdadeira liberdade para o bem, não teriam recorrido a uma palavra nova. Tentaram fazer da liberdade para o mal uma coisa útil, desejável, digna de ser defendida, pelo menos em nossos dias. A sua pretensa liberdade chamou-se liberalismo. Hoje o liberalismo é um sistema político-religioso que proclama a independência do Estado nas suas relações com a Igreja ou com a Religião. É assim que Pio IX o mostra e denuncia na encíclica “Quanta Cura”.

Ora, no liberalismo, podem-se distinguir três graus:

O primeiro, chamado liberalismo radical, tem por formula: “ A Igreja está no Estado”, isto é, a Igreja deve ser inteiramente subordinada ao Estado.

O segundo, designado com o nome de liberalismo moderado, consiste na separação da Igreja e do Estado. A sua fórmula é esta: “A Igreja livre no Estado livre.”

O terceiro é catolicismo liberal. “Em princípio, dizem os defensores deste sistema, o Estado deve estar subordinado à Igreja, embora esteja independente na sua esfera puramente civil. Mas, em hipótese geral, nas conjunturas atuais, por causa do progresso da opinião na sociedade, doravante não é mais vantajoso proclamar essa subordinação; contudo, é conveniente aceitar e aprovar a separação da Igreja e do Estado, com as liberdades chamadas modernas que dela decorrem, e particularmente a liberdade da imprensa e dos cultos.”

3º Esses diversos graus de liberalismo merecem igualmente a condenação da Igreja? Sim, sem dúvida. Em primeiro lugar o liberalismo radical é formalmente reprovado pela Igreja. O “Syllabus”, entre outras proposições condenadas, contém esta que alveja expressamente a teoria que indicamos: “A Igreja não é uma sociedade verdadeira, perfeita e plenamente livre; ... é ao poder civil que compete definir quais são os direitos da Igreja e dentro de que limites os pode aplicar” (Prop. XIX), e esta outra: “O poder eclesiástico não deve exercer a sua autoridade sem o beneplácito do governo civil.” (Prop. XX) Além disso, o liberalismo radical está em oposição com toda a doutrina fundamental da religião e da Igreja: a sua aplicação daria em resultado a destruição da obra de Jesus Cristo, a sujeição das almas ao poder exterior e temporal. O fundador da religião cristã não quis fazer escravos dos seus discípulos.

O liberalismo moderado, que quer pura e simplesmente a separação da Igreja e do Estado, é perfeitamente admissível como fato, mas não como princípio geral. Com efeito, a Igreja se propagou e cresceu, favorecida apenas por essa simples liberdade, sem proteção por parte do Estado. Hoje ainda a Igreja com ela se satisfaz nos Estados Unidos da América do Norte, onde as duas sociedades civil e religiosa vivem ao lado uma da outra, sob o regime da independência e da verdadeira liberdade. Mas, em país católico, onde as leis, as instituições, os costumes são todos cristãos, onde sobretudo concordatas determinaram as relações recíprocas dos dois poderes, poderá o Estado por de parte os súditos católicos, não fazer caso deles, colocá-los no mesmo plano que os infiéis, ferir a sua fé, favorecer o erro tanto como a verdade, violar ou anular os tratados que garantiam ou protegiam a liberdade religiosa? Não, evidentemente, e a Igreja condena formalmente a teoria contrária, nesta proposição do “Syllabus”: “A Igreja deve ficar separada do Estado, e o Estado ficar separado da Igreja.” (Prop. LV)

Que se deve pensar do catolicismo liberal? – Aqui impõe-se uma distinção essencial. Não devemos chamar católico liberal aquele que permite ou tolera certas liberdades introduzidas em nossas sociedades durante estes últimos séculos, tais como a liberdade política, a liberdade da imprensa, dos cultos, etc. Neste caso, seria preciso dizer que a Igreja inteira é católica liberal, pois que, de fato, permite ou tolera essas liberdades.

Mas admitir um fato é coisa muito diferente de aprová-lo ou erigi-lo em princípio. Ora, o católico liberal é precisamente aquele que não se contenta com apresentar a separação como um “modus vivendi”, que circunstâncias especiais podem tornar necessário, em certo tempo, num país particular, mas pretende que seja adotado como uma regra prática geral, por toda a parte e sempre. O católico liberal é ainda aquele que não se contenta com permitir ou tolerar como um mal lastimável, mas atualmente necessário, certas liberdades modernas, mas, erigindo o fato em princípio, persuade-se e pretende que as liberdades públicas, frutos e resultados necessários da separação, serão, para a Igreja, mais vantajosas do que nocivas.

Ora, o catolicismo liberal, assim entendido, foi formalmente reprovado pelo papa Pio IX. A última proposição do “Syllabus”, relaciona-se com a alocução pontifical “Jamdudum” de 18 de março de 1861, em que o papa apontava especialmente o catolicismo liberal. Alguns partidários deste liberalismo pretendiam não ser atingidos pelo “Syllabus”. Hoje a dúvida não é mais possível. O próprio Pio IX, a esse respeito, explicou o seu pensamento num breve dirigido ao círculo de Santo Ambrósio em Milão, com data de 6 de março de 1873; “Os filhos do século, diz ele, alcançariam, sem dúvida, menos sucesso se os filhos da luz, que usam o nome de católicos, não lhes estendessem mão amiga. Sim, infelizmente, não faltam os que, como se fosse para andarem de acordo com os nossos inimigos, se esforçam por estabelecer uma aliança entre a luz e as trevas, um acordo entre a justiça e a iniquidade, por meio das doutrinas que se chamam 'católicas liberais', as quais, baseando-se sobre perniciosos princípios, aprovam o poder leigo quando invade o terreno espiritual, e levam os espíritos ao respeito ou pelo menos à tolerância das leis mais iníquas, absolutamente como se fosse escrito que ninguém pode servir a dois donos.”

Depois de ter assim revelado o mal e o caráter insidioso do catolicismo liberal, o soberano pontífice acrescenta: “Podereis facilmente evitar as ciladas daqueles espíritos perigosos se tiverdes diante dos olhos este aviso divino: ‘É pelos frutos que os haveis de reconhecer’; se observardes que eles ostentam o seu despeito contra tudo o que manifesta uma obediência pronta, absoluta, inteira aos decretos e às advertências desta Santa Sé; que da cadeira de São Pedro eles não falam senão com desdém, chamando-a cúria romana; acusam todos os atos do governo pontifício como imprudentes ou inoportunos; afetam de aplicar o nome de ultramontanos e jesuítas aos filhos da Igreja mais zelosos e mais obedientes; afinal, cheios de orgulho, julgam-se mais sábios e prudentes do que a Igreja à qual foi feita a promessa de um auxílio divino, especial, eterno.”

Resulta dessas citações do próprio autor do “Syllabus”, que se o liberalismo é um erro condenável, o catolicismo liberal, mesmo entendido como princípio, deve ser tratado como inimigo e considerado como condenado. Não quer isso dizer que a Igreja, assim como vamos provar, condena absolutamente, de fato, todas as liberdades modernas.
(Mons. Eugenio Ernesto Cauly, em Curso de Instrução Religiosa - 1900)