Convém igualmente conhecer os vários
sentidos em que pode ser tomada a palavra liberalismo.
Não é sinônima de liberdade.
Evidentemente, se os que a inventaram não quisessem exprimir mais do que a
ideia de verdadeira liberdade para o bem, não teriam recorrido a uma palavra
nova. Tentaram fazer da liberdade para o mal uma coisa útil, desejável, digna
de ser defendida, pelo menos em nossos dias. A sua pretensa liberdade chamou-se
liberalismo. Hoje o liberalismo é um sistema político-religioso que proclama a
independência do Estado nas suas relações com a Igreja ou com a Religião. É
assim que Pio IX o mostra e denuncia na encíclica “Quanta Cura”.
Ora, no liberalismo, podem-se distinguir
três graus:
O primeiro, chamado liberalismo radical,
tem por formula: “ A Igreja está no Estado”, isto é, a Igreja deve ser
inteiramente subordinada ao Estado.
O segundo, designado com o nome de
liberalismo moderado, consiste na separação da Igreja e do Estado. A sua
fórmula é esta: “A Igreja livre no Estado livre.”
O terceiro é catolicismo liberal. “Em
princípio, dizem os defensores deste sistema, o Estado deve estar subordinado à
Igreja, embora esteja independente na sua esfera puramente civil. Mas, em
hipótese geral, nas conjunturas atuais, por causa do progresso da opinião na
sociedade, doravante não é mais vantajoso proclamar essa subordinação; contudo,
é conveniente aceitar e aprovar a separação da Igreja e do Estado, com as
liberdades chamadas modernas que dela decorrem, e particularmente a liberdade
da imprensa e dos cultos.”
3º Esses diversos graus de liberalismo
merecem igualmente a condenação da Igreja? Sim, sem dúvida. Em primeiro lugar o
liberalismo radical é formalmente reprovado pela Igreja. O “Syllabus”, entre
outras proposições condenadas, contém esta que alveja expressamente a teoria
que indicamos: “A Igreja não é uma sociedade verdadeira, perfeita e plenamente
livre; ... é ao poder civil que compete definir quais são os direitos da Igreja
e dentro de que limites os pode aplicar” (Prop. XIX), e esta outra: “O poder
eclesiástico não deve exercer a sua autoridade sem o beneplácito do governo
civil.” (Prop. XX) Além disso, o liberalismo radical está em oposição com toda
a doutrina fundamental da religião e da Igreja: a sua aplicação daria em
resultado a destruição da obra de Jesus Cristo, a sujeição das almas ao poder
exterior e temporal. O fundador da religião cristã não quis fazer escravos dos
seus discípulos.
O liberalismo moderado, que quer pura e
simplesmente a separação da Igreja e do Estado, é perfeitamente admissível como
fato, mas não como princípio geral. Com efeito, a Igreja se propagou e cresceu,
favorecida apenas por essa simples liberdade, sem proteção por parte do Estado.
Hoje ainda a Igreja com ela se satisfaz nos Estados Unidos da América do Norte,
onde as duas sociedades civil e religiosa vivem ao lado uma da outra, sob o
regime da independência e da verdadeira liberdade. Mas, em país católico, onde
as leis, as instituições, os costumes são todos cristãos, onde sobretudo
concordatas determinaram as relações recíprocas dos dois poderes, poderá o
Estado por de parte os súditos católicos, não fazer caso deles, colocá-los no
mesmo plano que os infiéis, ferir a sua fé, favorecer o erro tanto como a
verdade, violar ou anular os tratados que garantiam ou protegiam a liberdade
religiosa? Não, evidentemente, e a Igreja condena formalmente a teoria contrária,
nesta proposição do “Syllabus”: “A Igreja deve ficar separada do Estado, e o
Estado ficar separado da Igreja.” (Prop. LV)
Que se deve pensar do catolicismo
liberal? – Aqui impõe-se uma distinção essencial. Não devemos chamar católico
liberal aquele que permite ou tolera certas liberdades introduzidas em nossas
sociedades durante estes últimos séculos, tais como a liberdade política, a
liberdade da imprensa, dos cultos, etc. Neste caso, seria preciso dizer que a
Igreja inteira é católica liberal, pois que, de fato, permite ou tolera essas
liberdades.
Mas admitir um fato é coisa muito
diferente de aprová-lo ou erigi-lo em princípio. Ora, o católico liberal é
precisamente aquele que não se contenta com apresentar a separação como um
“modus vivendi”, que circunstâncias especiais podem tornar necessário, em certo
tempo, num país particular, mas pretende que seja adotado como uma regra
prática geral, por toda a parte e sempre. O católico liberal é ainda aquele que
não se contenta com permitir ou tolerar como um mal lastimável, mas atualmente
necessário, certas liberdades modernas, mas, erigindo o fato em princípio,
persuade-se e pretende que as liberdades públicas, frutos e resultados
necessários da separação, serão, para a Igreja, mais vantajosas do que nocivas.
Ora, o catolicismo liberal, assim
entendido, foi formalmente reprovado pelo papa Pio IX. A última proposição do
“Syllabus”, relaciona-se com a alocução pontifical “Jamdudum” de 18 de março de
1861, em que o papa apontava especialmente o catolicismo liberal. Alguns
partidários deste liberalismo pretendiam não ser atingidos pelo “Syllabus”.
Hoje a dúvida não é mais possível. O próprio Pio IX, a esse respeito, explicou
o seu pensamento num breve dirigido ao círculo de Santo Ambrósio em Milão, com
data de 6 de março de 1873; “Os filhos do século, diz ele, alcançariam, sem
dúvida, menos sucesso se os filhos da luz, que usam o nome de católicos, não
lhes estendessem mão amiga. Sim, infelizmente, não faltam os que, como se fosse
para andarem de acordo com os nossos inimigos, se esforçam por estabelecer uma
aliança entre a luz e as trevas, um acordo entre a justiça e a iniquidade, por
meio das doutrinas que se chamam 'católicas liberais', as quais, baseando-se
sobre perniciosos princípios, aprovam o poder leigo quando invade o terreno
espiritual, e levam os espíritos ao respeito ou pelo menos à tolerância das
leis mais iníquas, absolutamente como se fosse escrito que ninguém pode servir
a dois donos.”
Depois de ter assim revelado o mal e o
caráter insidioso do catolicismo liberal, o soberano pontífice acrescenta:
“Podereis facilmente evitar as ciladas daqueles espíritos perigosos se tiverdes
diante dos olhos este aviso divino: ‘É pelos frutos que os haveis de
reconhecer’; se observardes que eles ostentam o seu despeito contra tudo o que
manifesta uma obediência pronta, absoluta, inteira aos decretos e às
advertências desta Santa Sé; que da cadeira de São Pedro eles não falam senão
com desdém, chamando-a cúria romana; acusam todos os atos do governo pontifício
como imprudentes ou inoportunos; afetam de aplicar o nome de ultramontanos e
jesuítas aos filhos da Igreja mais zelosos e mais obedientes; afinal, cheios de
orgulho, julgam-se mais sábios e prudentes do que a Igreja à qual foi feita a
promessa de um auxílio divino, especial, eterno.”
Resulta dessas citações do próprio autor
do “Syllabus”, que se o liberalismo é um erro condenável, o catolicismo
liberal, mesmo entendido como princípio, deve ser tratado como inimigo e
considerado como condenado. Não quer isso dizer que a Igreja, assim como vamos
provar, condena absolutamente, de fato, todas as liberdades modernas.
(Mons.
Eugenio Ernesto Cauly, em Curso de Instrução Religiosa - 1900)