Joãozinho é uma dessas crianças
católicas, muito raras hoje em dia, que não separa a piedade da razão ou do
bom senso, e que possui uma virtude (se assim podemos qualificá-la)
tipicamente brasileira: um bom faro, que dificilmente se deixa enganar, embora
algumas vezes se permita isto, pela ausência de melhores razões para assim não
o fazer.
Certa vez, correu à igreja de sua
paróquia, chamada Igreja Bom Pastor, onde na entrada se encontram belas imagens
da Família Sagrada e de São Pio X, e se aproximou ofegante do bom pároco, padre
Fhillé Largaêrrí, para lhe dizer o que há pouco lhe passou.
– Padre, vosssa bênção!
– Deus o abençoe, meu filho. O que
houve? O que o assusta?
– Padre, o senhor não vai acreditar quem
eu conheci há pouco, e que veio pessoalmente até mim para conversar?
– Quem? (indagou o padre, embora não
tivesse interesse no fato)
– Um homem publica e mundialmente muito
ilustre!
– Oh! Há muitos homens assim, Joãozinho.
Fique calmo!
– Padre, espere! Não se trata de
qualquer homem ilustre.
– Pois bem, Joãozinho. Continue!
– Caro padre, ele me perguntou se eu sou
católico; e o estranho é ter ele me dito que também o é. Sinceramente não
entendi o porquê de ele afirmar isto!
– Estranho? Como assim? (disse o padre,
começando a se interessar pelo ocorrido)
– Sim, bondoso padre. Foi o que ele me
disse. E mais, disse que assistia à missa todos os dias.
– Todos os dias? (interferiu rapidamente
o padre) Então, é um santo!
– Padre, desculpe-me, mas se trata da
missa nova. (continuou desanimado Joãozinho)
– Missa Nova?!? Que horror! (gritou
decepcionado o padre)
– Quando lhe falei que eu assistia à
santa missa tridentina, fez-me um sorriso e um joinha.
– Joinha?!? Que homem ilustre é esse,
que faz um joinha, Joãozinho?
– Tem mais, caríssimo padre. Ele afirmou
que a santa missa tridentina é algo que serviu tão somente ao passado, e que o
apego ao passado é um descaso às necessidades prementes dos homens
contemporâneos, que carecem sobretudo de pão e justiça social, e, por isso,
devemos viver o hoje, lutando para acabar com a fome mundial, e buscando a paz
entre os povos.
– O quê? Que imbecilidade! (esbravejou o
padre, já começando a ficar preocupado)
– Tem mais. Disse que não somente
devemos tolerar quaisquer diferenças religiosas, políticas, sociais, sexuais,
de pensamento, de ideias, como a ideologia do gênero, como também fomentá-las,
pois elas engrandecem o homem, levando-o a sua divinização. E que não importa
esta ou aquela religião, pois todas são iguais perante Deus, todas são
centelhas divinas, e juntas devem construir a grande família humana, onde,
então, haverá paz e prosperidade, em uma nova era. Afinal, continuou ele, somos
todos iguais ante o Grande Arquiteto do Universo. E é o homem quem distingue. E
deu como exemplo o fato de ele frequentar templos budistas e islâmicos, seitas
protestantes e sinagogas. Sim, bom padre, até sinagogas!
– Que horror! Maldito homem! Cismático!
Herege! (exclamava alto e bom som o bom padre Fhillé Largaêrrí)
– Padre, mas ele é o...
– Cale-se, Joãozinho! Lembre-se do que
dizia Santo Agostinho: “não importa quem o disse, mas o que disse!”
– Sim, bom padre. Perdoe-me. Posso
continuar?
– Claro. Continue!
– Meu bom padre, não sei se fui educado,
porém, disse a ele que não foi isso que aprendi no catecismo de São Pio X e nas
biografias dos santos, de modo especial, nas dos santos mártires.
– Muito bem, meu caro Joãozinho. Não
somente falou a verdade, como também colocou esse pecador público, herege e
cismático, no seu devido lugar. Continue, por favor, meu filho caríssimo!
– Este ilustre homem me perguntou ainda
o que eu pensava do Concilio Vaticano II, que ele afirmou ser divino,
verdadeiramente inspirado pelo Espírito Santo.
– E o que você respondeu, meu amado
filho? (perguntou-lhe o padre, agora com um desejo veemente de saber as coisas)
– Padre, disse aquilo que aprendi com o
senhor, a saber, que este concílio foi um conciliábulo, um falso concílio,
inspirado por Satanás, comandado por modernistas e traidores, promotores do erro e da heresia, sendo outros anticristos.
– Meu querido filho, que Deus o abençoe.
Quanta verdade! Como você foi bem catequizado. E ele disse mais algo?
– Sim, que isso era ideia de
tradicionalistas retrógrados e desobedientes, que buscam separar ao invés de
unir, e que põem a fé acima da obediência.
– Ah! Miserável! Este imbecil ilustre
coloca a obediência acima da fé. É por isso que vemos a situação desastrosa em
que se encontra esse clero atual, corrupto e corruptor. Ah! Que pena! Se eu
estivesse lá, dar-lhe-ia um belo sopapo. (conclamava o bom
padre Fhillé Largaêrri)
– Padre, mas ele é o pa...
– Quieto, Joãozinho. Será que deverei
repetir a frase do Doutor da Graça?
– Desculpe-me, bom padre.
– Disse ele, Joãozinho, mais alguma
estultice?
– Não, prezado padre. Porém, antes de
ele ir embora, pediu-me o endereço de minha paróquia, e que o avisasse de sua
visita daqui a dois domingos, para conhecê-lo e os fieis paroquianos.
– O quê? Que abusado! AQUI ELE NÃO
ENTRA! NÃO ENTRA!... Então, o engraçadinho, herege e cismático, quer vir aqui,
apresentar-se, conversar com todos, fazer joinhas, e tudo estará muito bem! NÃO
E NÃO!!! Se ele vier, somente permitirei a sua entrada neste templo sagrado
após a sua abjuração pública.
– Sim, padre, muito bem!!! A sua atitude
me encoraja. Faz-me ver quão belo, bom e verdadeiro é o catolicismo. Padres
como o senhor, piedosos, cultos e valentes, disse meu pai, são raros.
– Pois bem, meu querido Joãozinho,
diga-me o nome daquele ilustre, herege e cismático, para que iniciemos uma
novena pela sua conversão.
– Sim, meu padre. O seu nome
é Francisco.
– Fran, o quê? Francisco!
– Sim, padre. Ele é o pap...
– Cale-se, Joãozinho! (interrompeu o
padre, não permitindo o Joãozinho terminar) Quem você pensa que é, para vir
aqui insinuar contra o Pastor Universal? Como pôde, Joãozinho?
– Como, padre?
– Quieto, menino travesso. Não fale
mais! Ó meu Deus, perdoai vosso servo!
– A mim, padre?
– Sim. E também a mim, por ter dado
ouvidos a você.
– Padre, mas...
– Menino, quieto! Nós temos que tomar
muito cuidado com as nossas interpretações, pois o que o papa lhe falou pode
perfeitamente ser interpretado conforme a hermenêutica da continuidade, e ter
um sentido benéfico e salutar para as almas.
– O senhor está falando sério, padre?
– Lógico! E como penitência...
– Penitência, padre?
– Sim, e merecidamente. Você terá que me
trazer uma foto do papa Francisco, para eu colocá-la na sacristia. Aliás, devo
começar os preparativos para a recepção. Afinal, não é todo dia que recebemos a
visita de alguém tão ilustre e santo como o papa. Até mais, Joãozinho.
(Agostinho da Cruz Penido, aos 3/10/2013)