terça-feira, 28 de junho de 2016

218ª Nota - Aqui ele não entra!


Joãozinho é uma dessas crianças católicas, muito raras hoje em dia, que não separa a piedade da razão ou do bom senso, e que possui uma virtude (se assim podemos qualificá-la) tipicamente brasileira: um bom faro, que dificilmente se deixa enganar, embora algumas vezes se permita isto, pela ausência de melhores razões para assim não o fazer.

Certa vez, correu à igreja de sua paróquia, chamada Igreja Bom Pastor, onde na entrada se encontram belas imagens da Família Sagrada e de São Pio X, e se aproximou ofegante do bom pároco, padre Fhillé Largaêrrí, para lhe dizer o que há pouco lhe passou.

– Padre, vosssa bênção! 

– Deus o abençoe, meu filho. O que houve? O que o assusta?

– Padre, o senhor não vai acreditar quem eu conheci há pouco, e que veio pessoalmente até mim para conversar?

– Quem? (indagou o padre, embora não tivesse interesse no fato)

– Um homem publica e mundialmente muito ilustre!

– Oh! Há muitos homens assim, Joãozinho. Fique calmo!

– Padre, espere! Não se trata de qualquer homem ilustre.

– Pois bem, Joãozinho. Continue!

– Caro padre, ele me perguntou se eu sou católico; e o estranho é ter ele me dito que também o é. Sinceramente não entendi o porquê de ele afirmar isto!

– Estranho? Como assim? (disse o padre, começando a se interessar pelo ocorrido)

– Sim, bondoso padre. Foi o que ele me disse. E mais, disse que assistia à missa todos os dias.

– Todos os dias? (interferiu rapidamente o padre) Então, é um santo!

– Padre, desculpe-me, mas se trata da missa nova. (continuou desanimado Joãozinho)

– Missa Nova?!? Que horror! (gritou decepcionado o padre)

– Quando lhe falei que eu assistia à santa missa tridentina, fez-me um sorriso e um joinha.

– Joinha?!? Que homem ilustre é esse, que faz um joinha, Joãozinho? 

– Tem mais, caríssimo padre. Ele afirmou que a santa missa tridentina é algo que serviu tão somente ao passado, e que o apego ao passado é um descaso às necessidades prementes dos homens contemporâneos, que carecem sobretudo de pão e justiça social, e, por isso, devemos viver o hoje, lutando para acabar com a fome mundial, e buscando a paz entre os povos.

– O quê? Que imbecilidade! (esbravejou o padre, já começando a ficar preocupado)

– Tem mais. Disse que não somente devemos tolerar quaisquer diferenças religiosas, políticas, sociais, sexuais, de pensamento, de ideias, como a ideologia do gênero, como também fomentá-las, pois elas engrandecem o homem, levando-o a sua divinização. E que não importa esta ou aquela religião, pois todas são iguais perante Deus, todas são centelhas divinas, e juntas devem construir a grande família humana, onde, então, haverá paz e prosperidade, em uma nova era. Afinal, continuou ele, somos todos iguais ante o Grande Arquiteto do Universo. E é o homem quem distingue. E deu como exemplo o fato de ele frequentar templos budistas e islâmicos, seitas protestantes e sinagogas. Sim, bom padre, até sinagogas! 

– Que horror! Maldito homem! Cismático! Herege! (exclamava alto e bom som o bom padre Fhillé Largaêrrí) 

– Padre, mas ele é o...

– Cale-se, Joãozinho! Lembre-se do que dizia Santo Agostinho: “não importa quem o disse, mas o que disse!”

– Sim, bom padre. Perdoe-me. Posso continuar?

– Claro. Continue!

– Meu bom padre, não sei se fui educado, porém, disse a ele que não foi isso que aprendi no catecismo de São Pio X e nas biografias dos santos, de modo especial, nas dos santos mártires.

– Muito bem, meu caro Joãozinho. Não somente falou a verdade, como também colocou esse pecador público, herege e cismático, no seu devido lugar. Continue, por favor, meu filho caríssimo!

– Este ilustre homem me perguntou ainda o que eu pensava do Concilio Vaticano II, que ele afirmou ser divino, verdadeiramente inspirado pelo Espírito Santo. 

– E o que você respondeu, meu amado filho? (perguntou-lhe o padre, agora com um desejo veemente de saber as coisas)

– Padre, disse aquilo que aprendi com o senhor, a saber, que este concílio foi um conciliábulo, um falso concílio, inspirado por Satanás, comandado por modernistas e traidores, promotores do erro e da heresia, sendo outros anticristos.

– Meu querido filho, que Deus o abençoe. Quanta verdade! Como você foi bem catequizado. E ele disse mais algo?

– Sim, que isso era ideia de tradicionalistas retrógrados e desobedientes, que buscam separar ao invés de unir, e que põem a fé acima da obediência.

– Ah! Miserável! Este imbecil ilustre coloca a obediência acima da fé. É por isso que vemos a situação desastrosa em que se encontra esse clero atual, corrupto e corruptor. Ah! Que pena! Se eu estivesse lá, dar-lhe-ia um belo sopapo. (conclamava o bom padre Fhillé Largaêrri)

– Padre, mas ele é o pa...

– Quieto, Joãozinho. Será que deverei repetir a frase do Doutor da Graça?

– Desculpe-me, bom padre. 

– Disse ele, Joãozinho, mais alguma estultice?

– Não, prezado padre. Porém, antes de ele ir embora, pediu-me o endereço de minha paróquia, e que o avisasse de sua visita daqui a dois domingos, para conhecê-lo e os fieis paroquianos.

– O quê? Que abusado! AQUI ELE NÃO ENTRA! NÃO ENTRA!... Então, o engraçadinho, herege e cismático, quer vir aqui, apresentar-se, conversar com todos, fazer joinhas, e tudo estará muito bem! NÃO E NÃO!!! Se ele vier, somente permitirei a sua entrada neste templo sagrado após a sua abjuração pública.

– Sim, padre, muito bem!!! A sua atitude me encoraja. Faz-me ver quão belo, bom e verdadeiro é o catolicismo. Padres como o senhor, piedosos, cultos e valentes, disse meu pai, são raros.

– Pois bem, meu querido Joãozinho, diga-me o nome daquele ilustre, herege e cismático, para que iniciemos uma novena pela sua conversão.

– Sim,  meu padre. O seu nome é Francisco.

– Fran, o quê? Francisco!

– Sim, padre. Ele é o  pap...

– Cale-se, Joãozinho! (interrompeu o padre, não permitindo o Joãozinho terminar) Quem você pensa que é, para vir aqui insinuar contra o Pastor Universal? Como pôde, Joãozinho?

– Como, padre?

– Quieto, menino travesso. Não fale mais! Ó meu Deus, perdoai vosso servo! 

– A mim, padre? 

– Sim. E também a mim, por ter dado ouvidos a você.

– Padre, mas...

– Menino, quieto! Nós temos que tomar muito cuidado com as nossas interpretações, pois o que o papa lhe falou pode perfeitamente ser interpretado conforme a hermenêutica da continuidade, e ter um sentido benéfico e salutar para as almas.

– O senhor está falando sério, padre?

– Lógico! E como penitência...

– Penitência, padre?

– Sim, e merecidamente. Você terá que me trazer uma foto do papa Francisco, para eu colocá-la na sacristia. Aliás, devo começar os preparativos para a recepção. Afinal, não é todo dia que recebemos a visita de alguém tão ilustre e santo como o papa. Até mais, Joãozinho.

(Agostinho da Cruz Penido, aos 3/10/2013)