A grande angústia de nosso tempo é um
sentimento de excomunhão. Não sentindo em si uma existência própria, uma
atividade própria, o homem precisa desesperadamente de um apoio exterior. Um
andaime que lhe falte, ele logo se sente desvairadamente infeliz, como quem,
num pesadelo, se achasse numa sala onde todo o mundo se divertisse em chinês. É
o relógio parado de Papini, que só está certo quando todos os outros fazem o
favor de vir ao seu encontro; mas que logo fica para trás, morto, quando o
alegre turbilhão de relógios vivos passa, seguindo a dança das horas.
Desajustado, não compreendendo o chinês em que os outros riem e cantam, o
excluído só pode fazer uma coisa que não exige sociabilidade: chorar. E olhe
lá!
O
resultado aí está: uma sociedade em pânico, que tudo aposta na estridência e na
visibilidade; uma sociedade de aterrorizados que pisa os pobres, os pequeninos,
os doentes, na fúria de atingir um estrado em praça pública, de onde possam
fazer, uns aos outros, sinais febris e sem significação.
(Gustavo Corção, excerto de Lições de Abismo)