segunda-feira, 15 de agosto de 2016

239ª Nota - Sociedade em Pânico


A grande angústia de nosso tempo é um sentimento de excomunhão. Não sentindo em si uma existência própria, uma atividade própria, o homem precisa desesperadamente de um apoio exterior. Um andaime que lhe falte, ele logo se sente desvairadamente infeliz, como quem, num pesadelo, se achasse numa sala onde todo o mundo se divertisse em chinês. É o relógio parado de Papini, que só está certo quando todos os outros fazem o favor de vir ao seu encontro; mas que logo fica para trás, morto, quando o alegre turbilhão de relógios vivos passa, seguindo a dança das horas. Desajustado, não compreendendo o chinês em que os outros riem e cantam, o excluído só pode fazer uma coisa que não exige sociabilidade: chorar. E olhe lá!

O resultado aí está: uma sociedade em pânico, que tudo aposta na estridência e na visibilidade; uma sociedade de aterrorizados que pisa os pobres, os pequeninos, os doentes, na fúria de atingir um estrado em praça pública, de onde possam fazer, uns aos outros, sinais febris e sem significação.

(Gustavo Corção, excerto de Lições de Abismo)