As
Edições Karl Zink publicaram as atas de um congresso realizado há precisamente
um ano em Munique, com a aprovação da Autoridade Eclesiástica e por iniciativa
da Academia Católica Bávara. Foi uma reunião de especialistas de sociologia
cristã e representantes do socialismo, para examinar as relações existentes
entre o Cristianismo e o socialismo.
Não é sem
interesse folhear a obra que acaba de aparecer.
Podia
ler-se recentemente, num jornal italiano, que "numerosos escritores da
Contrareforma foram de inspiração socialista", e que "as afirmações
concernentes à pretensa incompatibilidade entre o Catolicismo e o socialismo
não têm nenhum fundamento verdadeiro". No decurso do congresso do Partido
Socialista Italiano, há pouco encerrado, foi igualmente declarado que convém
"abrir caminho à convergência natural das massas católicas e
socialistas", passando "por cima das cabeças dos dirigentes e das
notabilidades".
Mas, na
exposição sincera e leal da doutrina católica e da concepção socialista, feita
pelos relatores do Congresso de Munique, se manifestam claramente as diferenças
que contrapõem uma à outra e a total ausência de convergência entre elas.
O
SOCIALISMO "MODERADO" FOI CONDENADO POR PIO XI
Já na
Encíclica "Quadragesimo Anno", de 1931, considerando as
transformações sofridas pelo socialismo, Pio XI ressaltava que este se tinha
dividido em dois grupos principais, frequentemente hostis um ao outro,
"mas sempre tais, que nenhum dos dois se afasta do fundamento próprio a
todo socialismo, contrário à Fé cristã".
O
primeiro destes dois partidos — explicava Pio XI — é o Partido Comunista, que,
inspirando-se no mais baixo materialismo, professa e sustenta uma luta de
classes encarniçada e a abolição total da propriedade privada. A natureza deste
partido é a justo título definida como "ímpia e injusta".
O
segundo, mais moderado, é o que conservou o nome de "socialismo". Não
somente rejeita o recurso à violência, mas, sem chegar ao repudio da luta de
classes e da abolição da propriedade privada, pelo menos as mitiga com
atenuações e abrandamentos.
Seguindo
este caminho, as máximas do socialismo mais moderado podem chegar a
aproximar-se das reivindicações apresentadas pela doutrina social cristã.
Isto
posto, o Pontífice se dedicava a responder à dúvida expressa por alguns que se
perguntavam se, atenuado o rigor dos falsos princípios da luta de classes e da
abolição da propriedade privada, "os princípios da verdade cristã não
poderiam, também eles, ser mitigados de algum modo, a fim de caminhar rumo ao
socialismo e poder encontrar-se com ele sobre uma via media".
A
resposta é clara: "considerado quer como doutrina, quer como fato
histórico, quer como ação, o socialismo, se continua sendo verdadeiramente
socialismo, mesmo depois de ter concedido à verdade e à justiça o que acabamos
de dizer, não pode conciliar-se com os princípios da Igreja Católica, pois a
concepção que ele tem da sociedade não poderia ser mais contraria à verdade
cristã".
RAZÃO DE
SUA INCOMPATIBILIDADE COM A RELIGIÃO CATÓLICA
A
Encíclica nos dá também a razão disto. O fim do homem é que, "vivendo em
sociedade e sob uma autoridade emanada de Deus, ele cultive e desenvolva
plenamente todas as suas faculdades para louvor e gloria de seu Criador, e,
cumprindo fielmente os deveres de sua profissão..., assegure sua felicidade não
só temporal mas também eterna. O socialismo, pelo contrário, ignorando
completamente este fim sublime do homem e da sociedade, ou desprezando-o, supõe
que a comunidade humana foi constituída exclusivamente em vista do
bem-estar". E como o bem-estar material não pode ser obtido sem o
desenvolvimento da produção, este se torna uma exigência suprema, à qual devem
ser submetidos e mesmo sacrificados "os bens mais elevados do homem, sem
excetuar a liberdade, em razão das exigências de uma produção mais racional.
Este golpe desferido contra a dignidade na organização socializada da produção,
será largamente compensado, asseguram eles, pela abundância dos bens que,
produzidos socialmente, serão prodigalizados aos indivíduos. A sociedade,
portanto, como a sonha o socialismo, de um lado não pode existir, nem mesmo
conceber-se, sem uma coação manifestamente excessiva, e de outro, goza de uma
licença não menos falsa, visto que nela desaparece toda verdadeira autoridade
social; com efeito, esta não pode fundar-se sobre os interesses temporais e
materiais, mas só pode provir de Deus, criador e fim último de todas as
coisas".
"A
FORTIORI" FOI CONDENADO O SOCIALISMO EXTREMISTA
Este
ensinamento solene, sendo válido para o socialismo transformado e moderado, o é
com maior razão para o socialismo que aceita o marxismo como fundamento; que,
ao mesmo tempo em que se proclama democrático e independente do comunismo,
exclui, relativamente a este último — como ocorre na Itália — "todo
antagonismo preconcebido, sem prejuízo da união dos operários nas lutas de
reivindicação imediata, e acima de tudo nas lutas da C. G. I. L. (1)..., na
defesa dos postos de mando nas municipalidades, nas cooperativas, nas
organizações de fábricas ou de empresas"; que se propõe "privar as
classes capitalistas de todo direito de propriedade"; para o qual "as
reformas de estrutura" são a "reforma atual da luta pelo poder";
que propugna "uma direção pública da economia, um plano, um controle dos
investimentos, a nacionalização dos setores industriais de interesse
público".
INCONCEBÍVEIS
ESPERANÇAS DE COOPERAÇÃO ENTRE CATÓLICOS E SOCIALISTAS
Apesar da
clareza dos ensinamentos pontifícios, alguns, preocupados excessivamente com
realizações práticas imediatas, quereriam, ao menos temporariamente, pôr de
lado os princípios.
Mas não
vemos de que modo se possam ignorar os fundamentos ideológicos que inspiram,
caracterizam, determinam o fim último da ação prática. A verdade é que, embora
por vezes os socialistas recorram ao Evangelho, de fato lhe falseiam o sentido,
e, nos princípios essenciais, há antítese entre Cristianismo e socialismo.
O
TOTALITARISMO ESTATAL NO SISTEMA SOCIALISTA
A
concepção socialista do Estado não é cristã. O Estado senhor da economia é
senhor de tudo. O totalitarismo econômico leva inevitavelmente a atribuir ao
Estado funções, encargos, direitos, que não lhe cabem. O socialismo o
transforma numa gigantesca máquina administrativa, que despersonaliza o
indivíduo pela multiplicidade dos seus controles. Ademais, o socialismo (embora
não seja o único nessas condições) separa a economia da moral, enquanto que
para o Cristianismo a ordem econômica e a ordem moral não são estranhas uma à
outra, mas dependem uma da outra.
A LUTA DE
CLASSES É CONDENADA PELA IGREJA
Nas
relações entre as classes, o socialismo é pela luta, se bem que sob forma
mitigada. Ora, a luta de classes é um princípio errôneo, que a Igreja não pode
aceitar, entre outras razões, porque, conforme mostrou Pio XII, ela não pode
ser um fim social e não resolve o problema do trabalho. A Igreja ensina que se
deve tender à colaboração e à harmonia das classes através de uma coordenarão
entre o empregador e o operário, entre o capital e o trabalho; Ela ensina
igualmente que a oposição entre ricos e pobres, entre operários e patrões, pode
ser resolvida pela aplicação integral dos princípios cristãos.
IMPIEDADE
OU INDIFERENTISMO RELIGIOSO NO REGIME SOCIALISTA
Diferentes
— não é necessário dizê-lo — são as posições de ambos em face da Religião. O
socialismo, quando não se opõe abertamente a esta, considera-a como um fato
puramente pessoal, e chega à indiferença para com toda forma de religião. Esta
indiferença é contraria à razão e, como nasce do ateísmo, conduz a ele.
O
SOCIALISMO DESTRÓI OS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA
Concebem
ambos o matrimônio de maneiras também opostas. Para a Igreja ele é uma
instituição sagrada e não um contrato puramente civil. A vida familiar, segundo
o direito natural, se funda sobre a indissolubilidade do vínculo. Os princípios
socialistas, pelo contrário, dissolvem e destroem a vida familiar, pois lhe
arrebatam a força resultante do matrimonio cristão e favorecem o divórcio:
relembremos a este propósito o projeto de lei de parlamentares italianos em
favor de um "pequeno divórcio" (pequeno por enquanto).
Negando à
vida humana todo caráter espiritual, o socialismo faz do matrimonio e da
família uma instituição puramente artificial e civil, isto é, o fruto de um
sistema econômico determinado. Em oposição, a família é para o Cristianismo a
base e a célula fundamental da sociedade, o centro de toda a educação e de toda
a cultura. Ela possui direitos inalienáveis e independentes do poder do Estado,
tais como, justamente, a indissolubilidade, a proteção da vida antes do
nascimento, os direitos dos pais sobre os filhos perante o Estado, — direitos
que este não pode violar.
ESTATISMO
E AGNOSTICISMO NO ENSINO SOCIALISTA
Diferentes
são, enfim, os princípios cristãos e socialistas relativos ao ensino e à
educação. Em primeiro lugar, o Cristianismo não pode aceitar o princípio
segundo o qual o ensino seria uma função principalmente, senão exclusivamente,
da competência do Estado. Para o socialismo, ademais, a liberdade de ensino
consistiria na escola laica, neutra, de total agnosticismo quanto ao ensino
religioso. É supérfluo acentuar quanto essa concepção está afastada da doutrina
católica sobre a educação.
O
MATERIALISMO É INERENTE AO SOCIALISMO
Não ressaltamos
senão algumas das divergências fundamentais entre o Cristianismo e o
socialismo. A razão profunda dessas divergências reside no fato de o socialismo
não ter em nenhuma conta a ordem sobrenatural. Disto decorre que, mesmo nas
reivindicações sociais, ele parte de princípios diferentes, emprega meios
diferentes, tende a fins diferentes dos do Cristianismo.
Poder-se-ia
assinalar que os princípios errôneos expostos acima não são próprios ao
socialismo, mas pertencem também a outras ideologias, tais como o liberalismo
ou o laicismo, É bem assim, com efeito. Durante o congresso de que falávamos no
início deste artigo, uma das mais importantes personalidades presentes frisou
exatamente que um dos componentes do marxismo é o liberalismo racionalista.
A MÃO ESTENDIDA:
PERIGOSO E FALAZ ESTRATAGEMA
Isto
dito, vê-se claramente o que pensar de certas mãos estendidas. Neste momento,
na Itália, o socialismo estende suas mãos para dois lados: uma delas, em nome
da unidade da classe operaria, quer apertar a do comunismo. A outra está
estendida aos católicos, e não somente pelos socialistas que, embora ficando
solidários com os comunistas, afirmam que desejam situar-se no terreno da
democracia, mas também por aqueles que querem estar com os comunistas em
qualquer caso, e pedem que os católicos votem no Partido Socialista, reservando
a este último papel de elo de junção entre católicos e comunistas.
Estes, de
sua parte, estão sempre prontos, sob os mais diversos pretextos, a atrair a si
quantos possam nutrir a ilusão de utilizá-los para seus fins, quando na
realidade são esses ingênuos que se tornam instrumentos mais ou menos
inconscientes do comunismo.
UMA SÁBIA
ADVERTÊNCIA DE PIO XI
Pio XI
igualmente alertou os fiéis contra este perigo, nessa outra grande Encíclica
que é a "Divini Redemptoris": "Sem nada abandonar de seus
princípios perversos, eles convidam os católicos a colaborar no terreno
humanitário e caritativo, como se diz, propondo às vezes coisas inteiramente
conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja... O comunismo é
intrinsecamente mau, e não se pode admitir colaborarão com ele em terreno
algum, por parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. Se
alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo em seu país,
seriam os primeiros a perecer, vítimas de seu próprio desatino".
Nada
perderam de sua atualidade estas palavras; dir-se-ia mesmo que as
circunstancias fazem com que se apliquem melhor ainda aos problemas de nossa
época.
(1) Confederação
Geral Italiana do Trabalho, organismo sindical dominado pelos comunistas (N.
R.).