sábado, 20 de outubro de 2018

409ª Nota - Não há "convergências" entre socialismo e cristianismo



As Edições Karl Zink publicaram as atas de um congresso realizado há precisamente um ano em Munique, com a aprovação da Autoridade Eclesiástica e por iniciativa da Academia Católica Bávara. Foi uma reunião de especialistas de sociologia cristã e representantes do socialismo, para examinar as relações existentes entre o Cristianismo e o socialismo.
Não é sem interesse folhear a obra que acaba de aparecer.
Podia ler-se recentemente, num jornal italiano, que "numerosos escritores da Contrareforma foram de inspiração socialista", e que "as afirmações concernentes à pretensa incompatibilidade entre o Catolicismo e o socialismo não têm nenhum fundamento verdadeiro". No decurso do congresso do Partido Socialista Italiano, há pouco encerrado, foi igualmente declarado que convém "abrir caminho à convergência natural das massas católicas e socialistas", passando "por cima das cabeças dos dirigentes e das notabilidades".
Mas, na exposição sincera e leal da doutrina católica e da concepção socialista, feita pelos relatores do Congresso de Munique, se manifestam claramente as diferenças que contrapõem uma à outra e a total ausência de convergência entre elas.
O SOCIALISMO "MODERADO" FOI CONDENADO POR PIO XI
Já na Encíclica "Quadragesimo Anno", de 1931, considerando as transformações sofridas pelo socialismo, Pio XI ressaltava que este se tinha dividido em dois grupos principais, frequentemente hostis um ao outro, "mas sempre tais, que nenhum dos dois se afasta do fundamento próprio a todo socialismo, contrário à Fé cristã".
O primeiro destes dois partidos — explicava Pio XI — é o Partido Comunista, que, inspirando-se no mais baixo materialismo, professa e sustenta uma luta de classes encarniçada e a abolição total da propriedade privada. A natureza deste partido é a justo título definida como "ímpia e injusta".
O segundo, mais moderado, é o que conservou o nome de "socialismo". Não somente rejeita o recurso à violência, mas, sem chegar ao repudio da luta de classes e da abolição da propriedade privada, pelo menos as mitiga com atenuações e abrandamentos.
Seguindo este caminho, as máximas do socialismo mais moderado podem chegar a aproximar-se das reivindicações apresentadas pela doutrina social cristã.
Isto posto, o Pontífice se dedicava a responder à dúvida expressa por alguns que se perguntavam se, atenuado o rigor dos falsos princípios da luta de classes e da abolição da propriedade privada, "os princípios da verdade cristã não poderiam, também eles, ser mitigados de algum modo, a fim de caminhar rumo ao socialismo e poder encontrar-se com ele sobre uma via media".
A resposta é clara: "considerado quer como doutrina, quer como fato histórico, quer como ação, o socialismo, se continua sendo verdadeiramente socialismo, mesmo depois de ter concedido à verdade e à justiça o que acabamos de dizer, não pode conciliar-se com os princípios da Igreja Católica, pois a concepção que ele tem da sociedade não poderia ser mais contraria à verdade cristã".
RAZÃO DE SUA INCOMPATIBILIDADE COM A RELIGIÃO CATÓLICA
A Encíclica nos dá também a razão disto. O fim do homem é que, "vivendo em sociedade e sob uma autoridade emanada de Deus, ele cultive e desenvolva plenamente todas as suas faculdades para louvor e gloria de seu Criador, e, cumprindo fielmente os deveres de sua profissão..., assegure sua felicidade não só temporal mas também eterna. O socialismo, pelo contrário, ignorando completamente este fim sublime do homem e da sociedade, ou desprezando-o, supõe que a comunidade humana foi constituída exclusivamente em vista do bem-estar". E como o bem-estar material não pode ser obtido sem o desenvolvimento da produção, este se torna uma exigência suprema, à qual devem ser submetidos e mesmo sacrificados "os bens mais elevados do homem, sem excetuar a liberdade, em razão das exigências de uma produção mais racional. Este golpe desferido contra a dignidade na organização socializada da produção, será largamente compensado, asseguram eles, pela abundância dos bens que, produzidos socialmente, serão prodigalizados aos indivíduos. A sociedade, portanto, como a sonha o socialismo, de um lado não pode existir, nem mesmo conceber-se, sem uma coação manifestamente excessiva, e de outro, goza de uma licença não menos falsa, visto que nela desaparece toda verdadeira autoridade social; com efeito, esta não pode fundar-se sobre os interesses temporais e materiais, mas só pode provir de Deus, criador e fim último de todas as coisas".
"A FORTIORI" FOI CONDENADO O SOCIALISMO EXTREMISTA
Este ensinamento solene, sendo válido para o socialismo transformado e moderado, o é com maior razão para o socialismo que aceita o marxismo como fundamento; que, ao mesmo tempo em que se proclama democrático e independente do comunismo, exclui, relativamente a este último — como ocorre na Itália — "todo antagonismo preconcebido, sem prejuízo da união dos operários nas lutas de reivindicação imediata, e acima de tudo nas lutas da C. G. I. L. (1)..., na defesa dos postos de mando nas municipalidades, nas cooperativas, nas organizações de fábricas ou de empresas"; que se propõe "privar as classes capitalistas de todo direito de propriedade"; para o qual "as reformas de estrutura" são a "reforma atual da luta pelo poder"; que propugna "uma direção pública da economia, um plano, um controle dos investimentos, a nacionalização dos setores industriais de interesse público".
INCONCEBÍVEIS ESPERANÇAS DE COOPERAÇÃO ENTRE CATÓLICOS E SOCIALISTAS
Apesar da clareza dos ensinamentos pontifícios, alguns, preocupados excessivamente com realizações práticas imediatas, quereriam, ao menos temporariamente, pôr de lado os princípios.
Mas não vemos de que modo se possam ignorar os fundamentos ideológicos que inspiram, caracterizam, determinam o fim último da ação prática. A verdade é que, embora por vezes os socialistas recorram ao Evangelho, de fato lhe falseiam o sentido, e, nos princípios essenciais, há antítese entre Cristianismo e socialismo.
O TOTALITARISMO ESTATAL NO SISTEMA SOCIALISTA
A concepção socialista do Estado não é cristã. O Estado senhor da economia é senhor de tudo. O totalitarismo econômico leva inevitavelmente a atribuir ao Estado funções, encargos, direitos, que não lhe cabem. O socialismo o transforma numa gigantesca máquina administrativa, que despersonaliza o indivíduo pela multiplicidade dos seus controles. Ademais, o socialismo (embora não seja o único nessas condições) separa a economia da moral, enquanto que para o Cristianismo a ordem econômica e a ordem moral não são estranhas uma à outra, mas dependem uma da outra.
A LUTA DE CLASSES É CONDENADA PELA IGREJA
Nas relações entre as classes, o socialismo é pela luta, se bem que sob forma mitigada. Ora, a luta de classes é um princípio errôneo, que a Igreja não pode aceitar, entre outras razões, porque, conforme mostrou Pio XII, ela não pode ser um fim social e não resolve o problema do trabalho. A Igreja ensina que se deve tender à colaboração e à harmonia das classes através de uma coordenarão entre o empregador e o operário, entre o capital e o trabalho; Ela ensina igualmente que a oposição entre ricos e pobres, entre operários e patrões, pode ser resolvida pela aplicação integral dos princípios cristãos.
IMPIEDADE OU INDIFERENTISMO RELIGIOSO NO REGIME SOCIALISTA
Diferentes — não é necessário dizê-lo — são as posições de ambos em face da Religião. O socialismo, quando não se opõe abertamente a esta, considera-a como um fato puramente pessoal, e chega à indiferença para com toda forma de religião. Esta indiferença é contraria à razão e, como nasce do ateísmo, conduz a ele.
O SOCIALISMO DESTRÓI OS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA
Concebem ambos o matrimônio de maneiras também opostas. Para a Igreja ele é uma instituição sagrada e não um contrato puramente civil. A vida familiar, segundo o direito natural, se funda sobre a indissolubilidade do vínculo. Os princípios socialistas, pelo contrário, dissolvem e destroem a vida familiar, pois lhe arrebatam a força resultante do matrimonio cristão e favorecem o divórcio: relembremos a este propósito o projeto de lei de parlamentares italianos em favor de um "pequeno divórcio" (pequeno por enquanto).
Negando à vida humana todo caráter espiritual, o socialismo faz do matrimonio e da família uma instituição puramente artificial e civil, isto é, o fruto de um sistema econômico determinado. Em oposição, a família é para o Cristianismo a base e a célula fundamental da sociedade, o centro de toda a educação e de toda a cultura. Ela possui direitos inalienáveis e independentes do poder do Estado, tais como, justamente, a indissolubilidade, a proteção da vida antes do nascimento, os direitos dos pais sobre os filhos perante o Estado, — direitos que este não pode violar.
ESTATISMO E AGNOSTICISMO NO ENSINO SOCIALISTA
Diferentes são, enfim, os princípios cristãos e socialistas relativos ao ensino e à educação. Em primeiro lugar, o Cristianismo não pode aceitar o princípio segundo o qual o ensino seria uma função principalmente, senão exclusivamente, da competência do Estado. Para o socialismo, ademais, a liberdade de ensino consistiria na escola laica, neutra, de total agnosticismo quanto ao ensino religioso. É supérfluo acentuar quanto essa concepção está afastada da doutrina católica sobre a educação.
O MATERIALISMO É INERENTE AO SOCIALISMO
Não ressaltamos senão algumas das divergências fundamentais entre o Cristianismo e o socialismo. A razão profunda dessas divergências reside no fato de o socialismo não ter em nenhuma conta a ordem sobrenatural. Disto decorre que, mesmo nas reivindicações sociais, ele parte de princípios diferentes, emprega meios diferentes, tende a fins diferentes dos do Cristianismo.
Poder-se-ia assinalar que os princípios errôneos expostos acima não são próprios ao socialismo, mas pertencem também a outras ideologias, tais como o liberalismo ou o laicismo, É bem assim, com efeito. Durante o congresso de que falávamos no início deste artigo, uma das mais importantes personalidades presentes frisou exatamente que um dos componentes do marxismo é o liberalismo racionalista.
A MÃO ESTENDIDA: PERIGOSO E FALAZ ESTRATAGEMA
Isto dito, vê-se claramente o que pensar de certas mãos estendidas. Neste momento, na Itália, o socialismo estende suas mãos para dois lados: uma delas, em nome da unidade da classe operaria, quer apertar a do comunismo. A outra está estendida aos católicos, e não somente pelos socialistas que, embora ficando solidários com os comunistas, afirmam que desejam situar-se no terreno da democracia, mas também por aqueles que querem estar com os comunistas em qualquer caso, e pedem que os católicos votem no Partido Socialista, reservando a este último papel de elo de junção entre católicos e comunistas.
Estes, de sua parte, estão sempre prontos, sob os mais diversos pretextos, a atrair a si quantos possam nutrir a ilusão de utilizá-los para seus fins, quando na realidade são esses ingênuos que se tornam instrumentos mais ou menos inconscientes do comunismo.
UMA SÁBIA ADVERTÊNCIA DE PIO XI
Pio XI igualmente alertou os fiéis contra este perigo, nessa outra grande Encíclica que é a "Divini Redemptoris": "Sem nada abandonar de seus princípios perversos, eles convidam os católicos a colaborar no terreno humanitário e caritativo, como se diz, propondo às vezes coisas inteiramente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja... O comunismo é intrinsecamente mau, e não se pode admitir colaborarão com ele em terreno algum, por parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. Se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo em seu país, seriam os primeiros a perecer, vítimas de seu próprio desatino".
Nada perderam de sua atualidade estas palavras; dir-se-ia mesmo que as circunstancias fazem com que se apliquem melhor ainda aos problemas de nossa época.
(1) Confederação Geral Italiana do Trabalho, organismo sindical dominado pelos comunistas (N. R.).