sábado, 20 de outubro de 2018

410ª Nota - "Façamos progredir o Islã e a África será nossa"


O Papa Pio XII em uma das suas últimas Encíclicas "Fidei donum", chamou o atenção da Igreja Universal para os quatro grandes perigos que ameaçam o futuro humano e cristão da África hodierna: o nacionalismo exacerbado dos europeus e dos indígenas, o materialismo ateu, o Islã e a civilização técnica.
Nos últimos tempos assistimos ao reaparecimento do islamismo como força poderosa no palco da política mundial. "Catolicismo" já tratou do assunto, mais de uma vez, em anos passados. Mas a religião de Alá continua a conquistar novos adeptos e novas nações: vários territórios, nos quais a presença muçulmana é mais intensa, ficaram independentes ou ficarão proximamente. Mais cedo ou mais tarde os sequazes de Mafoma voltarão os olhos para o Ocidente cristão que, em outras épocas, tentaram conquistar para sua falsa crença. Hoje as consequências de uma tal conquista seriam piores, se é que se pode piorar o péssimo, porque ao lado do Crescente venceria o materialismo ateu, o comunismo, do qual os muçulmanos se tornaram aliados, quando não missionários.
O Islã não pode ser considerado um obstáculo sério para o comunismo, em que pese a opinião em contrário de muitos autores, inclusive católicos. Esclarecedoras a esse propósito são as palavras de um libanês, professor na Universidade de Beirute: "Um mito que está muito difundido, e inteiramente fora da realidade, é a afirmação de que, entre os elementos que se levantam como uma barreira contra a expansão do comunismo, figura a hostilidade do Islã às doutrinas do materialismo ateu. Somos de opinião que o Islã, apesar de sua hostilidade às doutrinas do materialismo ateu, absolutamente não representa uma garantia contra a expansão comunista; pelo contrário, ele a prepara" (cf. "Etudes", julho-agosto-setembro de 1958).
Atualmente, o alvo principal do proselitismo maometano é a África negra. Ali o comunismo está presente, assistindo e favorecendo na sombra a evolução e o progresso do Islã. Estão sendo fundados estabelecimentos soviéticos em muitos pontos da costa ocidental africana. Esses estabelecimentos, sob o disfarce de associações teatrais e culturais, difundem a "boa nova" marxista; sob a capa de empresas comerciais, introduzem armas e mercadorias necessárias à consecução de seus funestos fins; sob as aparências de sociedades de pesca, adquirem navios e bases nos portos. Ainda recentemente, nativos que só possuíam flechas e fuzis antigos apareceram com o mais moderno armamento automático. Em algumas regiões, órgãos do Partido Comunista desenvolvem atividades administrativas paralelas a administração oficial, e seus elementos exercem sobre os habitantes a conhecida e eficiente chantagem: "Nós somos o povo: Se você não está conosco, é contra o povo. Deve morrer".
Procurando enfraquecer a influência das nações ocidentais e alimentando as aspirações de independência das colônias, o comunismo almeja dominar toda a África. Para isso encontra um auxiliar valioso no Islã. No Congresso Comunista africano de 1955, a palavra de ordem dada aos ativistas do Partido foi: "Façamos progredir o Islã e a África será nossa".
BREVE HISTÓRICO DO ISLÃ NA ÁFRICA NEGRA
A faixa de terra que se estende do Oceano Atlântico ao Índico, entre os paralelos 8 e 16 de latitude Norte, bem como a costa oriental até Moçambique, inclusive as ilhas de Madagascar e Comores e no centro o Ruanda Burundi, são as regiões do continente negro que sofreram e sofrem a mais ampla penetração do islamismo. Aparecem sombreadas no mapa que ilustra este artigo.
Os ataques dos maometanos à África, por terra e por mar, de acordo com as necessidades estratégicas, iniciaram-se no século VIII da nossa era. A Mauritânia foi o primeiro território negro a "converter-se", pelo poder das armas, à fé alcorânica. Em 1040, o que até então não passara de ação de tropas isoladas e independentes se transformou em "guerra santa" organizada. No século XIII, os nativos convertidos pelos primeiros conquistadores subjugaram outros povos negros, obrigando-os também a aceitar a religião de Maomé. No início do século XVII, porém, o Islã negro está em plena decadência.
Duzentos anos mais tarde há uma renovação da fé muçulmana entre os nativos, e novas guerras, novas conversões, acrescentam milhares de quilômetros quadrados aos que tinham sido anteriormente conquistados para a bandeira do Profeta. Essa renovação se deve, em grande parte, às confrarias secretas e de mistérios que dominam inteiramente o Islã africano do século XIX.
É nessa ocasião, também, que os europeus, principalmente franceses e ingleses, iniciam a colonizarão intensiva e programada do continente. Sua preocupação já não é mais converter os pagãos à verdadeira Religião, como acontecia com os portugueses, espanhóis e, mesmo, franceses do século XVI, mas conseguir matérias-primas e mercados para sua indústria nascente.
O PROSELITISMO MUÇULMANO MUDA DE MÉTODO
Os europeus, ao submeterem os povos africanos, foram obrigados, por conveniências comerciais, a impor a paz entre as diversas tribos, a exemplo da "pax romana". A partir desse momento o proselitismo islamítico muda de método. Não diminui, como poderia esperar; pelo contrário, aumenta. Já não se serve mais da espada, mas encontra novo apoio na administração colonial. A paz favorece intensamente a propaganda muçulmana, pois facilita as comunicações. Graças à técnica introduzida pelos colonizadores, as ideias viajam mais depressa que os homens: o telégrafo e o rádio penetram no coração da selva, os discos são vendidos até nas aldeias, o cinema instala-se progressivamente em todos os centros urbanos.
Um outro fato auxilia a tarefa dos maometanos, e é que, posta em convívio com a civilização europeia, a sociedade animista desmorona. Animismo é o nome dado ao conjunto das religiões tradicionais dos negros africanos, que cultuam os espíritos e têm no fetichismo o seu denominador comum. São religiões essencialmente locais e sociais; são próprias de um grupo humano determinado e não substituem a não ser em seu universo fechado, que rui em contacto com o mundo exterior. Funcionários, médicos, professores, comerciantes e colonos europeus trazem ideias novas, totalmente incompreensíveis para os nativos. Cria-se em suas almas um imenso vácuo. Quem o preencherá? O islamismo? O Catolicismo? O laicismo oficial?
O laicismo não atrai os negros, que o confundem, com razão, com o ateísmo de que os afasta seu espírito profundamente religioso.
O Catolicismo encontra desde logo adeptos em numerosas tribos; mas exige esforços que não agradam à natureza humana decaída. Ser católico implica na observância de regras morais árduas e na aceitação de dogmas sublimes. A alma negra, degradada por milhares de anos de paganismo, deve reformar-se totalmente para ser admitida no seio da Igreja. Essas circunstâncias adversas à ação da graça são agravadas — como veremos — pela atitude da administração colonial, que, longe de colaborar com as Missões, favorece positivamente o proselitismo alcorânico.
O Islã, pelo contrário, exerce uma grande sedução natural sobre esses povos. Várias de suas instituições são semelhantes às dos nativos: a estrutura social, as sociedades secretas de fundo esotérico, a poligamia, a escravatura, e muitas outras. O caráter tolerante da pregação islamítica, sua maleabilidade e poder de adaptação à barbárie são outros grandes fatores do êxito da religião de Maomé em terras da África. Por outro lado, a conversão ao islamismo, sem modificar os costumes pagãos e bárbaros do negro, representa para ele uma promoção na escala social: um muçulmano é mais respeitado nesse ambiente do que um animista ou um católico; o indígena maometano tem a impressão de pertencer a uma família espiritual antiga e gloriosa, a uma fraternidade eficaz — o auxilio mútuo entre os muçulmanos é real — a uma das grandes religiões do mundo. E, nos dias que correm, o Alcorão se apresenta a si mesmo como a esperança dos oprimidos, o redentor dos povos negros, o libertador dos africanos... Estes, esquecidos dos séculos de dominação cruel, do "crê ou morre", dos tributos de carne humana, voltam-se para o Islã que se arvora em mentor de pretensos nacionalismos afro-asiáticos e se identifica com movimentos de emancipação, ao mesmo tempo que prepara o terreno de sua própria expansão.
OS MISSIONÁRIOS DO ISLÃ E SEUS COLABORADORES CRISTÃOS
Os propagandistas do islamismo na África negra são, sobretudo, os viajantes. Em primeiro lugar, os comerciantes que, levando suas mercadorias por toda parte, são ao mesmo tempo missionários infatigáveis. Depois de alguns anos de peregrinação, eles fixam residência. Compram terras e mulheres. Fundam um estabelecimento comercial que será também um foco de proselitismo. Nos centros urbanos constroem bairros próprios, onde hospedam os estrangeiros pagãos e lhes ensinam o Alcorão. Nas estradas mais afastadas, em plena selva bruta, numa encruzilhada ou numa ponte, poder-se-á encontrar em ação um desses comerciantes-pregadores, geralmente hindus da seita ismaelita, dirigida pelo Aga Khan.
Outro missionário eficiente é o pastor nômade; enquanto conduz seu gado de pastagem em pastagem, ele vai conquistando novos correligionários.
Uma nova classe de viajantes surgiu nos últimos tempos, cuja importância para o proselitismo aumenta cada vez mais: os jovens que vão procurar trabalho longe de suas tribos, principalmente nas cidades. Capatazes e estalajadeiros, que são em geral muçulmanos, antes de darem um emprego ou um quarto para dormir, exigem que o candidato se converta à sua religião. Voltando à tribo, esses jovens fazem propaganda do Alcorão, pelo menos para se mostrarem superiores aos seus irmãos animistas.
O marabu é um missionário todo especial. Segundo a descrição de um Sacerdote católico que passou muitos anos na África, ele é vagamente alfabetizado, sabe alguns versículos do livro sagrado ou de algum comentador tradicional, e ostenta esses parcos conhecimentos como se fosse um sábio. Vangloria-se dos países que percorreu, dos centros alcorânicos que frequentou e dos homens "santos" que visitou. Dirige o culto a Alá e goza da consideração que, nessas populações profundamente religiosas, nunca falta aos homens de oração. E, sobretudo, o marabu não se acanha em substituir o feiticeiro da tribo, que acaba sendo expulso. Em algumas regiões são esses curiosos missionários os mais famosos "dominadores" de forças ocultas e satânicas.
A uma seita de caráter sincretista, Ahmadyia, o Islã deve uma inovação: a criação de missões organizadas. Esses sectários percorrem toda a África negra e procuram não só converter animistas, mas principalmente afastar seus irmãos de religião daquilo que se chamam de infecção do marabutismo. Seu prestigio é tal, que comumente os nativos lhes dão o nome de "bispos muçulmanos".
Os ortodoxos sunitas também iniciaram nos últimos anos uma ação missionária regular. A iniciativa coube ao governo do Cairo e é parte integrante da política geral do novo Egito. Recentemente, a Universidade de El Azhar, o maior centro de estudos muçulmanos da atualidade, inaugurou uma secção missionária: mais de mil alunos procedentes da África negra estavam inscritos em seus cursos no ano passado. Terminados os estudos, e depois de terem respirado a atmosfera revolucionaria que caracteriza essa Universidade, onde a religião está intimamente ligada à política, eles voltam para suas regiões de origem, convencidos e orgulhosos de sua nova missão, que se integra no plano de tornar muçulmano, e mesmo árabe (como às vezes se pode entrever), o seu mundo pagão.
Mais, talvez, do que qualquer destes propagandistas, os europeus, e especialmente a administração colonial, favoreceram o progresso do Islã na África. - Mons. Bressoles, Diretor da Obra Pontifícia da Santa Infância e Capelão Geral honorário da Marinha francesa, em conferência pronunciada em Paris para a "Alliance Jeanne d'Arc" ("La Pensée Catholique", número 55 de 1958) — trabalho do qual extraímos diversos dados citados neste artigo — afirma: "É um fato clamoroso que, durante cem anos, a administração francesa tenha quase sempre reservado sua benevolência e dado seu apoio ao Islã. Eu especifico: ela impôs chefes muçulmanos a agrupamentos animistas; deu-lhes professores muçulmanos, enfermeiras muçulmanas, funcionários muçulmanos, toda uma contextura à qual se soma, a seu tempo, a contextura militar que coloca geralmente os recrutas animistas sob a autoridade de graduados muçulmanos. Ela introduziu os marabus nessas populações. Fez administrar a justiça segundo o Alcorão, entre duas partes pagãs. Construiu mesquitas, escolas alcorânicas, casas muçulmanas para os habitantes mais civilizados das cidades, subvencionou o estabelecimento de Medersas (escolas superiores muçulmanas), organizou, financiou e patrocinou a peregrinação a Meca. Enfim, a administração francesa aumentou de todas as maneiras o prestigio do Islã, prodigalizando distinções e honras aos chefes muçulmanos, inclusive os marabus, proclamando-se grande nação muçulmana". É a Filha primogênita da Igreja fazendo-se passar por filha de Mafoma!
Um oficial do exército francês declarou recentemente: "Por meio de nossa administração, assim como através da facilidade de comunicações que colocamos à disposição de todos, fizemos mais pela difusão do Islã nos últimos cinqüenta anos do que os marabus em três séculos" (cf. "Etudes", número citado).
A administração inglesa, partindo de princípios protestantes, favoreceu os muçulmanos na mesma medida.
Acrescente-se a todo esse esforço de proselitismo a dura realidade de que o maometano não se converte com facilidade ao Catolicismo. O animista feito sectário do Crescente sente orgulho de sua nova religião, e a sociedade alcorânica vincula de tal forma a alma de seus adeptos, que estes se tornam como que incapazes de abandoná-la.
Uma população evangelizada, por sua vez, não presta ouvidos aos arautos do Profeta, que, diante dela, perderam todo e qualquer prestígio. A pregação do Evangelho constitui a única barreira sólida aos progressos do Alcorão.
O PERIGO EXPRESSO EM NÚMEROS E ESTATISTICAS
Alguns observadores negam a existência de um problema muçulmano nessas regiões.
Afirmam que a difusão do Catolicismo é ali muito mais rápida do que a do islamismo. Assim o Pe. Sastre, Sacerdote dahomês que foi Capelão dos estudantes africanos em Paris, escreve: "A propósito do Islã, é um erro, em nossa opinião, falar de uma ameaça ou de um perigo muçulmano na África negra. Uma tal visão das coisas esconde uma preocupação política". Nós é que poderíamos perguntar se a negação de um fato tão evidente, apontado ademais pelo Santo Padre XII, não tem atrás de si uma razão política não confessada.
A Sagrada Congregação de Propagação da Fé publicou ultimamente a seguinte estatística sobre a situação religiosa na África negra: população total, 150 milhões, dos quais 85 milhões (56%) de animistas, 47 milhões (31%) de muçulmanos e 18 milhões (12%) de católicos; de 1931 a 1951, houve 8.100.000 conversões ao Catolicismo e 19.200.000 ao Alcorão. Assim, para cada pagão convertido à Religião verdadeira, 2,5 aderem à superstição de Maomé.
Se considerarmos, não o conjunto da África negra, mas apenas a região por nós delimitada de início, teremos, segundo abundantes testemunhos de Padres missionários, um aumento de número de muçulmanos cinco vezes maior do que o de católicos.
Os 31% de adeptos do Islã estão concentrados nessa zona, que — como já ficou dito — aparece sombreada no mapa que ilustra este artigo. Ao sul do paralelo 8 de latitude Norte, excetuando-se a costa oriental, o islamismo é praticamente desconhecido: professam-no apenas 0,8% da população.
Para os católicos a proporção geral na África negra é de 12%. Mas, no Camerun, por exemplo, constituem eles 80% dos habitantes da Diocese de Yaundé, enquanto na Diocese contígua, mais ao norte, não são mais do que 0,03%. Uma simples media das populações católicas do Camerun não exprime, pois, toda a realidade concreta.
Os países de maior densidade muçulmana no continente negro, atualmente são: a Republica do Sudão com 80%; a Nigéria com 50%, e a África Ocidental Francesa com 41%.
LEVAR A REVOLUÇÃO ATÉ O CORAÇÃO DA FLORESTA VIRGEM
Se observarmos a ação da maior parte dos dirigentes do mundo muçulmano, verificaremos que eles estão transferindo o Islã do plano religioso para o político.
Esses dois planos nunca foram inteiramente distintos para os sectários do Profeta, mas até o presente a fé anima a política. Hoje, pelo contrário, a fé não subsiste mais nas elites a não ser como integrante de uma grande força política da qual elas pretendem assumir a direção. Algumas das personalidades mais conhecidas do movimento revolucionário na África negra, que inundam o Cairo de literatura piedosa, organizaram, quando estudantes em Paris, um Centro de ateísmo.
Essa fé política, contudo, é de natureza a prolongar a existência da fé religiosa. Ela terá necessidade de manter esta última como alimento espiritual para sua própria expansão e como elo entre povos muito diversos, que só o Alcorão consegue unir e animar de um orgulho racial.
Ainda recentemente, desencadeou-se uma campanha furiosa contra o Catolicismo nesses meios africanos que lutam pela emancipação dos "povos escravizados". O que mostra que o ódio religioso transmite-se ao campo político.
Essa ausência de fé religiosa autêntica facilita ainda mais o trabalho do comunismo, que não encontra obstáculo espiritual em sua tarefa de conduzir os muçulmanos para o materialismo ateu.
A docilidade desses povos à doutrinação soviética será obtida, também, à custa da destruição das peculiaridades regionais. O desaparecimento da família patriarcal, do clã, acarreta a ruína da autoridade dos chefes naturais e dos anciãos. O nativo fica exposto às influências das grandes cidades, já inteiramente dominadas pelo islamismo político e a um passo do ateísmo. Para alcançar esse resultado, nada melhor do que organizar uma grande comunidade africana e muçulmana que sufocará as características peculiares a cada tribo.
Durante nove séculos os maometanos do continente negro estiveram isolados do mundo islamítico, mesmo porque não tinham qualquer interesse em fazer bloco com ele e pouco o conheciam. Hoje, com o renascer do Islã, e com o papel cada dia mais saliente que as nações que o constituem se arrogam no teatro da política mundial, tudo mudou: a esperança de uma união maometana negra, integrada na comunhão dos povos muçulmanos, vai-se transformando em realidade. Nota-se nessas vastas regiões da África um recrudescimento da solidariedade religiosa e um desejo de unir-se politicamente em torno de algumas nações que representam o papel de grandes potencias: o Egito e a Arábia Saudita.
O Congresso islamítico, organismo permanente com sede no Cairo, tem por finalidade dar uma forma institucional moderna à ideia tradicional de fraternidade muçulmana. O Egito assume a posição de líder do Islã. Ele quer criar uma espécie de Califado sem a fé.
O coronel Nasser, presidente egípcio, tornou claras suas pretensões sobre a África negra no seu livro-manifesto "A Filosofia da Revolução": "Quanto ao continente africano, direi somente que não podemos, de maneira alguma permanecer à margem da horrenda e sanguinária luta que se desenrola atualmente no centro da África, entre cinco milhões de brancos e duzentos milhões de negros... é-nos impossível renunciar às nossas responsabilidades de auxilio e assistência, e esquivar-nos da missão de levar nossa civilização até o coração da floresta virgem".
Os negros que atingiram um maior grau de civilização seguem apaixonadamente as notícias da guerra na Argélia. Suas simpatias estão inteiramente voltadas para os rebeldes.
As palavras de ordem lançadas pelos imanes de Meca circulam de Fez a Karachi e do Cairo ao Tchad, graças aos meios de comunicação que a técnica coloca à disposição do homem moderno, e à ação eficiente de uma elite formada nas Universidades muçulmanas.
No Congo Belga, o presidente do Centro Real Africano declarava em 1956: "É um incrédulo que vos fala e que não é suspeito de hostilidade para com o ensino oficial, mas que, conhecendo o caráter místico do negro, pergunta com angústia se, querendo libertá-lo de toda crença, não o estão impelindo, ingenuamente, a engrossar as fileiras dos muçulmanos fanatizados. A quem sorrir e levantar os ombros à evocação desse perigo, eu aconselharia informar-se sobre o número de ouvintes que, na região leste da Colônia, escutam as transmissões da Rádio do Cairo em língua swahili" (cf. Agência Fides, 22 de outubro de 1956).
Em 1957, 25% das fitas passadas nos cinemas de Bamako, capital do Sudão Francês (África Ocidental Francesa), eram de origem egípcia e em língua árabe. Algumas eram claramente de propaganda. Com esses métodos o Islã negro vai, pouco a pouco, sendo seduzido para constituir um só todo com a grande família muçulmana.
Em 1950, o jornal egípcio "Etaalaat" publicava um editorial do qual transcrevemos este trecho: "Irmãos, foram os agentes imperialistas que trabalharam escandalosamente para enfraquecer a fé no coração dos muçulmanos. Eles ofenderam a alta moral muçulmana, encorajando o uso de beberagens alcoólicas e o estabelecimento de lugares de imoralidade. É com essas armas repugnantes que os imperialistas conseguiram reduzir os muçulmanos a essa posição deplorável na qual se encontram atualmente no mundo. Irmãos, congregai-vos em torno da causa do Islã e esquecei os vossos motivos de desunião. Os acontecimentos mundiais exigem que estejamos sempre em contacto, a fim de destruir os imperialistas e expulsá-los de nossas terras. Os povos muçulmanos devem, seguindo os ensinamentos do Profeta, organizar-se para barrar os passos do colonialista explorador. A formação de uma união muçulmana é agora mais necessária do que em qualquer época da história".
Note-se que esse apelo foi publicado em 1950, antes da nacionalização de Suez, antes da retirada das tropas inglesas da zona do Canal, antes da independência da Tunísia, do Marrocos, de Ghana, do Sudão, antes, enfim, dos acontecimentos que culminaram com a formação de um bloco muçulmano que hoje é capaz de intervir de maneira decisiva na política internacional. O caso do Líbano e do Iraque é um exemplo de como essa intervenção pode ser realmente decisiva.
Continuará o Ocidente a colaborar, senão por ação, ao menos por omissão e inércia, para que se realize o voto comunista a que aludíamos: "Façamos progredir o Islã e a África será nossa"? É o que nos resta perguntar.
(Sérgio Brotero Lefevre, em Catolicismo n.º 96, dezembro de 1958)