O Papa Pio
XII em uma das suas últimas Encíclicas "Fidei donum", chamou o
atenção da Igreja Universal para os quatro grandes perigos que ameaçam o futuro
humano e cristão da África hodierna: o nacionalismo exacerbado dos europeus e
dos indígenas, o materialismo ateu, o Islã e a civilização técnica.
Nos
últimos tempos assistimos ao reaparecimento do islamismo como força poderosa no
palco da política mundial. "Catolicismo" já tratou do assunto, mais
de uma vez, em anos passados. Mas a religião de Alá continua a conquistar novos
adeptos e novas nações: vários territórios, nos quais a presença muçulmana é
mais intensa, ficaram independentes ou ficarão proximamente. Mais cedo ou mais
tarde os sequazes de Mafoma voltarão os olhos para o Ocidente cristão que, em
outras épocas, tentaram conquistar para sua falsa crença. Hoje as consequências
de uma tal conquista seriam piores, se é que se pode piorar o péssimo, porque
ao lado do Crescente venceria o materialismo ateu, o comunismo, do qual os
muçulmanos se tornaram aliados, quando não missionários.
O Islã
não pode ser considerado um obstáculo sério para o comunismo, em que pese a
opinião em contrário de muitos autores, inclusive católicos. Esclarecedoras a
esse propósito são as palavras de um libanês, professor na Universidade de
Beirute: "Um mito que está muito difundido, e inteiramente fora da
realidade, é a afirmação de que, entre os elementos que se levantam como uma
barreira contra a expansão do comunismo, figura a hostilidade do Islã às
doutrinas do materialismo ateu. Somos de opinião que o Islã, apesar de sua
hostilidade às doutrinas do materialismo ateu, absolutamente não representa uma
garantia contra a expansão comunista; pelo contrário, ele a prepara" (cf.
"Etudes", julho-agosto-setembro de 1958).
Atualmente,
o alvo principal do proselitismo maometano é a África negra. Ali o comunismo
está presente, assistindo e favorecendo na sombra a evolução e o progresso do
Islã. Estão sendo fundados estabelecimentos soviéticos em muitos pontos da
costa ocidental africana. Esses estabelecimentos, sob o disfarce de associações
teatrais e culturais, difundem a "boa nova" marxista; sob a capa de
empresas comerciais, introduzem armas e mercadorias necessárias à consecução de
seus funestos fins; sob as aparências de sociedades de pesca, adquirem navios e
bases nos portos. Ainda recentemente, nativos que só possuíam flechas e fuzis
antigos apareceram com o mais moderno armamento automático. Em algumas regiões,
órgãos do Partido Comunista desenvolvem atividades administrativas paralelas a administração
oficial, e seus elementos exercem sobre os habitantes a conhecida e eficiente
chantagem: "Nós somos o povo: Se você não está conosco, é contra o povo.
Deve morrer".
Procurando
enfraquecer a influência das nações ocidentais e alimentando as aspirações de
independência das colônias, o comunismo almeja dominar toda a África. Para isso
encontra um auxiliar valioso no Islã. No Congresso Comunista africano de 1955,
a palavra de ordem dada aos ativistas do Partido foi: "Façamos progredir o
Islã e a África será nossa".
BREVE
HISTÓRICO DO ISLÃ NA ÁFRICA NEGRA
A faixa
de terra que se estende do Oceano Atlântico ao Índico, entre os paralelos 8 e
16 de latitude Norte, bem como a costa oriental até Moçambique, inclusive as
ilhas de Madagascar e Comores e no centro o Ruanda Burundi, são as regiões do
continente negro que sofreram e sofrem a mais ampla penetração do islamismo.
Aparecem sombreadas no mapa que ilustra este artigo.
Os
ataques dos maometanos à África, por terra e por mar, de acordo com as
necessidades estratégicas, iniciaram-se no século VIII da nossa era. A
Mauritânia foi o primeiro território negro a "converter-se", pelo
poder das armas, à fé alcorânica. Em 1040, o que até então não passara de ação
de tropas isoladas e independentes se transformou em "guerra santa"
organizada. No século XIII, os nativos convertidos pelos primeiros
conquistadores subjugaram outros povos negros, obrigando-os também a aceitar a
religião de Maomé. No início do século XVII, porém, o Islã negro está em plena
decadência.
Duzentos
anos mais tarde há uma renovação da fé muçulmana entre os nativos, e novas
guerras, novas conversões, acrescentam milhares de quilômetros quadrados aos
que tinham sido anteriormente conquistados para a bandeira do Profeta. Essa
renovação se deve, em grande parte, às confrarias secretas e de mistérios que
dominam inteiramente o Islã africano do século XIX.
É nessa
ocasião, também, que os europeus, principalmente franceses e ingleses, iniciam
a colonizarão intensiva e programada do continente. Sua preocupação já não é
mais converter os pagãos à verdadeira Religião, como acontecia com os
portugueses, espanhóis e, mesmo, franceses do século XVI, mas conseguir
matérias-primas e mercados para sua indústria nascente.
O
PROSELITISMO MUÇULMANO MUDA DE MÉTODO
Os
europeus, ao submeterem os povos africanos, foram obrigados, por conveniências
comerciais, a impor a paz entre as diversas tribos, a exemplo da "pax
romana". A partir desse momento o proselitismo islamítico muda de método.
Não diminui, como poderia esperar; pelo contrário, aumenta. Já não se serve
mais da espada, mas encontra novo apoio na administração colonial. A paz
favorece intensamente a propaganda muçulmana, pois facilita as comunicações.
Graças à técnica introduzida pelos colonizadores, as ideias viajam mais
depressa que os homens: o telégrafo e o rádio penetram no coração da selva, os
discos são vendidos até nas aldeias, o cinema instala-se progressivamente em
todos os centros urbanos.
Um outro
fato auxilia a tarefa dos maometanos, e é que, posta em convívio com a
civilização europeia, a sociedade animista desmorona. Animismo é o nome dado ao
conjunto das religiões tradicionais dos negros africanos, que cultuam os
espíritos e têm no fetichismo o seu denominador comum. São religiões
essencialmente locais e sociais; são próprias de um grupo humano determinado e
não substituem a não ser em seu universo fechado, que rui em contacto com o
mundo exterior. Funcionários, médicos, professores, comerciantes e colonos
europeus trazem ideias novas, totalmente incompreensíveis para os nativos.
Cria-se em suas almas um imenso vácuo. Quem o preencherá? O islamismo? O
Catolicismo? O laicismo oficial?
O
laicismo não atrai os negros, que o confundem, com razão, com o ateísmo de que
os afasta seu espírito profundamente religioso.
O
Catolicismo encontra desde logo adeptos em numerosas tribos; mas exige esforços
que não agradam à natureza humana decaída. Ser católico implica na observância
de regras morais árduas e na aceitação de dogmas sublimes. A alma negra,
degradada por milhares de anos de paganismo, deve reformar-se totalmente para
ser admitida no seio da Igreja. Essas circunstâncias adversas à ação da graça
são agravadas — como veremos — pela atitude da administração colonial, que,
longe de colaborar com as Missões, favorece positivamente o proselitismo
alcorânico.
O Islã,
pelo contrário, exerce uma grande sedução natural sobre esses povos. Várias de
suas instituições são semelhantes às dos nativos: a estrutura social, as
sociedades secretas de fundo esotérico, a poligamia, a escravatura, e muitas
outras. O caráter tolerante da pregação islamítica, sua maleabilidade e poder
de adaptação à barbárie são outros grandes fatores do êxito da religião de
Maomé em terras da África. Por outro lado, a conversão ao islamismo, sem
modificar os costumes pagãos e bárbaros do negro, representa para ele uma
promoção na escala social: um muçulmano é mais respeitado nesse ambiente do que
um animista ou um católico; o indígena maometano tem a impressão de pertencer a
uma família espiritual antiga e gloriosa, a uma fraternidade eficaz — o auxilio
mútuo entre os muçulmanos é real — a uma das grandes religiões do mundo. E, nos
dias que correm, o Alcorão se apresenta a si mesmo como a esperança dos
oprimidos, o redentor dos povos negros, o libertador dos africanos... Estes,
esquecidos dos séculos de dominação cruel, do "crê ou morre", dos
tributos de carne humana, voltam-se para o Islã que se arvora em mentor de
pretensos nacionalismos afro-asiáticos e se identifica com movimentos de
emancipação, ao mesmo tempo que prepara o terreno de sua própria expansão.
OS
MISSIONÁRIOS DO ISLÃ E SEUS COLABORADORES CRISTÃOS
Os
propagandistas do islamismo na África negra são, sobretudo, os viajantes. Em
primeiro lugar, os comerciantes que, levando suas mercadorias por toda parte,
são ao mesmo tempo missionários infatigáveis. Depois de alguns anos de
peregrinação, eles fixam residência. Compram terras e mulheres. Fundam um
estabelecimento comercial que será também um foco de proselitismo. Nos centros
urbanos constroem bairros próprios, onde hospedam os estrangeiros pagãos e lhes
ensinam o Alcorão. Nas estradas mais afastadas, em plena selva bruta, numa
encruzilhada ou numa ponte, poder-se-á encontrar em ação um desses
comerciantes-pregadores, geralmente hindus da seita ismaelita, dirigida pelo
Aga Khan.
Outro
missionário eficiente é o pastor nômade; enquanto conduz seu gado de pastagem
em pastagem, ele vai conquistando novos correligionários.
Uma nova
classe de viajantes surgiu nos últimos tempos, cuja importância para o
proselitismo aumenta cada vez mais: os jovens que vão procurar trabalho longe
de suas tribos, principalmente nas cidades. Capatazes e estalajadeiros, que são
em geral muçulmanos, antes de darem um emprego ou um quarto para dormir, exigem
que o candidato se converta à sua religião. Voltando à tribo, esses jovens
fazem propaganda do Alcorão, pelo menos para se mostrarem superiores aos seus
irmãos animistas.
O marabu
é um missionário todo especial. Segundo a descrição de um Sacerdote católico
que passou muitos anos na África, ele é vagamente alfabetizado, sabe alguns
versículos do livro sagrado ou de algum comentador tradicional, e ostenta esses
parcos conhecimentos como se fosse um sábio. Vangloria-se dos países que
percorreu, dos centros alcorânicos que frequentou e dos homens
"santos" que visitou. Dirige o culto a Alá e goza da consideração
que, nessas populações profundamente religiosas, nunca falta aos homens de
oração. E, sobretudo, o marabu não se acanha em substituir o feiticeiro da
tribo, que acaba sendo expulso. Em algumas regiões são esses curiosos
missionários os mais famosos "dominadores" de forças ocultas e
satânicas.
A uma
seita de caráter sincretista, Ahmadyia, o Islã deve uma inovação: a criação de
missões organizadas. Esses sectários percorrem toda a África negra e procuram
não só converter animistas, mas principalmente afastar seus irmãos de religião
daquilo que se chamam de infecção do marabutismo. Seu prestigio é tal, que
comumente os nativos lhes dão o nome de "bispos muçulmanos".
Os
ortodoxos sunitas também iniciaram nos últimos anos uma ação missionária
regular. A iniciativa coube ao governo do Cairo e é parte integrante da
política geral do novo Egito. Recentemente, a Universidade de El Azhar, o maior
centro de estudos muçulmanos da atualidade, inaugurou uma secção missionária:
mais de mil alunos procedentes da África negra estavam inscritos em seus cursos
no ano passado. Terminados os estudos, e depois de terem respirado a atmosfera
revolucionaria que caracteriza essa Universidade, onde a religião está
intimamente ligada à política, eles voltam para suas regiões de origem,
convencidos e orgulhosos de sua nova missão, que se integra no plano de tornar
muçulmano, e mesmo árabe (como às vezes se pode entrever), o seu mundo pagão.
Mais,
talvez, do que qualquer destes propagandistas, os europeus, e especialmente a
administração colonial, favoreceram o progresso do Islã na África. - Mons.
Bressoles, Diretor da Obra Pontifícia da Santa Infância e Capelão Geral
honorário da Marinha francesa, em conferência pronunciada em Paris para a
"Alliance Jeanne d'Arc" ("La Pensée Catholique", número 55
de 1958) — trabalho do qual extraímos diversos dados citados neste artigo —
afirma: "É um fato clamoroso que, durante cem anos, a administração
francesa tenha quase sempre reservado sua benevolência e dado seu apoio ao
Islã. Eu especifico: ela impôs chefes muçulmanos a agrupamentos animistas;
deu-lhes professores muçulmanos, enfermeiras muçulmanas, funcionários
muçulmanos, toda uma contextura à qual se soma, a seu tempo, a contextura
militar que coloca geralmente os recrutas animistas sob a autoridade de
graduados muçulmanos. Ela introduziu os marabus nessas populações. Fez
administrar a justiça segundo o Alcorão, entre duas partes pagãs. Construiu
mesquitas, escolas alcorânicas, casas muçulmanas para os habitantes mais
civilizados das cidades, subvencionou o estabelecimento de Medersas (escolas
superiores muçulmanas), organizou, financiou e patrocinou a peregrinação a
Meca. Enfim, a administração francesa aumentou de todas as maneiras o prestigio
do Islã, prodigalizando distinções e honras aos chefes muçulmanos, inclusive os
marabus, proclamando-se grande nação muçulmana". É a Filha primogênita da
Igreja fazendo-se passar por filha de Mafoma!
Um
oficial do exército francês declarou recentemente: "Por meio de nossa
administração, assim como através da facilidade de comunicações que colocamos à
disposição de todos, fizemos mais pela difusão do Islã nos últimos cinqüenta
anos do que os marabus em três séculos" (cf. "Etudes", número
citado).
A
administração inglesa, partindo de princípios protestantes, favoreceu os
muçulmanos na mesma medida.
Acrescente-se
a todo esse esforço de proselitismo a dura realidade de que o maometano não se
converte com facilidade ao Catolicismo. O animista feito sectário do Crescente
sente orgulho de sua nova religião, e a sociedade alcorânica vincula de tal
forma a alma de seus adeptos, que estes se tornam como que incapazes de
abandoná-la.
Uma
população evangelizada, por sua vez, não presta ouvidos aos arautos do Profeta,
que, diante dela, perderam todo e qualquer prestígio. A pregação do Evangelho
constitui a única barreira sólida aos progressos do Alcorão.
O PERIGO
EXPRESSO EM NÚMEROS E ESTATISTICAS
Alguns
observadores negam a existência de um problema muçulmano nessas regiões.
Afirmam
que a difusão do Catolicismo é ali muito mais rápida do que a do islamismo.
Assim o Pe. Sastre, Sacerdote dahomês que foi Capelão dos estudantes africanos
em Paris, escreve: "A propósito do Islã, é um erro, em nossa opinião,
falar de uma ameaça ou de um perigo muçulmano na África negra. Uma tal visão
das coisas esconde uma preocupação política". Nós é que poderíamos
perguntar se a negação de um fato tão evidente, apontado ademais pelo Santo
Padre XII, não tem atrás de si uma razão política não confessada.
A Sagrada
Congregação de Propagação da Fé publicou ultimamente a seguinte estatística
sobre a situação religiosa na África negra: população total, 150 milhões, dos
quais 85 milhões (56%) de animistas, 47 milhões (31%) de muçulmanos e 18
milhões (12%) de católicos; de 1931 a 1951, houve 8.100.000 conversões ao
Catolicismo e 19.200.000 ao Alcorão. Assim, para cada pagão convertido à
Religião verdadeira, 2,5 aderem à superstição de Maomé.
Se
considerarmos, não o conjunto da África negra, mas apenas a região por nós
delimitada de início, teremos, segundo abundantes testemunhos de Padres
missionários, um aumento de número de muçulmanos cinco vezes maior do que o de
católicos.
Os 31% de
adeptos do Islã estão concentrados nessa zona, que — como já ficou dito —
aparece sombreada no mapa que ilustra este artigo. Ao sul do paralelo 8 de
latitude Norte, excetuando-se a costa oriental, o islamismo é praticamente
desconhecido: professam-no apenas 0,8% da população.
Para os
católicos a proporção geral na África negra é de 12%. Mas, no Camerun, por
exemplo, constituem eles 80% dos habitantes da Diocese de Yaundé, enquanto na
Diocese contígua, mais ao norte, não são mais do que 0,03%. Uma simples media
das populações católicas do Camerun não exprime, pois, toda a realidade
concreta.
Os países
de maior densidade muçulmana no continente negro, atualmente são: a Republica
do Sudão com 80%; a Nigéria com 50%, e a África Ocidental Francesa com 41%.
LEVAR A
REVOLUÇÃO ATÉ O CORAÇÃO DA FLORESTA VIRGEM
Se
observarmos a ação da maior parte dos dirigentes do mundo muçulmano,
verificaremos que eles estão transferindo o Islã do plano religioso para o
político.
Esses
dois planos nunca foram inteiramente distintos para os sectários do Profeta,
mas até o presente a fé anima a política. Hoje, pelo contrário, a fé não
subsiste mais nas elites a não ser como integrante de uma grande força política
da qual elas pretendem assumir a direção. Algumas das personalidades mais
conhecidas do movimento revolucionário na África negra, que inundam o Cairo de
literatura piedosa, organizaram, quando estudantes em Paris, um Centro de
ateísmo.
Essa fé
política, contudo, é de natureza a prolongar a existência da fé religiosa. Ela
terá necessidade de manter esta última como alimento espiritual para sua
própria expansão e como elo entre povos muito diversos, que só o Alcorão
consegue unir e animar de um orgulho racial.
Ainda
recentemente, desencadeou-se uma campanha furiosa contra o Catolicismo nesses
meios africanos que lutam pela emancipação dos "povos escravizados".
O que mostra que o ódio religioso transmite-se ao campo político.
Essa
ausência de fé religiosa autêntica facilita ainda mais o trabalho do comunismo,
que não encontra obstáculo espiritual em sua tarefa de conduzir os muçulmanos
para o materialismo ateu.
A
docilidade desses povos à doutrinação soviética será obtida, também, à custa da
destruição das peculiaridades regionais. O desaparecimento da família
patriarcal, do clã, acarreta a ruína da autoridade dos chefes naturais e dos
anciãos. O nativo fica exposto às influências das grandes cidades, já
inteiramente dominadas pelo islamismo político e a um passo do ateísmo. Para
alcançar esse resultado, nada melhor do que organizar uma grande comunidade africana
e muçulmana que sufocará as características peculiares a cada tribo.
Durante
nove séculos os maometanos do continente negro estiveram isolados do mundo
islamítico, mesmo porque não tinham qualquer interesse em fazer bloco com ele e
pouco o conheciam. Hoje, com o renascer do Islã, e com o papel cada dia mais
saliente que as nações que o constituem se arrogam no teatro da política
mundial, tudo mudou: a esperança de uma união maometana negra, integrada na
comunhão dos povos muçulmanos, vai-se transformando em realidade. Nota-se
nessas vastas regiões da África um recrudescimento da solidariedade religiosa e
um desejo de unir-se politicamente em torno de algumas nações que representam o
papel de grandes potencias: o Egito e a Arábia Saudita.
O
Congresso islamítico, organismo permanente com sede no Cairo, tem por
finalidade dar uma forma institucional moderna à ideia tradicional de
fraternidade muçulmana. O Egito assume a posição de líder do Islã. Ele quer
criar uma espécie de Califado sem a fé.
O coronel
Nasser, presidente egípcio, tornou claras suas pretensões sobre a África negra
no seu livro-manifesto "A Filosofia da Revolução": "Quanto ao
continente africano, direi somente que não podemos, de maneira alguma
permanecer à margem da horrenda e sanguinária luta que se desenrola atualmente
no centro da África, entre cinco milhões de brancos e duzentos milhões de
negros... é-nos impossível renunciar às nossas responsabilidades de auxilio e
assistência, e esquivar-nos da missão de levar nossa civilização até o coração
da floresta virgem".
Os negros
que atingiram um maior grau de civilização seguem apaixonadamente as notícias
da guerra na Argélia. Suas simpatias estão inteiramente voltadas para os
rebeldes.
As
palavras de ordem lançadas pelos imanes de Meca circulam de Fez a Karachi e do
Cairo ao Tchad, graças aos meios de comunicação que a técnica coloca à
disposição do homem moderno, e à ação eficiente de uma elite formada nas
Universidades muçulmanas.
No Congo
Belga, o presidente do Centro Real Africano declarava em 1956: "É um
incrédulo que vos fala e que não é suspeito de hostilidade para com o ensino
oficial, mas que, conhecendo o caráter místico do negro, pergunta com angústia
se, querendo libertá-lo de toda crença, não o estão impelindo, ingenuamente, a
engrossar as fileiras dos muçulmanos fanatizados. A quem sorrir e levantar os
ombros à evocação desse perigo, eu aconselharia informar-se sobre o número de
ouvintes que, na região leste da Colônia, escutam as transmissões da Rádio do
Cairo em língua swahili" (cf. Agência Fides, 22 de outubro de 1956).
Em 1957,
25% das fitas passadas nos cinemas de Bamako, capital do Sudão Francês (África
Ocidental Francesa), eram de origem egípcia e em língua árabe. Algumas eram
claramente de propaganda. Com esses métodos o Islã negro vai, pouco a pouco,
sendo seduzido para constituir um só todo com a grande família muçulmana.
Em 1950,
o jornal egípcio "Etaalaat" publicava um editorial do qual
transcrevemos este trecho: "Irmãos, foram os agentes imperialistas que
trabalharam escandalosamente para enfraquecer a fé no coração dos muçulmanos.
Eles ofenderam a alta moral muçulmana, encorajando o uso de beberagens
alcoólicas e o estabelecimento de lugares de imoralidade. É com essas armas
repugnantes que os imperialistas conseguiram reduzir os muçulmanos a essa
posição deplorável na qual se encontram atualmente no mundo. Irmãos,
congregai-vos em torno da causa do Islã e esquecei os vossos motivos de
desunião. Os acontecimentos mundiais exigem que estejamos sempre em contacto, a
fim de destruir os imperialistas e expulsá-los de nossas terras. Os povos
muçulmanos devem, seguindo os ensinamentos do Profeta, organizar-se para barrar
os passos do colonialista explorador. A formação de uma união muçulmana é agora
mais necessária do que em qualquer época da história".
Note-se
que esse apelo foi publicado em 1950, antes da nacionalização de Suez, antes da
retirada das tropas inglesas da zona do Canal, antes da independência da
Tunísia, do Marrocos, de Ghana, do Sudão, antes, enfim, dos acontecimentos que
culminaram com a formação de um bloco muçulmano que hoje é capaz de intervir de
maneira decisiva na política internacional. O caso do Líbano e do Iraque é um
exemplo de como essa intervenção pode ser realmente decisiva.
Continuará
o Ocidente a colaborar, senão por ação, ao menos por omissão e inércia, para
que se realize o voto comunista a que aludíamos: "Façamos progredir o Islã
e a África será nossa"? É o que nos resta perguntar.
(Sérgio
Brotero Lefevre, em Catolicismo n.º 96, dezembro de 1958)