O
personalismo de Maritain e o de Berdiaef se baseia num pressuposto
completamente gratuito, que vem a ser a distinção entre indivíduo e pessoa, não
somente na ordem especulativa, mas também na ordem prática. Isto é, tomam eles
um aspecto parcial de certa realidade como ponto de partida para projeções de
todo descabidas no campo psicológico, jurídico, social e religioso.
Berdiaef
é confessadamente gnóstico, mas o Sr. Maritain se declara tomista. Querer,
porém, achar em São Tomás de Aquino a fonte de tal personalismo é um intento
manifestamente irrealizável. Tomemos um intérprete do Angélico que faça, não
literatura, mas filosofia. Assim é que o Revmo. Fr. Jesus Valbuena, O. P., na
introdução à questão 29 da Suma Teológica (1), nos diz que "o suposto ou
pessoa representa um indivíduo substancial totalmente independente de outro no
existir e absolutamente incomunicável, e por isso mesmo perfeitamente
subsistente em si mesmo". E acrescenta que, ao esposar a sentença de
Boécio, segundo a qual "a pessoa é a substancia individual de natureza
racional", se deve ter "muito em conta, como repetidamente adverte
São Tomás, que nesta definição de pessoa a palavra individual se toma não só
pelo individuo da natureza, mas também e principalmente pelo individuo de
subsistência, ou seja, pela incomunicabilidade absoluta que diz respeito à
pessoa" (2). Mais ainda: "De três maneiras pode ser considerado o
suposto ou pessoa: enquanto subsistente em si mesmo, enquanto sustenta os
acidentes, ou como constituído por princípios essenciais que o colocam em
determinada ordem de seres. São aspectos distintos de uma mesma e única
realidade, da qual se distinguem tão somente com distinção de razão, como
ensina São Tomás no artigo 2. Mas em cada um desses aspectos ela recebe nomes
distintos. Assim, no primeiro se chama subsistência; no segundo, hipóstases, e
no terceiro, natureza ou essência". Somente em Deus a pessoa é
absolutamente simples, diz o mesmo autor. "Nas criaturas, o suposto ou
pessoa tem composição múltipla, incluindo, portanto, uma multidão de conceitos
diversos, como os de essência e existência, substancia e individuo, natureza e
subsistência" (3).
O Doutor
Comum ressalva a real distinção entre a pessoa e a substancia individual.
Trata-se, porém, de uma distinção real inadequada, já que a pessoa inclui a
natureza individual enquanto seu complemento último. A pessoa é mais que
substancia individual ou individuo da natureza. Pessoa, segundo São Tomás,
significa o que é completo, o que tem a última perfeição no gênero de substancia.
"A pessoa acrescenta algo real à substancia individual, que é precisamente
essa incomunicabilidade ou individualidade de subsistência" (4).
O
Conceito Tomista de Pessoa Humana
Quem diz,
portanto, pessoa, diz tota-lidade, plenitude, independência e incomunicabilidade
no existir: "o mais perfeito que há em toda a natureza, ou seja, o ser
subsistente na natureza racional" (5). Ora, que diz o Angélico da pessoa
humana? Diz claramente que, na geração, o mais perfeito "é o próprio
individuo engendrado, o qual, na geração humana, é a hipóstase ou pessoa, a
cuja formação se ordenam tanto a alma como o corpo. Portanto, existindo a
personalidade do homem engendrado, é necessário que existam também o corpo e a
alma racional" (6).
E aqui
chegamos ao ponto crucial da questão. Deixando de lado o conceito de pessoa em
sentido geral, que também se aplica a Deus e aos Anjos, já vimos que São Tomás,
no caso particular da pessoa humana, claramente afirma que em sua formação
concorrem tanto a alma como o corpo. Ora, o Sr. Maritain considera a pessoa
humana em pólo oposto ao indivíduo. Este ressaltaria da matéria selada pela
quantidade, constituindo "um ponto singular na imensa rede de forças e de
influencias cósmicas, étnicas, históricas" (7). Em contraposição, a pessoa
humana não estaria submetida ao mundo objetivo, mas subsistiria com a própria
subsistência da alma espiritual (8).
Não
poderia ser mais clara a linha demarcatória entre essas divagações
personalistas e as lições do Doutor Angélico. De fato, como se expressa São
Tomás sobre a pessoa humana? Diz ele: "Pois bem, pessoa em geral
significa, como dissemos, substancia individual de natureza racional;
indivíduo, o que é indistinto em si mesmo, mas distinto dos demais. Por
conseguinte, pessoa, qualquer que seja sua natureza, significa o que é distinto
naquela natureza, assim, na natureza humana significa esta carne, estes ossos,
esta alma, que são os princípios que individuam o homem e que, se certamente
não entram no significado da pessoa em geral, estão contidos no da pessoa
humana" (9).
Se pessoa
humana significa "esta carne, estes ossos, esta alma", como afirmar
que ela não se acha selada pela quantidade, como admitir que ela não esteja
exposta às influencias do cosmos e às demais contingências da condição humana?
Como sustentar que "a objetivação significa impersonalidade, projeção do
homem em um mundo determinado", como repetem os discípulos de Maritain e
Berdiaef, entre os quais se coloca o colaborador do Suplemento Cultural de
"O Diário" de Belo Horizonte (10)? Somente na imaginação do
pseudotomista que é o Sr. Maritain e do gnóstico que foi Berdiaef, é que pode
existir a chamada tensão entre o indivíduo e a pessoa, ou entre a pessoa e o
mundo objetivo, "Nação, Estado, instituições sociais, Igreja" (11).
Com
efeito, "a substancia corporal se ordena à espiritual como a seu próprio
bem, porque nesta se acha mais plenamente a bondade a que intenta assimilar-se
a substancia corporal, já que tudo o que existe deseja alcançar a maior
perfeição que lhe é possível" (12). Nossos corpos "são membros de
Cristo" (13). "É necessário que todos nós compareçamos diante do
tribunal de Cristo, para que cada um receba o que é devido ao corpo, segundo
fez bem ou o mal" (14).
Para São
Tomás, "o termo indivíduo não compete a Deus enquanto a matéria é
princípio de individuação, mas só enquanto o individual é incomunicável"
(15). E os Anjos também são indivíduos pela mesma razão. Ora, não nos consta
que a pessoa em Deus esteja em tensão com o indivíduo. Nem no caso dos Anjos
tal acontece. Por que será que só nos homens o indivíduo há de estar nessa
tensão com a pessoa? Será porque neles a matéria é princípio de individuação? É
o que parece. O que está a indicar, portanto, que para os personalistas o que
realmente se acha subjacente à tensão entre indivíduo e pessoa vem a ser uma
tensão entre matéria e espírito, inadmissível à luz da filosofia tomista.
Como Sair
do Labirinto
Rendemos
homenagens à inteligência do Sr. Maritain e do autor de "Uma Nova Idade
Média". Seu personalismo é incompreensível segundo os dados do senso
comum. Sente-se, porém, em toda a confusa exposição de suas ideias, que ambos
são propositadamente obscuros, pois não lhes faltam recursos literários para
serem suficientemente claros. Estamos, portanto, diante de um enigma. E é o
próprio São Tomás que nos vai dar a chave para decifrá-lo. Vejamos se
conseguimos levantar o véu desse mistério, tornando lógico o que se nos
apresenta como nebuloso e abstruso.
São Tomás
cita a opinião de Platão, que ensina que "a alma intelectual não se une ao
corpo como a forma à matéria, mas como o motor ao móvel, dizendo que a alma
está no corpo como o nauta no navio" (16). De onde se conclui que "o
homem não seria uno de modo total, e, por conseguinte, tampouco um ser
substancial, mas um ser acidental" (17). Mais ainda: segundo o filósofo
grego, no homem haveria várias almas. "Diz Platão que em nós não são a
mesma alma a intelectiva, a nutritiva e a sensitiva. Deduzindo daí que, posto
seja a alma sensitiva a forma do corpo, não convirá por isto dizer que alguma
substancia intelectual possa ser forma do corpo" (18). Portanto, para
Platão homem não é um composto de alma e corpo, mas tem uma alma, a
intelectiva, que usa do corpo, vivificado, como ser inferior e material, pela
alma nutritiva e pela alma sensitiva, — o que corresponde exatamente à
concepção gnóstica. A verdade católica sempre se opôs a tais absurdos, como
frisa São Tomás: "Tampouco cremos que haja duas almas no homem, como Jacó
e alguns dos sírios escrevem, um animal, que anima o corpo está mesclada com o
sangue, e outra espiritual, que governa a razão; senão que dizemos que no homem
há uma só alma, a qual, associando-se ao corpo, o vivifica, e com sua razão a
si mesma se rege" (19).
Trilogia
Gnóstica: Corpo, Alma, Espírito
Para
Platão a alma separada do corpo se encontra em um estado superior ao que tem
quando unida a ele. Com efeito, segundo os platônicos, "pela união ao
corpo, sofre a alma o olvido de tudo o que antes conhecera e se lhe atrasa a
contemplação pura da verdade" (20), outra afirmação gnóstica bem
característica, como podemos facilmente verificar pelo que nos dizem os
estudiosos que se ocuparam do assunto antes e depois de São Tomás de Aquino.
"O corpo, para os carpocracianos como para Platão, é a prisão da alma
(Irineu, I, 25, 4), do mesmo modo que para os outros gnósticos. A alma se acha
enfeitiçada por ele, encerrada, agrilhoada. Por causa do corpo, ela esquece sua
natureza divina e não sabe mais de onde veio. Os maniqueus, em particular,
descrevem de modo trágico a sorte da alma assim aprisionada e obscurecida"
(21).
Segundo
outras vertentes gnósticas, a alma é de essência divina, mas, em contraposição,
há um espírito mau unido ao corpo. E poderíamos citar outras variações desse
princípio gnóstico: assim é que, para a gnose ocidental, a alma pertence ao
corpo, à matéria, e é de natureza animal. O que é puro e divino é o espírito.
De modo que teríamos no homem: corpo, alma e espírito, este último, verdadeira
centelha divina que aspira a retornar à sua origem a unir-se à plenitude da
chama de que se destacou ao se dar o desastre cósmico. "A libertação do
homem de seu aprisionamento", de que nos fala o Sr. Herbet José de Souza
em seu citado artigo, se dá, segundo a mística dos gnósticos, mediante todo um
ritual mágico, precedido de jejuns e mortificações. Assim se rompe a chamada
tensão entre indivíduo e pessoa ou entre matéria e espírito, invenção maniquéia
que não encontra guarida na doutrina católica, vale dizer, na verdade.
Estamos,
pois, em pleno domínio do hermético e do mágico, de "grupos que
desenvolvem e transmitem uma certa tradição... uma escola de místicos que não
se acham preparados para revelar seu conhecimento secreto, sua gnosis, ao
público" (22).
No Reino
do "Sefiroth"
Tratando
do gnosticismo rabínico, diz o Prof. Gershom G. Scholem, lente de misticismo
judaico na Universidade Hebraica de Jerusalém, que "uma das principais
preocupações dos gnósticos e herméticos dos séculos II e III foi a ascensão da
alma, que se liberta da terra e, atravessando as esferas hostis guardadas por
anjos-planetas e dominadores do cosmos, volta à sua divina morada na plenitude
da luz de Deus, uma volta que, para a mente gnóstica, significava a Redenção.
Alguns eruditos consideram ser esta a idéia central do gnosticismo" (23).
Como
vemos, essa concepção gnóstica se adapta como uma luva aos pressupostos
personalistas de Berdiaef. Ademais, o próprio Sr. Herbet José de Souza se
encarrega de alinhar Jacob Boehme entre os mestres de Berdiaef. E quem foi
Jacob Boehme? Responde-nos o Prof. Scholem: "Em geral, se abstrairmos das
metáforas cristãs pelas quais procurou, em parte pelo menos, expressar suas
intuições, é precisamente onde se revela mais original que Boehme, mais do que
qualquer outro místico cristão, mostra a mais próxima afinidade com o cabalismo.
Por assim dizer, descobriu ele de novo o mundo do Sefiroth (nota da Redação:
"Sefiroth", ou esfera, doutrina das sete esferas que a alma ou
espírito tem que atravessar, vencendo os arcontes que as vigiam, para atingir o
pleroma, ou plenitude da divindade). É possível que ele (Boehme) tenha
assimilado deliberadamente elementos do pensamento cabalístico depois que, no
período seguinte à sua iluminação, veio a conhecê-los através de amigos que, ao
contrário dele, eram eruditos. De qualquer maneira, a ligação entre suas ideias
e as da cabala teosófica foi muito evidente para os seus seguidores, de Abraham
von Franckenberg (morto em 1652) a Franz von Baader (morto em 1841), e foi
deixada à moderna literatura sobre o assunto a missão de obscurecer esse fato.
F. C. Oetinger, um dos posteriores adeptos de Boehme, relata em sua
autobiografia que em sua juventude perguntou ao cabalista Koppel Hecht, de
Francfort sobre o Meno (morto em 1729), como poderia adquirir melhor
compreensão do cabalismo, e que Hecht o dirigiu a um autor cristão que, disse,
falara do cabalismo mais abertamente que o Zohar. Perguntei-lhe o que queria
dizer, e ele me replicou: Jacob Boehme, e também me falou do paralelismo entre
suas metáforas e as da cabala. Não há razão para duvidar da autenticidade desta
história. Deve ser também lembrado que no fim do século XVII, um seguidor de
Boehme, Johann Jacob Spaeth, ficou tão impressionado com a sua espantosa
afinidade com o cabalismo, que até se converteu ao judaísmo" (24).
A citação
foi longa, mas com ela quisemos mostrar aos nossos leitores quais os
inspiradores desse personalismo de Berdiaef, que parece encontrar tão
entusiásticos seguidores em certos ambientes católicos.
Fábulas
Judaicas
Tal
personalismo de fundo gnóstico-maniqueu se baseia nas "fábulas
judaicas" a que se referia São Paulo em suas Epistolas (25). Ora, o
personalismo do Sr. Maritain coincide em seus traços fundamentais com o do
citado pensador russo. O menos que se pode dizer, portanto, é que nós achamos
diante de uma extraordinária coincidência.
Eis
porque não podemos concordar com certos elementos da chamada terceira força,
que afirmam ser o autor do "Humanismo Integral" muito bom filósofo,
um autêntico neotomista, cingindo-se seus erros apenas ao campo da sociologia.
À luz do que fica dito acima, será fácil chegarmos a uma conclusão bem
diferente: o Sr. Maritain é mau sociólogo precisamente em consequência de suas
posições filosóficas.
O
personalismo de Berdiaef e de Maritain não se choca somente contra os dados da
sã filosofia, mas vai de encontro ao próprio senso católico, no que diz
respeito à chamada tensão entre indivíduo e pessoa entre pessoa e mundo
objetivo.
Com
efeito, a parte espiritual do homem ou a alma se acha acima da parte material,
ou seja, do corpo. Entretanto, diz-nos São Tomás, assim como o corpo, ou
qualquer de seus membros tomado isoladamente, não é a pessoa humana, assim
também não é a alma separada do corpo. De onde vem então a imperfeição do
homem? Vem de sua natureza especifica. Animal racional, ele é menos perfeito
que os seres puramente espirituais. Não se trata apenas da imperfeição do
homem-indivíduo, como querem os personalistas, mas da imperfeição do homem-pessoa
em relação à pessoa angélica.
Desastre
Cósmico ou Queda do Homem?
Isto na
ordem especulativa. Na ordem prática e histórica, a imperfeição do homem não
vem só da corrupção de sua parte material, mas também e sobretudo da corrupção
do que é mais nobre na natureza humana, isto é, de sua parte espiritual, de sua
alma imortal. Com efeito, não foi a objetivação que introduziu o mal no cosmos,
como querem os personalistas. Depois de criar o universo, isto a que os
personalistas dão o nome de mundo objetivo, achou Deus "que era muito bom
que havia feito" (26). O mal não veio ao mundo através de um desastre
cósmico, ou pela corrupção da matéria, como afirmam os maniqueus, mas pela
corrupção do espírito. Antes da Queda, a subordinação do corpo à alma se dava
de modo perfeito, tanto que, segundo São Tomás, o pecado de nossos primeiros
pais não podia partir da sensibilidade, mas da inteligência, vale dizer, da
parte mais elevada da pessoa humana, que é a alma com suas potencias.
Depois da
Queda, ou do pecado intelectual do orgulho, e como consequência desse desvio ou
corrupção da parte espiritual do homem, veio a corrupção do corpo, veio a
morte, vieram as paixões desordenadas, veio o mal, enfim, se instalar no seio
da sociedade humana.
Longe,
portanto, de provir da chamada tensão entre indivíduo e pessoa e entre pessoa e
mundo objetivo, o mal entre os homens continua a ter a sua fonte no pecado. E
quem diz pecado diz ação consciente e livremente praticada pela pessoa humana,
e que se origina em sua parte espiritual, onde residem inteligência e vontade.
Assim, quando alguém se compraz em chafurdar nas misérias do corpo de pecado,
em estabelecer neste mundo sua tenda, em não fazer o que lhe dita a
consciência, mas o que lhe inspiram os sentidos, a culpa cabe, não ao indivíduo,
não à matéria selada pela quantidade, não ao mundo objetivo que o arrasta, mas
à pessoa toda inteira, e sobretudo ao seu princípio superior, que é a alma, à
qual deve estar subordinado o corpo.
Verdade
Católica e Mentira Gnóstica
Mais
ainda. O "objeto", o mundo objetivo não é somente o universo material
ao qual estaria preso o indivíduo, como poeira do cosmos, como escravo do
Estado totalitário e de outras organizações sociais que condicionariam o mesmo
indivíduo. A chamada Igreja jurídica e o Estado não são destinados a resolver
os problemas dos indivíduos no sentido que Berdiaef e Maritain emprestam à
expressão. O "objeto" ou o mundo objetivo compreende também nosso
próximo, as outras pessoas humanas que são nossas irmãs em Cristo. O Estado não
reúne um rebanho de indivíduos ou de seres condicionados, mas congrega as
pessoas que procuram na vida em sociedade o que lhes falta em sua existência
isolada de pessoas humanas. E a Igreja não é invisível nem pneumática, como
querem os personalistas e liturgicistas. É visível, pertence ao mundo objetivo,
mas é sobretudo o Corpo Místico de Cristo, que congrega as pessoas humanas
neste mundo para levá-las à bem-aventurança eterna. Se estas reportassem
diretamente a Deus, por não estarem condicionadas ao mundo objetivo, não
haveria lugar para a Igreja jurídica, mas apenas para a chamada Igreja
pneumática, ou Igreja da Caridade, que abrangeria todas as pessoas ou espíritos
que tentam se libertar do mundo objetivo. O que não está de acordo com a
doutrina católica, mas corresponde perfeitamente ao igualitarismo gnóstico.
E é
tamanha a coesão da pessoa humana, tão íntima e profunda é a união da matéria
selada pela quantidade com a alma espiritual, que o Credo professa, contra os
maniqueus de todas as épocas, o dogma da ressurreição da carne, que se dará no
fim dos tempos. Templo do Espírito Santo, nosso corpo, um dia, após esta penosa
peregrinação terrena, há de se unir de novo à nossa alma imortal, para
cantarmos, no Paraíso, as perfeições e o amor dAquele que é o Autor de tudo o
que existe no céu e na terra. Ou será lançado ao fogo do inferno, onde o terá
precedido a alma, se a esta acontecer a desgraça da "morte segunda" a
que se refere Santo Agostinho.
A Verdade
é a única caridade permitida à História
Diz-se
que "a verdade é a única caridade permitida a História" (27).
Acrescenta D. Félix Sardá y Salvany: e à defesa dos princípios que regem nossa
vida religiosa e social (28). Ao terminarmos estas breves considerações em
torno desse estranho personalismo esposado pelo colaborador do Suplemento
Cultural de "O Diário" de Belo Horizonte, queremos repetir que é esse
amor à Verdade que nos impulsiona a tratar do assunto. Se a Verdade é que nos
há de libertar, a ela temos que nos apegar como à única tabua de salvação. E
quem, tendo olhos para ver, não percebe que a mentira da gnose é que está
arrastando o mundo à voragem dos cataclismos religiosos, políticos e sociais
contemporâneos? (29).
Apesar de
terríveis não nos assustam as proporções da procela. Temos conosco Aquele a
quem os ventos e os mares obedecem. E a Estrela do Mar não nos há de faltar
como orientadora e guia. A Ela pedimos que ilumine a inteligência e toque a
vontade de nossos irmãos na Fé, para que evitem os escolhos e vençam os
vagalhões, e conosco cheguem ao porto da salvação.
(Cunha
Alvarenga, em Catolicismo nº 101, maio de 1959)
(1) Fr.
Jesus Valbuena, O. P., Introdução à questão 29 da Suma Teológica, tomo II,
Tratado da Criação em Geral, Bibl. de Autores Cristianos, Madrid, 1953, p. 83.
(2) Obra
cit., p. 83.
(3) Obra
cit., pp. 83/84.
(4) Obra
cit., p. 86.
(5) Suma
Teol., 1, q. 29, a. 3.
(6) Suma
contra os gent., liv. 4, cap. 44.
(7) J. Maritain: «La Personne et le Bien Commum», «Revue Thomiste»,
1946, t. XLVI, p. 248.
(8) Loc.
cit.
(9) Suma
Teol., 1, q. 29, a. 4.
(10)
«Berdiaef e o Personalismo», Herbet José de Souza, em «O Diario» de Belo
Horizonte, Suplemento Cultural de 13 dez. 1958.
(11)
Artigo cit.
(12) Suma
contra os gent., liv. 1, c. 42.
(13) Cor.
6, 15.
(14) Cor.
5, 10.
(15) Suma
Teol., 1, q. 29, a. 3.
(16) Suma
contra os gent., liv. 2, c. 57.
(17) Suma
contra os gent., loc. cit.
(18) Suma
contra os gent., liv. 2, c. 58.
(19) Suma
contra os gent., loc. cit.
(20) Suma
contra os gent., liv. 2, c. 83.
(21) «Le Dualisme chez Platon, les Gnostiques et les Manichéens», por
Simone Pétrement, Presses Universitaires de France, 1947, p. 185.
(22) «Major Trends in Jewish Mysticism», por Gershom G. Scholem,
Schocken Books, New York, 1941, p. 47.
(23) Obra
cit., p. 49.
(24) Obra
cit., pp. 237/238.
(25) Tito
1, 14.
(26) Gen.
1, 30.
(27)
Crétineau Joly apud D. Félix Sardá y Salvany, «El Liberalismo es Pecado»,
Editora E. P. C., Madrid, 1936, p. 93.
(28)
Ibidem.
(29) Cfr.
«Gnose: germe da paralisia do mundo ocidental», em «Catolicismo», no 56, agosto
de 1955.