Escrevíamos
em nosso último artigo (1) que a propaganda bem organizada a favor de Fidel
Castro e os desmandos e a corrupção do regime de Fulgencio Batista criaram no
mundo inteiro uma onda de simpatia pela revolução de Sierra Maestra. Muito
maior, naturalmente, foi essa vaga entre os cubanos, inclusive católicos, que
sofriam na própria pele aquela corrupção e aqueles desmandos, e a quem a
propaganda era primordialmente dirigida.
Não
podemos esquecer-nos de que Cuba adquirira, nos últimos anos, a triste
reputação de ser um dos países mais corrompidos da América Latina. As fortunas
ilicitamente feitas da noite para o dia, a venalidade dos funcionários, o roubo
organizado pelo próprio governo, a legislação libertaria sobre o divórcio, a
jogatina desenfreada nos incontáveis cassinos, a falta de pudor nas praias e
piscinas, a literatura pornográfica impressa e vendida sem qualquer obstáculo,
a vida noturna devassa, com "boites" e cabarés apresentando
espetáculos licenciosos, para não citar outros exemplos, concorriam para esta
péssima fama.
Tirando a
máscara
Os
católicos desejavam ardentemente que esta imoralidade fosse extirpada. Por esta
razão, saudaram o advento do novo governo com jubilo esperançoso, esquecidos,
talvez, de que o passado dos homens que assumiam o poder não inspirava confiança.
Explica-se
também, assim, que o conhecido jornalista norte-americano Dale Francis, diretor
da agencia católica de notícias NCWC, divulgasse, nos dois primeiros meses do
ano, vários artigos favoráveis a Fidel Castro e já em março escrevesse,
amargurado: "O povo de Cuba corre o risco de ser traído. Tendo sofrido sob
a terrível tirania de Batista, fez de Castro o símbolo de sua esperança e lhe
ofereceu o seu coração — este coração que está em perigo de ser lançado aos
chacais do comunismo". O artigo do qual transcrevemos este trecho foi
publicado originariamente em "The Tablet", jornal oficial da Diocese
norte-americana de Brooklyn, e no mais influente órgão católico dos Estados
Unidos, que é o "Our Sunday Visitor" (cf. Almirante Carlos Penna
Botto em artigo de 22 de junho de 1959, distribuído pela Confederação
Interamericana de Defesa do Continente).
Passados
nove meses, os católicos, que aplaudiram o que lhes parecia o início de uma
nova era da história de Cuba, divisam um futuro sombrio para o país. Não só as
suas reivindicações de honestidade administrativa, de moralidade pública e
privada, de observância de princípios elementares do Direito Natural, não foram
atendidas, como também estão eles tendo que suportar uma situação econômica
precária, ameaças constantes de novas perturbações da ordem e, pior do que
tudo, a infiltração do bolchevismo em sua pátria.
Com o
decorrer do tempo, os "barbudos" foram tirando a máscara que a
propaganda lhes afivelara. Desde janeiro não houve um mês no qual os Estados
Unidos não fossem, pelo menos uma vez, tachados de imperialistas por alguns dos
líderes da revolução. Nossos leitores sabem perfeitamente de quem é esta
tática, que consiste em explorar reivindicações e ressentimentos, muitas vezes
justos, para criar um clima favorável à aproximação com Moscou.
Não
contentes de fazer o jogo do marxismo em sua própria terra, os
"castristas" tentaram fazê-lo também nas nações irmãs mais próximas.
Primeiro foi o Panamá, que em março se viu invadido por uma centena de cubanos,
desejosos de reeditar ali a aventura de Sierra Maestra. Depois foi a vez da
Nicarágua, e mais recentemente da República Dominicana. Felizmente, todas estas
tentativas fracassaram, apesar de nos dois últimos países os seus respectivos
ditadores virem criando, de há muito, um clima propicio a uma revolução.
Três
episódios da vida política de Cuba nos últimos meses, mostram, resumida mas
claramente, as verdadeiras intenções de Fidel Castro e seus camaradas.
Um
comunista na pasta da Educação
O
primeiro prende-se à fundamental questão do ensino da Religião nas escolas
oficiais e da existência de colégios e universidades católicas.
Um grave
mal de que padece o Catolicismo cubano é a deficiente instrução religiosa das
crianças e a ausência de uma elite cultural. Uma das principais causas desta
situação reside no laicismo, institucional e tradicional, que domina a vida
pública do país. Isto, à primeira vista, parece um paradoxo quando se considera
que 91 % dos cubanos são batizados. Mas deixará de parecê-lo se atentarmos para
o fato de que a maioria destes católicos está corroída de liberalismo.
Assim, as
escolas do governo — 600.000 alunos — estão inteiramente fechadas para o ensino
religioso. A Igreja mantém seus próprios estabelecimentos de educação, mas são
pouquíssimos — 60.000 alunos. Acrescente-se a isto que as famílias que
matriculam seus filhos em colégios particulares têm que arcar com três despesas
diversas: a mensalidade da escola, o imposto para a educação estatal, e a taxa
de inscrição nos exames perante bancas oficiais, sem os quais os diplomas não
terão valor (cf. "Informations Catholiques Internationales", Paris, 1º
de março de 1959). Os católicos reivindicavam, portanto, subvenções para suas
escolas e a faculdade de ensinar Religião nos estabelecimentos públicos.
As
primeiras declarações dos líderes revolucionários eram favoráveis a estas
exigências. Mas a cortina de fumaça durou pouco tempo. Foi nomeado para a pasta
da Educação Armando Hart, comunista notório (cf. artigo citado de Dale
Francis), que escolheu seus auxiliares entre ateus e protestantes. Um dos
primeiros atos do novo ministro foi conseguir do gabinete a aprovação de uma
lei que retirava o reconhecimento oficial às universidades particulares, e, com
efeito retroativo, anulava os diplomas conferidos por elas desde 1956. Atingida
por esta medida iníqua, perdia sua existência legal a única Universidade
Católica do país. O Episcopado protestou através de uma Pastoral Coletiva, que
também insistia sobre a questão da instrução religiosa nas escolas públicas, e
ao mesmo tempo afirmava não terem os Bispos perdido a esperança em relação ao
novo regime. No mesmo sentido se manifestaram as diretorias das principais
associações religiosas cubanas, em uma declaração conjunta. O comitê
representativo das escolas protestantes distribuiu, por seu lado, um comunicado
no qual dava irrestrito apoio ao governo e exigia uma absoluta separação entre
a Igreja e o Estado, opondo-se, particularmente, a todo e qualquer ensino
religioso nos estabelecimentos oficiais (cf. "Informations Catholiques
Internationales", 15 de março de 1959).
Dias
depois, ao sair de uma entrevista com o Arcebispo de Santiago de Cuba, Mons.
Perez Serantes, declarava o ministro Hart: "Por razões históricas
constitucionais, não podemos privar o ensino público em Cuba de seu caráter
laico. Nosso ideal é educar as crianças de tal maneira que, aos dezessete anos
de idade, possam escolher a crença religiosa que lhes convier. Procurar
impor-lhes uma religião aos oito ou dez anos, será devolver ao Estado e aos
pais um direito absoluto sobre elas" (apud "Informations Catholiques
Internationales", 1° de abril de 1959). Não precisamos lembrar aos
leitores quanto esta concepção está longe das normas da Igreja, e próxima das
máximas comunistas sobre a educação.
Resumindo
este primeiro episódio: não só os católicos não viram atendidas as suas
reivindicações em matéria de ensino, como também perderam o reconhecimento
oficial de sua Universidade.
A reforma
agrária
A maioria
dos cubanos almejava, ao menos confusamente, uma maior harmonia nas relações
econômicas e sociais. Assim, por exemplo, desejava-se que um novo governo
pusesse cobro à inflação, deixasse de favorecer a indústria em detrimento da
agricultura e, principalmente, obstasse os lucros excessivos e fabulosos de
alguns privilegiados. Em outras palavras, ansiava-se por maior equidade na vida
econômica, mas sem ferir os fundamentos da sociedade. No entanto, o que vem
ocorrendo nestes nove meses é uma verdadeira revolução social que,
convulsionando as estruturas tradicionais da nação, não pode deixar de
acarretar graves perturbações na economia.
O
"élan" da revolução cubana — os intérpretes oficiais do regime,
inclusive o próprio Fidel Castro, estão de acordo sobre este ponto — não deve
parar a não ser com o advento de uma sociedade sem classes. A recente lei de
reforma agrária visa a esse objetivo.
Esta lei
foi desde logo qualificada de comunista. Assim é que Mons. Henrique Perez
Serantes declarou que seus autores e os marxistas "beberam da mesma
fonte" (cf. "O Estado de São Paulo", 18 de junho de 1959). Além
disso, ela contém disposições de um radicalismo brutal. Não se aplica aos
latifundiários apenas. Os pequenos proprietários, por exemplo, que não cultivam
pessoalmente as suas terras, são muito numerosos na ilha. Atingidos pela
reforma, declararam que se oporão a ela por todos os meios disponíveis. Por
outro lado, juntamente com a distribuição de propriedades até agora
improdutivas, será feito o fracionamento de outras que estão em pleno
rendimento. Acresce considerar que em Cuba, como acontece de modo geral em toda
a América Latina, as terras inaproveitadas do Estado são suficientes para
acolher os agricultores pobres. Porque, pois, não se começa por ai a divisão
julgada necessária, em vez de expropriar os particulares (cf. "Le
Monde", Paris, 18 de julho de 1959)?
O balanço
geral dos efeitos necessários dessa lei de reforma agrária é sintomático:
socialização progressiva do campo; divisão das grandes propriedades que
exploram a cana de açúcar, o arroz e a pecuária — atividades que exigem por sua
natureza grandes capitais e vastas extensões de terra — acarretando queda
brusca na produção geral da nação; consequente êxodo do agricultor em direção
das cidades e, com o incentivo à grande indústria, formação de um proletariado
urbano, excelente caldo de cultura para o comunismo.
É este o
segundo episódio.
Vitoria
dos revolucionários extremistas
O
terceiro é o da demissão do Presidente da República, Urrutia. Fidel Castro e
seus companheiros conhecem perfeitamente as reações provocadas por suas leis
revolucionarias. Mas julgam que com a violência poderão conter esta oposição
durante o período crucial da aplicação da reforma agrária. Mais tarde, diante
do fato consumado, e apoiados na nova sociedade sem classes e proletarizada,
eles serão invulneráveis. Ora, entre os maiores obstáculos a esta política está
a ação e a influência do setor moderado da revolução e daqueles que a apoiaram
unicamente para se verem livres da ditadura de Batista. Acontece que Urrutia
era um dos expoentes dos moderados. Fidel sabia que era senhor absoluto de Cuba
e que um conflito entre ele e o Presidente provocaria a queda deste último.
Utilizando-se da coincidência das declarações feitas no Senado norte-americano
pelo ex-chefe da Força Aérea revolucionaria, com algumas opiniões de Urrutia
sobre a infiltração comunista em Cuba, o primeiro-ministro pronunciou um
requisitório contra o Presidente, acusando-o de traidor da pátria. E ao mesmo
tempo ofereceu sua própria demissão. Os fatos posteriores são conhecidos. Eles
representaram mais uma vitória dos setores revolucionários extremistas contra
os moderados. O clima da revolução cubana torna-se cada vez mais radical.
Malgrado as declarações de seus líderes, segundo os quais ela não é capitalista
nem marxista, é incontestável que o Partido Comunista saiu reforçado dessa
crise (cf. "Le Monde", Paris, 19-20 de julho de 1959).
Estes três
episódios mostram que a campanha de publicidade que apresentava os rebeldes de
Sierra Maestra como bons católicos e partidários convictos do mundo livre na
luta contra a escravidão bolchevista não tinha base na realidade. Esperemos que
a reunião dos Chanceleres americanos, que se inicia enquanto escrevemos este
artigo, resolva extirpar esta infiltração do comunismo, a mais seria que já
houve em terras livres da América.
(Sérgio
Brotero Lefevre, 1959)
(1) "Como se lançou no mercado
internacional o produto Fidel Castro", "Catolicismo", n.º 104,
agosto de 1959.