sábado, 20 de outubro de 2018

404ª Nota - Como Fidel Castro fraudou os católicos cubanos


Escrevíamos em nosso último artigo (1) que a propaganda bem organizada a favor de Fidel Castro e os desmandos e a corrupção do regime de Fulgencio Batista criaram no mundo inteiro uma onda de simpatia pela revolução de Sierra Maestra. Muito maior, naturalmente, foi essa vaga entre os cubanos, inclusive católicos, que sofriam na própria pele aquela corrupção e aqueles desmandos, e a quem a propaganda era primordialmente dirigida.
Não podemos esquecer-nos de que Cuba adquirira, nos últimos anos, a triste reputação de ser um dos países mais corrompidos da América Latina. As fortunas ilicitamente feitas da noite para o dia, a venalidade dos funcionários, o roubo organizado pelo próprio governo, a legislação libertaria sobre o divórcio, a jogatina desenfreada nos incontáveis cassinos, a falta de pudor nas praias e piscinas, a literatura pornográfica impressa e vendida sem qualquer obstáculo, a vida noturna devassa, com "boites" e cabarés apresentando espetáculos licenciosos, para não citar outros exemplos, concorriam para esta péssima fama.
 Tirando a máscara
Os católicos desejavam ardentemente que esta imoralidade fosse extirpada. Por esta razão, saudaram o advento do novo governo com jubilo esperançoso, esquecidos, talvez, de que o passado dos homens que assumiam o poder não inspirava confiança.
Explica-se também, assim, que o conhecido jornalista norte-americano Dale Francis, diretor da agencia católica de notícias NCWC, divulgasse, nos dois primeiros meses do ano, vários artigos favoráveis a Fidel Castro e já em março escrevesse, amargurado: "O povo de Cuba corre o risco de ser traído. Tendo sofrido sob a terrível tirania de Batista, fez de Castro o símbolo de sua esperança e lhe ofereceu o seu coração — este coração que está em perigo de ser lançado aos chacais do comunismo". O artigo do qual transcrevemos este trecho foi publicado originariamente em "The Tablet", jornal oficial da Diocese norte-americana de Brooklyn, e no mais influente órgão católico dos Estados Unidos, que é o "Our Sunday Visitor" (cf. Almirante Carlos Penna Botto em artigo de 22 de junho de 1959, distribuído pela Confederação Interamericana de Defesa do Continente).
Passados nove meses, os católicos, que aplaudiram o que lhes parecia o início de uma nova era da história de Cuba, divisam um futuro sombrio para o país. Não só as suas reivindicações de honestidade administrativa, de moralidade pública e privada, de observância de princípios elementares do Direito Natural, não foram atendidas, como também estão eles tendo que suportar uma situação econômica precária, ameaças constantes de novas perturbações da ordem e, pior do que tudo, a infiltração do bolchevismo em sua pátria.
Com o decorrer do tempo, os "barbudos" foram tirando a máscara que a propaganda lhes afivelara. Desde janeiro não houve um mês no qual os Estados Unidos não fossem, pelo menos uma vez, tachados de imperialistas por alguns dos líderes da revolução. Nossos leitores sabem perfeitamente de quem é esta tática, que consiste em explorar reivindicações e ressentimentos, muitas vezes justos, para criar um clima favorável à aproximação com Moscou.
Não contentes de fazer o jogo do marxismo em sua própria terra, os "castristas" tentaram fazê-lo também nas nações irmãs mais próximas. Primeiro foi o Panamá, que em março se viu invadido por uma centena de cubanos, desejosos de reeditar ali a aventura de Sierra Maestra. Depois foi a vez da Nicarágua, e mais recentemente da República Dominicana. Felizmente, todas estas tentativas fracassaram, apesar de nos dois últimos países os seus respectivos ditadores virem criando, de há muito, um clima propicio a uma revolução.
Três episódios da vida política de Cuba nos últimos meses, mostram, resumida mas claramente, as verdadeiras intenções de Fidel Castro e seus camaradas.
 Um comunista na pasta da Educação
O primeiro prende-se à fundamental questão do ensino da Religião nas escolas oficiais e da existência de colégios e universidades católicas.
Um grave mal de que padece o Catolicismo cubano é a deficiente instrução religiosa das crianças e a ausência de uma elite cultural. Uma das principais causas desta situação reside no laicismo, institucional e tradicional, que domina a vida pública do país. Isto, à primeira vista, parece um paradoxo quando se considera que 91 % dos cubanos são batizados. Mas deixará de parecê-lo se atentarmos para o fato de que a maioria destes católicos está corroída de liberalismo.
Assim, as escolas do governo — 600.000 alunos — estão inteiramente fechadas para o ensino religioso. A Igreja mantém seus próprios estabelecimentos de educação, mas são pouquíssimos — 60.000 alunos. Acrescente-se a isto que as famílias que matriculam seus filhos em colégios particulares têm que arcar com três despesas diversas: a mensalidade da escola, o imposto para a educação estatal, e a taxa de inscrição nos exames perante bancas oficiais, sem os quais os diplomas não terão valor (cf. "Informations Catholiques Internationales", Paris, 1º de março de 1959). Os católicos reivindicavam, portanto, subvenções para suas escolas e a faculdade de ensinar Religião nos estabelecimentos públicos.
As primeiras declarações dos líderes revolucionários eram favoráveis a estas exigências. Mas a cortina de fumaça durou pouco tempo. Foi nomeado para a pasta da Educação Armando Hart, comunista notório (cf. artigo citado de Dale Francis), que escolheu seus auxiliares entre ateus e protestantes. Um dos primeiros atos do novo ministro foi conseguir do gabinete a aprovação de uma lei que retirava o reconhecimento oficial às universidades particulares, e, com efeito retroativo, anulava os diplomas conferidos por elas desde 1956. Atingida por esta medida iníqua, perdia sua existência legal a única Universidade Católica do país. O Episcopado protestou através de uma Pastoral Coletiva, que também insistia sobre a questão da instrução religiosa nas escolas públicas, e ao mesmo tempo afirmava não terem os Bispos perdido a esperança em relação ao novo regime. No mesmo sentido se manifestaram as diretorias das principais associações religiosas cubanas, em uma declaração conjunta. O comitê representativo das escolas protestantes distribuiu, por seu lado, um comunicado no qual dava irrestrito apoio ao governo e exigia uma absoluta separação entre a Igreja e o Estado, opondo-se, particularmente, a todo e qualquer ensino religioso nos estabelecimentos oficiais (cf. "Informations Catholiques Internationales", 15 de março de 1959).
Dias depois, ao sair de uma entrevista com o Arcebispo de Santiago de Cuba, Mons. Perez Serantes, declarava o ministro Hart: "Por razões históricas constitucionais, não podemos privar o ensino público em Cuba de seu caráter laico. Nosso ideal é educar as crianças de tal maneira que, aos dezessete anos de idade, possam escolher a crença religiosa que lhes convier. Procurar impor-lhes uma religião aos oito ou dez anos, será devolver ao Estado e aos pais um direito absoluto sobre elas" (apud "Informations Catholiques Internationales", 1° de abril de 1959). Não precisamos lembrar aos leitores quanto esta concepção está longe das normas da Igreja, e próxima das máximas comunistas sobre a educação.
Resumindo este primeiro episódio: não só os católicos não viram atendidas as suas reivindicações em matéria de ensino, como também perderam o reconhecimento oficial de sua Universidade.
 A reforma agrária
A maioria dos cubanos almejava, ao menos confusamente, uma maior harmonia nas relações econômicas e sociais. Assim, por exemplo, desejava-se que um novo governo pusesse cobro à inflação, deixasse de favorecer a indústria em detrimento da agricultura e, principalmente, obstasse os lucros excessivos e fabulosos de alguns privilegiados. Em outras palavras, ansiava-se por maior equidade na vida econômica, mas sem ferir os fundamentos da sociedade. No entanto, o que vem ocorrendo nestes nove meses é uma verdadeira revolução social que, convulsionando as estruturas tradicionais da nação, não pode deixar de acarretar graves perturbações na economia.
O "élan" da revolução cubana — os intérpretes oficiais do regime, inclusive o próprio Fidel Castro, estão de acordo sobre este ponto — não deve parar a não ser com o advento de uma sociedade sem classes. A recente lei de reforma agrária visa a esse objetivo.
Esta lei foi desde logo qualificada de comunista. Assim é que Mons. Henrique Perez Serantes declarou que seus autores e os marxistas "beberam da mesma fonte" (cf. "O Estado de São Paulo", 18 de junho de 1959). Além disso, ela contém disposições de um radicalismo brutal. Não se aplica aos latifundiários apenas. Os pequenos proprietários, por exemplo, que não cultivam pessoalmente as suas terras, são muito numerosos na ilha. Atingidos pela reforma, declararam que se oporão a ela por todos os meios disponíveis. Por outro lado, juntamente com a distribuição de propriedades até agora improdutivas, será feito o fracionamento de outras que estão em pleno rendimento. Acresce considerar que em Cuba, como acontece de modo geral em toda a América Latina, as terras inaproveitadas do Estado são suficientes para acolher os agricultores pobres. Porque, pois, não se começa por ai a divisão julgada necessária, em vez de expropriar os particulares (cf. "Le Monde", Paris, 18 de julho de 1959)?
O balanço geral dos efeitos necessários dessa lei de reforma agrária é sintomático: socialização progressiva do campo; divisão das grandes propriedades que exploram a cana de açúcar, o arroz e a pecuária — atividades que exigem por sua natureza grandes capitais e vastas extensões de terra — acarretando queda brusca na produção geral da nação; consequente êxodo do agricultor em direção das cidades e, com o incentivo à grande indústria, formação de um proletariado urbano, excelente caldo de cultura para o comunismo.
É este o segundo episódio.
 Vitoria dos revolucionários extremistas
O terceiro é o da demissão do Presidente da República, Urrutia. Fidel Castro e seus companheiros conhecem perfeitamente as reações provocadas por suas leis revolucionarias. Mas julgam que com a violência poderão conter esta oposição durante o período crucial da aplicação da reforma agrária. Mais tarde, diante do fato consumado, e apoiados na nova sociedade sem classes e proletarizada, eles serão invulneráveis. Ora, entre os maiores obstáculos a esta política está a ação e a influência do setor moderado da revolução e daqueles que a apoiaram unicamente para se verem livres da ditadura de Batista. Acontece que Urrutia era um dos expoentes dos moderados. Fidel sabia que era senhor absoluto de Cuba e que um conflito entre ele e o Presidente provocaria a queda deste último. Utilizando-se da coincidência das declarações feitas no Senado norte-americano pelo ex-chefe da Força Aérea revolucionaria, com algumas opiniões de Urrutia sobre a infiltração comunista em Cuba, o primeiro-ministro pronunciou um requisitório contra o Presidente, acusando-o de traidor da pátria. E ao mesmo tempo ofereceu sua própria demissão. Os fatos posteriores são conhecidos. Eles representaram mais uma vitória dos setores revolucionários extremistas contra os moderados. O clima da revolução cubana torna-se cada vez mais radical. Malgrado as declarações de seus líderes, segundo os quais ela não é capitalista nem marxista, é incontestável que o Partido Comunista saiu reforçado dessa crise (cf. "Le Monde", Paris, 19-20 de julho de 1959).
Estes três episódios mostram que a campanha de publicidade que apresentava os rebeldes de Sierra Maestra como bons católicos e partidários convictos do mundo livre na luta contra a escravidão bolchevista não tinha base na realidade. Esperemos que a reunião dos Chanceleres americanos, que se inicia enquanto escrevemos este artigo, resolva extirpar esta infiltração do comunismo, a mais seria que já houve em terras livres da América.
(Sérgio Brotero Lefevre, 1959)
(1) "Como se lançou no mercado internacional o produto Fidel Castro", "Catolicismo", n.º 104, agosto de 1959.