VALORES
MATERIAIS E ESPIRITUAIS
Pode
haver, numa obra de arquitetura moderna, a representação de qualidades que são
valores positivos, tais como a força, a segurança, a riqueza. A existência de
tais qualidades, porém, de maneira nenhuma liberta esse estilo do mau espírito
que lhe é inerente.
Poderíamos,
a par disso, enumerar algumas virtudes que a arquitetura moderna nunca sabe
exprimir, como, por exemplo, a majestade, a graça, a sublimidade, a gloria.
Através
dessas enumerações, constatamos que há uma ordem de valores que a arquitetura
moderna sabe exprimir, e outra que ela é incapaz de fazê-lo. Os primeiros são
valores materiais, e os outros são espirituais. Somente estes últimos são aptos
a referir a obra de arte às perfeições de Deus. E é na medida em que existe
essa relação que uma obra arquitetônica é aceitável. Aguardando a oportunidade
em que esta folha tratará de maneira mais profunda do conceito de arte
católica, queremos acenar aqui com a idéia de que uma arte — a arquitetura, no
caso — pode ser católica ou não.
ARTE
DIRIGIDA
As
principais correntes da arquitetura moderna são inequivocamente materialistas,
e é sob esse aspecto que tal arquitetura deve ser rejeitada. Se ela conseguiu
se difundir e impor nos dias de hoje, é porque o mundo atual não está preparado
espiritualmente para repeli-la.
Mas, por
si só, isso não lhe explicaria o êxito. Toda alma tem, ao lado das más
tendências que resultaram do pecado original, aspirações elevadas que a impelem
para Deus. Para que alguém se decida entre um caminho e outro, é necessário, na
maior parte das vezes, um impulso externo.
No caso
da arquitetura, são os arquitetos que dão esse impulso. Formados, tantos deles,
em escolas de orientação materialista, procuram de todas as maneiras se impor
como os «donos do negócio». Em todo o mundo a lei lhes reserva, em caráter de
exclusividade, o direito de conceber obras arquitetônicas.
Ao leigo,
mesmo quando dotado de real talento e sensibilidade artística, não restará, em
última análise, senão o direito de contemplar os trabalhos projetados por
aqueles que têm diploma.
Note-se
que não censuramos que se reserve aos arquitetos a parte técnica de um projeto.
Mas não podemos compreender porque se há de lhes atribuir exclusivamente no que
diz respeito à concepção de sua parte estética. Este privilégio é que serve, na
maioria das vezes, para impor ao público aberrações que afastam o homem de Deus
porque não sabem representar valores relacionados com as perfeições divinas.
ALGUMAS
OBJEÇÕES
Chegamos
agora à parte crítica deste nosso trabalho. Depois de negarmos valor espiritual
a essa arquitetura moderna, é natural que o leitor espere indicações acerca do
estilo ou dos estilos que devem ter as obras arquitetônicas nos dias de hoje.
Responderemos
que há diversos estilos, atualmente em desuso — como era de se esperar — que
correspondem a ideais espirituais mais elevados ou menos, e que por isso são
perfeitamente aceitáveis. Alguém dirá que o românico, o gótico, o renascentista,
o neoclássico, o colonial americano, o colonial brasileiro — todos eles
comportam múltiplas subdivisões dos nossos contemporâneos. Concordamos em que
estão fora de moda, porque raramente se encontra quem escolha um deles para
construir sua residência. Também concedemos que eles não contentam os anseios
representados por certas doutrinas sociais e políticas infelizmente
predominantes em nossos dias; mas não é, evidentemente, a católicos que esse
argumento irá impressionar.
Outro
argumento dos defensores da arquitetura moderna é o de que aos materiais de
construção ultimamente inventados ou descobertos deve corresponder uma nova
forma de expressão arquitetônica, da mesma maneira como os estilos antigos eram
fruto da carência de materiais tecnicamente capazes de formar em um conjunto
mais evoluído. O argumento colheria se se provasse que os «conjuntos mais
evoluídos» são necessários, e que é indispensável aproveitar os recursos
técnicos que os novos materiais vieram trazem à engenharia. Pois não se admite
que a inspiração artística se obrigue ao aproveitamento de artifícios de que
ela não tem necessidade para manifestar-se plenamente.
Uma
terceira objeção, e essa é mais séria: uma arquitetura católica não pode
limitar-se a copiar e repetir as obras de outras épocas, mesmo quando elas
atingiram grande elevação. Concordamos inteiramente, mas redarguimos que, nesse
terreno artístico como em outros, só é possível progredir quando se parte de
resultados positivos já obtidos, e que é explorando esses resultados que se
consegue uma originalidade realmente valiosa.
O CAMINHO
A SEGUIR
Estamos
convencidos de que nessa arte, e não só nela, só se poderá produzir algo
inteiramente novo e de valor, quando uma parte considerável da humanidade
passar a viver de acordo com o Evangelho. Ademais, uma escola artística
necessita de ambiente para se formar. E uma das maneiras de se obter esse
ambiente é fomentar a cópia e a repetição de obras que contenham valores
espirituais verdadeiros, capazes de, transformados, catalisar o aparecimento de
um novo estilo arquitetônico católico. E então a arquitetura voltará a
contribuir para a salvação das almas.
(Celso da
Costa Carvalho Vidigal)